Acórdão nº 6934/14.8CBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 11 de Dezembro de 2018

Magistrado ResponsávelCARLOS MOREIRA
Data da Resolução11 de Dezembro de 2018
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA 1.

H (…) instaurou contra “A (…) & Filhos, Ldª” acção declarativa, de condenação, com processo comum.

Alegou: Em 21 de Setembro de 2009 foi celebrado um contrato de compra e venda entre Autor e Ré, respectivamente nas qualidades de comprador e vendedora, tendo por objecto a fracção autónoma identificada no artigo 1º da petição inicial construída pela Ré vendedora.

Em finais do Inverno de 2014, surgiram nessa fracção as “infiltrações de humidades e outras patologias” descritas nos artigos 6º a 11º da petição inicial, fruto de deficiente impermeabilização quer das janelas, quer da vedação exterior das paredes e telhado, que permitem a entrada de ar, de águas pluviais e humidade do exterior para o interior dessa fracção.

A ré, apesar de instada a eliminar esses defeitos de construção e de se comprometer a fazê-lo, limitou-se a executar trabalhos que se revelaram inadequados para a erradicação daquelas patologias, recusando-se a executar as reparações necessárias à erradicação dos vícios construtivos causais daquelas anomalias.

O autor concedeu-lhe prazo certo para esse efeito através de carta datada de 2 de Setembro de 2014 – com o que incorreu numa situação de incumprimento definitivo do dever de reparação dos defeitos que confere ao Autor o direito de os mandar eliminar a expensas da Ré.

Pediu: A condenação da Ré no pagamento da importância de 15.785 € - correspondente ao custo de reparação dos defeitos existentes na fracção adquirida à Ré e que esta não eliminou (13.285 €) e à indemnização devida pelos danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora calculados à taxa legal desde a data de citação da Ré até integral e efectivo pagamento.

A Ré contestou.

Por exceção arguiu a ilegitimidade activa do autor e a caducidade do seu direito.

Por impugnação disse que a passagem de ar pelas janelas, a existir, decorre da própria natureza do perfil de alumínio, opção construtiva adoptada pela Ré para todas as fracções do edifício e do conhecimento dos seus adquirentes; que as humidades, a existirem, são fruto da condensação causada pela falta de arejamento da fracção do Autor e, ainda, que qualquer entrada de águas no sótão terá ocorrido em consequência de janelas deixadas abertas pelo Autor enquanto chove, concluindo pela improcedência da acção.

  1. Prosseguiu o processo os seus termos, tendo, a final, sido proferida sentença - já rectificada de erro material- na qual foi decidido: «… na parcial procedência da acção, decide-se condenar “A (…) & Filhos, Ldª” a pagar ao Autor as quantias de 7.760 €, correspondente ao custo de reparação das patologias denunciadas, e de 2.000 €, a título de ressarcimento dos danos não patrimoniais sofridos, acrescida de juros de mora calculados à taxa legal a primeira desde a data de citação da Ré e a segunda desde a data da prolação desta decisão até integral e efectivo pagamento, no mais absolvendo a Ré do peticionado.» 3.

    Inconformados recorreram ambas as partes.

    3.1.

    Conclusões do autor da sentença ante-retificação: (…) 3.2.

    Conclusões da ré da sentença já retificada.

    (…) 4.

    Sendo que, por via de regra: artºs 635º nº4 e 639º do CPC - de que o presente caso não constitui exceção - o teor das conclusões define o objeto do recurso, as questões essenciais decidendas são, lógica e metodológicamente, as seguintes: Do recurso da ré: 1ª – Nulidade da sentença nos termos do artº 615º nº1 al.d) do CPC.

    Dos recursos do autor e da ré: 2ª - Alteração da decisão sobre a matéria de facto.

    C – Do recurso do autor.

    1. – Condenação com consideração do IVA.

    D – Do recurso da ré: 4ª - Improcedência da acção.

  2. Apreciando.

    5.1.

    Primeira questão.

    5.1.1.

    Clama a ré que a sentença é nula, nos termos do artº 615º nº1 al.d) do CPC, ou seja, porque nela deixou de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar.

    Para tanto diz que não foi aduzida fundamentação para a prova dos factos 23 e 24.

    A recorrente subsume inadequadamente a sua pretensão.

    Efetivamente, e ainda que presentemente a decisão sobre a matéria de facto passe, formalmente, a constar na sentença – lato sensu considerada - tal decisão não se confunde nem é totalmente absorvida pela sentença – stricto sensu – a qual se consubstancia na subsunção dos factos apurados às normas legais pertinentes e na respetiva decisão – artº 607º nº3 do CPC.

    Assim, na decisão sobre a matéria de facto, importa apurar se a convicção que acarreta a prova de certos factos e a não prova de outros, está consonante com os meios probatórios produzido ou se o julgador se pronunciou e relevou todos os factos com interesse para a decisão.

    Já na sentença final urge apenas verificar se a decisão final está alicerçada, ou não, em factualismo pertinente e nas normas legais atinentes e foi curialmente prolatada.

    Já no domínio do CPC pretérito se entendia que existia uma clara diferenciação entre os artºs 653º nº 2 e o artº 668º, vg. a sua al. b) do nº 1.

    Pois que «aquele primeiro dever aponta exclusivamente para a justificação da concreta base de apuramento da matéria de facto «qua tale», enquanto que o segundo deixa subentender a justificação ou motivação da decisão final «vis a vis» o direito substantivo concretamente aplicável» - cfr. Ac. do STJ de 06.12.2004 dgsi.pt.p.

    04B3896.

    Porém, tal entendimento mantém-se atual, no âmbito do NCPC, pois que, não obstante a alteração meramente circunstancial/formal de a decisão sobre a matéria de facto constar na sentença, lato sensu, é evidente, que as duas decisões – a sobre os factos provados e não provados e a decisão final - são, na sua génese, natureza e finalidade, lógica e teleológicamente, diferentes, e por isso obedecendo a critérios e requisitos específicos e não necessariamente coincidentes.

    E a tal autonomia aludindo, ou a mesma deles se retirando, os nºs 3 e 4 do artº 607º do CPC, sendo que aquele se reporta à sentença final, stricto sensu, e este se refere à anterior decisão sobre os factos.

    Aliás, esta diferenciação repercute-se no sancionamento dos vícios respetivos.

    Os do artº 615º, são taxativos, reportam-se à sentença, tout court, e acarretam a sua nulidade.

    A falta ou insuficiente fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, ou a desconsideração de factos relevantes apenas tem a ver com esta decisão, como dimana do disposto no artº 662º, podendo acarretar a modificabilidade desta pela Relação, a sua anulação ou o reenvio do processo à 1ª instância para cabal fundamentação: nº1 e nº2 als. c) e d).

    Nesta conformidade, facilmente se alcança que o vício não é de nulidade da sentença por omissão de pronúncia, mas antes, eventualmente, de (i)legalidade da decisão sobre a matéria de facto, ex vi da sua deficiência, cuja consequência não está prevista no artº 615º, mas antes no artº 662º nº2 al. c) – cfr, neste sentido, os Acs. da RC de 20.01.2015 e de 19.12.2017, ps. 2996/12.0TBFIG.C1 e 2206/07.2TBCBR.C1 in dgsi.pt.

    5.1.2.

    Aqui chegados, cumpre centrarmo-nos correctamente na questão.

    Estatui o artº 607º nº4 do CPC: «na fundamentação da sentença o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção.» Este segmento normativo é a decorrência lógica do disposto nos artºs 208º nº 1 da Constituição e 154º nº 1 do CPC que impõem o dever de as decisões sobre qualquer pedido controvertido ou sobre qualquer dúvida suscitada no processo serem sempre fundamentadas.

    A motivação tem uma dupla finalidade: por um lado convencer os interessados do bom fundamento e da correção da decisão, o que implica a sua legitimação; por outro lado permitir ao tribunal superior, em caso de recurso, a possibilidade da sua sindicância.

    Nesta conformidade a motivação da decisão sobre a matéria de facto não pode reconduzir-se a uma mera indicação genérica dos meios de prova que conduziram ao resultado enunciado.

    O que poderia descambar num mero juízo arbitrário ou de convicção e, como tal, insindicável, sobre a realidade, ou não, de um facto.

    Antes devendo ser especificados os concretos meios de prova, submetê-los a uma análise crítica e explicitado o processo lógico-dedutivo que levou à convicção expressa na resposta, o como e o porquê dessa convicção – cfr. J. Pereira Batista, Reforma do Processo Civil, 1997, p.90 e segs e Abílio Neto, in Breves Notas ao CPC, 2005, p.189.

    Assim: «…o que deve e pode exigir-se do julgador é a explicação das razões que objectivamente o determinaram a ter ou não por averiguado determinado facto. Quando o juiz decide que certo facto está provado é porque foi levado a esta conclusão por um raciocínio lógico, que tem de ter, na sua base, elementos probatórios produzidos. O que se determina nesta disposição é que o juiz revele essa motivação, de modo a esclarecer o processo racional que o levou à convicção expressa na resposta…» - Rodrigues Bastos, Notas ao CPC. vol. III, ed. de 2001, em anotação ao artigo 653º.

    Ou seja: «o tribunal deve indicar os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento do facto provado ou não provado. A exigência da motivação da decisão não se destina a obter a exteriorização das razões psicológicas da convicção do juiz, mas a permitir que o juiz...

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