Acórdão nº 1066/15.4T8PBL-B.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 19 de Dezembro de 2018

Magistrado ResponsávelLUÍS CRAVO
Data da Resolução19 de Dezembro de 2018
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

* Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra[1] * 1 – RELATÓRIO J (…), veio ao abrigo do disposto no artº 936º, nº3 do CPC deduzir pedido de cessação da prestação de alimentos contra M (…) Para fundamentar tal pretensão, alega em síntese que foi casado com a Ré/requerida, tendo vindo a ser decretado o divórcio por mútuo consentimento na Conservatória do Registo Civil da (...) , tendo no âmbito do dito processo sido fixada uma pensão de alimentos a pagar por si à Ré/requerida, no montante de 500€ mensais.

Na sua versão, tal pensão foi fixada não porque a Ré/requerida verdadeiramente dela carecesse mas porque então ele A./requerente gozava de uma situação financeira muito favorável, desenvolvendo actividade numa empresa na Alemanha que lhe propiciava um vencimento mensal de 6.500€ líquidos a que acrescia uma comissão de 2% sobre o valor das vendas, sendo ainda da responsabilidade da sua entidade patronal o pagamento da renda do apartamento que habitava e a atribuição de uma viatura automóvel, cartão de crédito, computador e telemóvel.

Enquanto manteve essa situação, o A./requerente foi cumprindo com a prestação de alimentos a que se havia obrigado até que, em Junho de 2012 ficou desempregado, passando a auferir apenas o subsídio correspondente cujo montante não lhe permitia, sequer suportar o pagamento da renda da casa que então habitava de cerca de 1.500€ mensais.

Viu-se então obrigado a recorrer à ajuda de amigos e familiares para prover à sua subsistência e a contrair empréstimos com a mesma finalidade, e ainda com a de pagar as prestações de empréstimos contraídos em Portugal ainda durante a união conjugal.

Entretanto, em Dezembro de 2014 foi-lhe diagnosticado um Mieloma Múltiplo, o que o forçou a terapia sistémica intensiva, com quimioterapia e radioterapia da coluna vertebral a um transplante de células matrizes em 215, tudo originando longos períodos de hospitalização e implicando deslocação exclusivamente em cadeira de rodas.

Muito embora em 2015 a sua vida tenha voltado a ser relativamente normal a doença de que continua a padecer é causadora de um grau de invalidez de 100% pelo que se encontra já a tratar da sua pensão de invalidez que só passaria a auferir a partir de 2017.

Tal situação de absoluta carência financeira, força-o a desenvolver alguns trabalhos para obter rendimentos, não obstante o esforço que nisso tem que despender, até porque só da prestação empréstimos carece de mais de 1.700€ mensais, não sendo o remanescente que aufere sequer suficiente para lhe permitir pagar a renda de casa, alimentação, vestuário e despesas médicas, pelo que ó com o apoio da sua actual mulher consegue viver com um mínimo de dignidade.

Tal situação impede-o em absoluto de pagar qualquer quantia de alimentos à Ré/requerida, o que, aliás, não faz desde o ano de 2012, só não tendo pedido a cessação da prestação alimentar nessa altura, pois estava convicto de que estando ele nesta situação, conhecida da Ré/requerida, e continuando ele a liquidar sozinho as prestações de empréstimos contraídos durante o casamento e que a ambos oneravam, a mesma prescindiria do recebimento da dita pensão, que aliás, durante anos lhe não cobrou, só se tendo apercebido que assim não era, quando teve conhecimento da instauração da execução por alimentos no ano de 2015.

Ora, não só face ao que deixa dito não está ele em condições de pagar a prestação alimentar fixada como a própria Ré/requerida dela não carece, pois é reformada, auferindo pelo menos 500€ mensais, não paga renda de casa, habitando a que a casa de morada de família na companhia da filha, que já trabalha e rem vencimento, sendo a única herdeira, conjuntamente com a mãe da herança do falecido pai, da qual fazem parte imóveis de elevado valor, alguns dos quais passíveis de gerar rendimentos regulares.

Deve pois declarar-se cessada a obrigação de pagamento da prestação alimentar fixada em benefício da Ré/requerida aquando do divórcio.

* Foi agendada a conferência a que alude o artº 936º, nº3 do CPC, para a qual as partes foram regularmente convocadas, não tendo aí sido possível formalizar o visado acordo.

Foi determinada a notificação da Ré/requerida para contestar querendo a presente ação no prazo legal.

* Correspondendo a tal faculdade, a Ré/requerida veio, nos termos de fls. 77 e segs., pugnar pela total improcedência da ação.

Fundamenta tal pretensão na sucinta alegação de é pessoa doente, carecida de medicamentos e tratamentos, tendo como único rendimento uma parca reforma de 363,95€, valor que nem lhe permite fazer valer às necessidades mais básicas, incluindo a aquisição de óculos de que carece.

Mais invoca que o valor escasso da reforma que aufere se deve exclusivamente ao A./requerente que “a forçou” a “levantar os descontos” feitos durante o período em que trabalhou na Alemanha dinheiro que foi canalizado para uma empresa que o A./requerente montou e que acabou por não sobreviver economicamente.

Mais alega que embora de facto a situação profissional do A./requerente aquando do divórcio fosse genericamente aquela que o mesmo invoca, na realidade os rendimentos que o mesmo tinha não se restringiam aos que alegam, pois mantinham concomitantemente actividade empresarial que gerava rendimentos e em 2013, quando saiu da empresa onde trabalhava obteve uma indemnização de quase 60.000€ e recebeu um seguro de vida de 100.000,00€ em 2015, tendo-se apropriado de tais valores, parte dos quais lhe pertenciam a ela Ré/requerida, não tendo usado tais valores para liquidar os empréstimos contraídos, pelo que não pode agora invocar as prestações referentes aos mesmos para obviar ao pagamento da pensão de alimentos, até porque os valores obtidos através dos empréstimos foram usados em proveito do próprio que, sabendo isso mesmo, assumiu o pagamento dos valores correspondentes às prestações.

Mais invoca que o património da herança de seu pai é velho e insusceptível de gerar rendimentos, carecendo de fundamento fazer apelo à sua existência.

Mais invoca a Ré/requerida desconhecer sem culpa as condições do A./requerente que, não obstante a invocada diminuição de rendimentos, ainda assim possui um nível de vida muito superior ao seu.

* Após algumas vicissitudes relacionadas com a pendência da oposição à execução, veio a ser agendada audiência prévia no âmbito da qual não foi possível obter o acordo das partes e com os fundamentos na acta correspondente exarados, foi determinado que por escrito fosse elaborado despacho saneador, que de forma tabelar aferiu positivamente os pressupostos de validade e regularidade da instância, consignado o objecto do litígio e os temas de prova, sem reclamações.

Instruída a causa procedeu-se a julgamento, com observância do legal formalismo, conforme da ata elaborada melhor consta.

* Veio, na sequência, a ser proferida sentença, na qual após identificação em “Relatório”, das partes e do litígio, se alinharam os factos provados (e não provados), relativamente aos quais se apresentou a correspondente “Motivação”, após o que se considerou, em suma, que os factos apurados permitiam concluir que se havia verificado efetivamente uma alteração de circunstâncias que justificava que no caso concreto se declarasse cessada a prestação alimentar que as partes entenderam fixar, termos em que se concluiu com o seguinte concreto “dispositivo”: «Por todo o exposto, nos termos e por força das disposições legais referidas, na parcial procedência de acção e reconvenção, decide-se declarar cessada a obrigação de o A. pagar alimentos à R., nos termos determinados no divórcio que entre ambos correu.

Custas pela R., sem prejuízo do apoio judiciário que a beneficia.

Registe e notifique.» * É com esta decisão que a Ré/requerida não se conforma e dela vem interpor recurso de apelação, de cujas alegações extraiu as seguintes conclusões: (…) * Por sua vez, apresentou o A./requerente as suas contra-alegações a fls. 304-336, das quais extraiu as seguintes conclusões: (…) * A Exma. Juíza a quo proferiu despacho a admitir o recurso interposto, providenciando pela sua subida devidamente instruído, sendo que nesse mesmo despacho sustentou a inverificação das arguidas nulidades da sentença.

* Nada obstando ao conhecimento do objeto do recurso, cumpre apreciar e decidir.

* 2 – QUESTÕES A DECIDIR: o âmbito do recurso encontra-se delimitado pelas conclusões que nele foram apresentadas e que atrás se transcreveram – arts. 635º, nº4 e 639º do n.C.P.Civil – e, por via disso, por ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso, as questões a decidir são: - nulidades da sentença [alíneas b), c) e d) do nº1 do art. 615º do n.C.P.Civil]?; - vício da falta de fundamentação da matéria de facto [art. 607º, nº4 do n.C.P.Civil]?; - impugnação da matéria de facto [quanto aos pontos 6, 7, 8, 10, 21, 22 e 25[2], dados por “provados” incorretamente]?; - erro de decisão [ao dar-se procedência à pretensão do Autor]? * 3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO 3.1 – Como ponto de partida, e tendo em vista o conhecimento dos factos, cumpre começar desde logo por enunciar o elenco factual que foi considerado/fixado como “provado” pelo tribunal a quo, ao que se seguirá o elenco dos factos que o mesmo tribunal considerou/decidiu que “não se provou”, sem olvidar que tal enunciação poderá ter um carácter “provisório”, na medida em que o recurso tem em vista a alteração parcial dessa factualidade.

Tendo presente esta circunstância, são os seguintes os factos que se consideraram “provados” no tribunal a quo:[3]: «1. J (…) e M (..) contraíram casamento um com o outro no dia 31 de Julho de 1983, sem convenção antenupcial.

  1. Requereram o divórcio por mútuo consentimento em 19 de Janeiro de 2012 junto da Conservatória do Registo Civil da (...) , tendo para o efeito junto os necessários acordos, os quais vieram a ser homologados por decisão datada de 9 de Fevereiro de 2012, neste momento já definitiva.

  2. Segundo um desses acordos o requerente marido pagaria...

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