Acórdão nº 1678/15.6T8GRD.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 19 de Dezembro de 2018

Magistrado ResponsávelCARLOS MOREIRA
Data da Resolução19 de Dezembro de 2018
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA 1.

A (…) e A (…) instauraram contra o seu pai P (…), na Conservatória do Registo Civil da (...) , ação de alimentos devidos a filho maior.

Peticionou cada um dos autores a condenação do progenitor a pagar-lhe a quantia mensal de 500 euros.

Ambos alegaram: São estudantes do ensino superior, com aproveitamento, tendo despesas inerentes, que discriminam, e que são suportadas apenas pela mãe, sendo certo que o pai, porque ganha cerca de 36.000,00 euros anuais, também pode e deve para elas contribuir.

O R. deduziu oposição.

Disse que os AA. não são dignos de beneficiar de alimentos, sendo, na sua ótica, irrazoável a sua pretensão, pois que desde meados de 2013 que deixaram praticamente de falar com aquele, não o olhando sequer na cara, manifestando desprezo por ele, mudando de passeio quando se cruzam e injuriando-o.

Que os valores peticionados são manifestamente exagerados e sem fundamento dado que muitas das despesas invocadas revestem natureza esporádica e não regular, não sendo outras aceitáveis pois se tratam de despesas voluntárias de quem pretende viver à larga.

Tem encargos mensais de cerca de € 550,00.

A mãe dos AA. auferia vencimento bruto de € 117.751,00 à data da apresentação do IRS conjuntamente consigo, auferindo rendimentos da sua atividade privada de medicina.

Pugna pelo indeferimento do pedido formulado pelos AA. por indignidade e irrazoabilidade e, subsidiariamente, caso assim não se entenda, serem os alimentos fixados em € 200,00.

Após seguida, na Conservatória do Registo Civil da (...) , toda a tramitação prevista no DL n.º272/2001, de 13.10, e mercê de ter havido oposição do R., foram os autos remetidos ao tribunal de 1ª instância.

2.

Prosseguiu o processo os seus termos tendo, a final, sido proferida sentença na qual foi decidido: «…julgar parcialmente procedente a presente ação e, consequentemente, fixar a prestação alimentícia mensal para cada um dos AA. para efeitos do disposto no art.º1880.º do Código Civil em € 200,00 e até perfazerem a idade de 25 anos.» 3.

Inconformado recorreu o réu.

Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões: (…) Contra alegaram os recorridos pugnando pela manutenção do decidido com os seguintes argumentos finais: (…) 4.

Sendo que, por via de regra: artºs 635º nº4 e 639º do CPC - de que o presente caso não constitui exceção - o teor das conclusões define o objeto do recurso, as questões essenciais decidendas são as seguintes: 1ª – Nulidade da sentença nos termos dos artºs 615º nº 1. al. c) do CPC.

  1. - Alteração da decisão sobre a matéria de facto.

  2. - Improcedência da acção.

5.

Apreciando.

5.1.

Primeira questão.

Estatui, no que para o caso interessa, o artº 615º do CPC: 1 - É nula a sentença quando: c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível; A oposição dos fundamentos com a decisão reconduz-se a um vicio lógico no raciocínio do julgador, em que as premissas de facto e de direito apontam num sentido e a decisão segue caminho oposto, ou, pelo menos, direção diferente.

Distinguindo-se das situações em que tal disparidade advém de mero erro material, pois, neste caso, a oposição não é substancial mas apenas aparente, dando apenas direito à retificação, enquanto que no caso invocado e que ora nos ocupa a invocada contradição, a existir, é autentica e real - pois que o juiz escreveu o que queria escrever -, a qual, verificando-se, acarreta um vício de conteúdo da sentença que implica a sua nulidade – cfr. Alberto dos Reis, Anotado, 1981, 5º, 141, Castro Mendes, Direito Processual Civil, ed. AAFDL, 1978, 3º, 302 e Abílio Neto, Breves Notas ao CPC, 2005, 195.

No caso vertente a nulidade da al. c) inexiste.

Já que entre os fundamento da decisão e o cerne da decisão decisória, qual seja, o apuramento, ou não, de uma pensão alimentícia, não se antolha qualquer vício ou contradição lógica: perante os fundamentos factuais e a interpretação que fez das normas jurídicas atinentes, o julgador decidiu decretá-la.

Designadamente entendeu que, não obstante se provar que existe um «afastamento» entre filhos e pai, o réu não logrou provar que a causa do mesmo seja imputável aos filhos, pelo que «se impõe concluir que não nos pareça irrazoável aos jovens AA. exigir do pai, aqui R., a continuidade no pagamento da prestação alimentícia até perfazerem 25 anos.» Este discurso não encerra qualquer contradição, antes pelo contrário, se alcança coerente e lógico com as premissas factuais e o entendimento jurídico perfilhado.

Se tais premissas não são as verdadeiras, e se a postura hermenêutica postulada pelo julgador não é a mais curial é questão infra a dilucidar neste recurso.

Mas tal não constitui matéria de nulidade, vício formal da sentença, mas antes de ilegalidade, afectação substancial da mesma.

5.2.

Segunda questão.

5.2.1.

No nosso ordenamento vigora o princípio da liberdade de julgamento ou da livre convicção segundo o qual o tribunal aprecia livremente as provas, sem qualquer grau de hierarquização, e fixa a matéria de facto em sintonia com a sua prudente convicção firmada acerca de cada facto controvertido -artº607 nº5 do CPC.

Perante o estatuído neste artigo, exige-se ao juiz que julgue conforme a convicção que a prova determinou e cujo carácter racional se deve exprimir na correspondente motivação – cfr. J. Rodrigues Bastos, Notas ao CPC, 3º, 3ªed. 2001, p.175.

O princípio da prova livre significa a prova apreciada em inteira liberdade pelo julgador, sem obediência a uma tabela ditada externamente; mas apreciada em conformidade racional com tal prova e com as regras da lógica e as máximas da experiência – cfr. Alberto dos Reis, Anotado, 3ª ed. III, p.245.

Acresce que há que ter em conta que as decisões judiciais não pretendem constituir verdades ou certezas absolutas.

Pois que às mesmas não subjazem dogmas e, por via de regra, provas de todo irrefutáveis, não se regendo a produção e análise da prova por critérios e meras operações lógico-matemáticas.

Assim: «a verdade judicial é uma verdade relativa, não só porque resultante de um juízo em si mesmo passível de erro, mas também porque assenta em prova, como a testemunhal, cuja falibilidade constitui um conhecido dado psico-sociológico» - Cfr. Ac. do STJ de 11.12.2003, p.03B3893 dgsi.pt.

Acresce que a convicção do juiz é uma convicção pessoal, sendo construída, dialeticamente, para além dos dados objetivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, nela desempenhando uma função de relevo não só a atividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis e mesmo puramente emocionais – AC. do STJ de 20.09.2004 dgsi.pt.

Nesta conformidade - e como em qualquer atividade humana - existirá sempre na atuação jurisdicional uma margem de incerteza, aleatoriedade e erro.

Mas tal é inelutável. O que importa é que se minimize o mais possível tal margem de erro.

O que passa, como se viu, pela integração da decisão de facto dentro de parâmetros admissíveis em face da prova produzida, objetiva e sindicável, e pela interpretação e apreciação desta prova de acordo...

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