Acórdão nº 411/04.2 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 20 de Novembro de 2007

Magistrado ResponsávelISABEL FONSECA
Data da Resolução20 de Novembro de 2007
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam os juízes da 1ª secção do Tribunal da Relação de Coimbra I-RELATÓRIO A..

., residente em Av.ª Monsenhor Mendes Carmo, Bloco B, n.º 27, 3.º Dt.º, Guarda intentou a presente acção declarativa de condenação, com processo sumário, contra Sctuvias-Auto Estradas da Beira Interior, S.A., com sede na Praça de Alvalade, n.º6, 7.º, Lisboa, sendo interveniente, do lado passivo, a Companhia de Seguros, S.A., com sede em Largo do Calhariz, n.º30, Lisboa, pedindo a condenação da R. a pagar-lhe a quantia de 6.425,00 Euros, acrescida de juros à taxa legal de 4% desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.

Para fundamentar a sua pretensão alega que: No dia 1 de Outubro de 2003, na A-23, sentido Covilhã – Castelo Branco, numa altura em que chovia, o Autor conduzia o seu veículo ligeiro de matrícula 44-66-LN, a cerca de 90 ou 100 K/hora quando, nas proximidades do Km 160,450, perdeu o domínio do Seat que entrou em “aquaplaning”, em virtude de um “lençol” de água que abrangia a faixa de rodagem, indo embater no separador central de cimento da A-23, que separa as faixas de rodagem de ambos os sentidos, após o que o Seat rodou sobre si mesmo e bateu ainda com a parte traseira no mesmo muro separador, imobilizando-se. Algum tempo depois chegou ao local uma viatura da Scutvias, tendo um elemento desta empresa procedido à desobstrução de uma caixa de águas pluviais existente nas imediações, caixa da qual foi retirado entulho que obstruía o normal escoamento de água.

Do acidente resultaram danos no veículo, no valor de €7.226,00. Tendo o Seat o valor de €7.500,00 antes do acidente, o autor preferiu vender a viatura como salvado, pelo valor de €2.500,00, sofrendo o Autor um prejuízo de €5.000,00. Acrescem os prejuízos decorrentes do período de tempo em que o Autor esteve impossibilitado de utilizar veículo automóvel nas suas deslocações profissionais e familiares, prejuízos que não podem deixar de ser indemnizados pela Ré, no valor de €1.425,00, à razão de €25,00 por dia.

Por fim, fundamenta a responsabilidade da 1.ª R por o acidente ter ocorrido na A-23, auto-estrada sem portagens, cuja concessão de exploração foi atribuída à Scutvias, que está obrigada a assegurar permanentemente as boas condições de segurança e comodidade dessa via, nomeadamente praticando os actos de vigilância destinados a eliminar e/ou prontamente assinalar quaisquer anomalias que diminuam a referida segurança ou comodidade.

A Ré Sctuvias-Auto Estradas da Beira Interior, S.A. contestou, impugnando a factualidade constante da P.I. e invocando, em síntese, que: Celebrou com a Companhia de Seguros Fidelidade, S.A., uma apólice de seguro de responsabilidade civil, para pagamento de indemnizações devidas a terceiros na sua qualidade de concessionária.

Actuou com zelo e diligência no cumprimento das obrigações contratuais que lhe competem porquanto, alertada pelas previsões meteorológicas, instruiu as suas equipas para verificarem e limparem as caixas sumidouras, o que foi feito e ainda procedeu à afixação de painéis alfanuméricos advertindo “piso molhado, modere a velocidade”.

Foi o Autor a dar causa ao acidente, não actuando com a diligência devida, porquanto não avistou o eventual lençol de água e não reduziu a velocidade, adequando a marcha do veículo às condições concretas em que a mesma se processava.

A chamada Companhia de Seguros Fidelidade S.A. apresentou contestação, argumentando em termos similares à Ré Sctuvias-Autoestradas da Beira Interior, S.A.

Elaborou-se base instrutória, objecto de reclamação, parcialmente deferida.

Procedeu-se a julgamento e respondeu-se aos quesitos, sem reclamações.

Elaborou-se sentença, que julgou a acção parcialmente procedente, condenando-se as “RR, solidariamente, a pagarem ao A a quantia de 5.360 Euros, mas descontando quanto à 2.ª R Companhia de Seguros Fidelidade 360 Euros (valor correspondente ao prejuízo pela paralisação do veículo) e descontando ainda os valores previstos na franquia referida no art.º10.º das condições especiais, isto é, 2.500 Euros, as quantias a pagar serão acrescidas dos montantes equivalentes aos juros de mora, à taxa legal, desde a citação, e até efectivo e integral pagamento”.

Inconformada, a Ré Scutvias SA interpôs recurso.

Apresentou alegações, concluindo da seguinte forma: 1ª Contrariamente ao pressuposto pelo Tribunal a quo na decisão recorrida, não se encontram assentes nos autos – pois não foram sequer alegados – factos concretos e circunstanciados capazes de habilitar o tribunal a poder concluir, como concluiu, que o veículo “entrou em aquaplaning” (ponto 6 da Base Instrutória), que tal facto ocorreu em virtude de um lençol de águia” (ponto 7 da Base Instrutória), “não tendo piso seguro sob nenhuma das rodas, daí” (ponto 9 da Base Instrutória).

  1. A ocorrência do designado “aquaplaning” ou “hidroplanagem”, depende necessariamente da verificação de um conjunto de factores, de entre os quais “a velocidade do carro”,“o estado do piso dos pneus” e a “profundidade da água” (cfr.

    http://vce.planetaclix.pt/InfoManual04a.htm), sendo certo que no caso dos autos apenas se sabe que havia água no pavimento, não tendo sido feita prova – nem se encontram dados por assentes – esses factores, não se sabendo sequer a que velocidade circulava o veículo.

  2. Dos meios de prova que fundamentam a decisão do tribunal, nomeadamente os depoimentos das testemunhas João Mateus Mendes (…), Luís Manuel Tomé Ribeiro (…) e José Manuel Garcia Gil Conde (…) e do que resulta assente no ponto av) dos factos provados, não pode resultar provada a verificação de uma situação de hidroplanagem (ponto 6 da Base Instrutória), por não ter sido feita qualquer prova alguns dos elementos (factos constitutivos) necessários para a verificação de tal fenómeno complexo, designadamente a velocidade a que circulava o veículo e o estado dos pneus.

  3. Os meios de prova que fundamentam a convicção do tribunal a quo, são os mesmos que impõem uma decisão diversa da proferida, até porque nenhuma das testemunhas ouvidas em sede de audiência de discussão e julgamento assistiu ao acidente sub judice e, por outro lado resulta assente no ponto av) dos factos provados que “nesse dia e naquele sublanço não se registou mais nenhum acidente de viação, tendo sido a viatura do A. a única que se despistou”.

  4. O que pode concluir-se de toda a prova produzida e apreciada em sede de audiência de discussão e julgamento é a não verificação do fenómeno da hidroplanagem, devendo dar-se como não provados os correspondentes pontos da matéria de facto assente (pontos 6, 7 e 9 da Base Instrutória), uma vez que o Autor não logrou provar – nem, aliás, alegou – todos os factos pertinentes para a existência deste fenómeno – tais como a velocidade e o estado dos pneus, sendo desta forma impossível estabelecer o nexo de causalidade entre a quantidade de água e o acidente.

  5. A existência de água no pavimento não constitui um elemento endógeno à via (tratando-se antes de uma realidade exógena à auto-estrada), pelo que a imputação de responsabilidade à Recorrente não pode ser aferida pelo regime previsto no art. 493º do Código Civil, não devendo assim a concessionária ser onerada com o ónus da prova (…).

  6. a 9ª Contrariamente ao decidido na sentença recorrida, a responsabilidade da concessionária é extra contratual, subsumindo-se ao regime revisto no art.483º do C.C., competindo ao Autor o ónus de prova dos factos constitutivos do direito por si alegado (Base XXXV/2 do Dec. Lei 335-A/99 de 20 de Agosto), não existindo inversão desse ónus, nem tão pouco presunção de culpa da concessionária; A imputação da responsabilidade à cessionária não é contratual, ,não se baseando nem em contrato inominado, nem contrato a favor de terceiro.

  7. O Tribunal a quo violou o disposto nos arts. 483º, 493º, e 799º do C.C., bem como a Base XXXV/2 referida e o Autor não logrou provar os factos constitutivos do seu direito, como resulta da matéria de facto provada.

  8. Ao contrário do pressuposto na decisão recorrida, no caso dos autos não foi feita prova pelo Autor da verificação de um nexo de causalidade entre o dano – provocado pelo acidente – e a sua origem – o lençol de água – não se podendo desta forma condenar a recorrente, ainda que se presuma a existência de culpa e se conclua pela sua existência, a menos que se entenda que sobre as concessionárias recai não só uma presunção de culpa como também a contraprova de ausência de todos os elementos da responsabilidade civil, o que não se concebe em termos de justiça material.

    O recorrido apresentou contra-alegações.

    Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

    II- FUNDAMENTOS DE FACTO O tribunal de 1º instância deu por provada a seguinte factualidade, acrescentando-se neste tribunal da Relação a sua proveniência da base instrutória:

    1. No dia 1 de Outubro de 2003, nas proximidades do Km 160,450 da A-23, sentido Covilhã – Castelo Branco, ocorreu um acidente de viação, no qual foi interveniente o veículo ligeiro de mercadorias da marca Seat e matrícula 44-66-LN.

    2. O local apresenta-se como uma recta.

    3. À frente do Autor e na sua retaguarda, em qualquer dos casos dentro do seu campo de visão, não circulava nenhum outro veículo.

    4. O tempo estava chuvoso e na altura chovia.

    5. Após momentos iniciais de pânico o A conduziu o Seat para fora da faixa de rodagem.

    6. Algum tempo depois do acidente chegou ao local uma viatura da Scutvias, que estacionou na traseira do carro do Autor, e pouco depois uma viatura da Brigada de Trânsito que tomou conta da ocorrência.

    7. A viatura do Autor e a viatura da Scutvias continuavam fora da faixa de rodagem.

    8. O embate do Seat no separador central em cimento originou vários danos no veículo do A.

    9. A R. é a sociedade a quem foi adjudicada pelo Estado Português a concessão da concepção, projecto, construção, aumento do número de vias, financiamento, exploração e conservação, em regime de portagens sem cobrança aos utilizadores, de determinados lanços de auto-estrada e conjuntos viários...

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