Acórdão nº 56/03.4TBVGS de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 02 de Outubro de 2007

Magistrado ResponsávelHÉLDER ROQUE
Data da Resolução02 de Outubro de 2007
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA: A..., residente na Rua de Alqueidão, 72, Ílhavo, propôs a presente acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra B..., sociedade por quotas, com sede no lugar da Praia da Vagueira, freguesia da Gafanha da Boa Hora, concelho de Vagos, e C..., sociedade anónima, com sede na Rua Principal, Gafanha do Areão, freguesia da Gafanha da Boa Hora, concelho de Vagos, pedindo que, na sua procedência, se declare a nulidade do negócio celebrado entre as rés, designadamente, quanto aos lotes infra-discriminados e, em consequência, se declare que os referidos lotes são pertença da ré B..., embora, formalmente, estejam na titularidade da ré C..., com o cancelamento dos registos de aquisição, a favor desta.

Alega, para tanto, em síntese, que é sócio da ré B..., titular de uma quota, no valor de 396.000$00, estando o restante capital social representado, por mais duas quotas, uma de 540.000$00, pertencente a José Arlindo Alves Abreu, e outra de 264.000$00, pertencente a Arlindo dos Santos Parracho, tendo o autor sido afastado da gerência, por decisão da maioria dos outros dois sócios.

Na sequência do seu afastamento da gerência da ré B..., os gerentes desta começaram a vender lotes de terreno, com vista ao esvaziamento do seu património social, mas por valores muito abaixo dos reais, tendo, por escritura de 2 de Maio de 2001, B..., representada pelos gerentes José Arlindo e Arlindo Parracho, declarado vender à ré C..., e esta, representada pelos administradores José Mário Mirassol Ribeiro e Manuel José Pires, declarado comprar-lhe, trinta e seis lotes dos que ainda restavam à sociedade, pelo preço global de 185.000.000$00, quando o seu valor real, atento o número de fogos que é permitido construir, é de, pelo menos, 616.600.000$00.

Trata-se, assim, de um acto simulado, com o propósito de prejudicar o autor, pois nem o José Arlindo, nem o Arlindo Parracho, em representação da B... quiseram vender, nem o José Ribeiro e o José Pires, em representação de “Ferro & Ribeiro, Lda”, quiseram comprar, não tendo entrado qualquer dinheiro para a ré “Ferreira, Ldª”.

Os gerentes da ré “Ferro & Ribeiro SA” são meros testas de ferro do José Arlindo e do Arlindo Parracho, e, não obstante terem declarado, no aludido negócio, um valor irrisório, a verdade é que nenhum preço foi pago, sendo certo que não dispunham de capitais que lhes permitissem adquirir esses lotes, para além de que, há pouco tempo, esta ré se havia transformado em sociedade anónima, permitindo assegurar os interesses do José Arlindo e do Arlindo Parracho, bastando, para tanto, transmitir-lhes as acções de C....

A transmissão dos lotes é um negócio nulo, sendo o autor terceiro e alheio ao mesmo, sofrendo prejuízos com a sua venda, pelos preços declarados na escritura, sendo, assim, titular de um direito afectado pela validade do aludido contrato de compra e venda e, deste modo, como sócio da ré, pode pedir a declaração judicial dos actos simulados.

A ré B... contestou, arguindo a ilegitimidade activa do autor, bem como a falta de alegação de elementos necessários para caracterizar a simulação e, portanto, integrar a causa de pedir invocada, mormente, o intuito de enganar terceiros, impugnando, ademais, a restante matéria articulada pelo autor.

A ré C..., na sua contestação, invoca a excepção da ilegitimidade activa do autor, impugna os factos por este alegados e, em sede de reconvenção, peticiona a condenação deste a pagar-lhe a quantia de €7.333,33, por cada mês por que se prolongar a presente acção, com início em 3 de Fevereiro de 2003.

Na réplica, o autor defende a improcedência da excepção de ilegitimidade, e impugna a factualidade aduzida na reconvenção.

No despacho saneador, foi indeferido, liminarmente, o pedido reconvencional deduzido pela ré C..., e julgada improcedente a excepção de ilegitimidade activa, suscitada por ambas as rés.

Porém, a ré C... interpôs recurso da decisão de indeferimento liminar da reconvenção deduzida, bem assim como da decisão que julgou improcedente a excepção da ilegitimidade activa do autor, terminando as alegações como pedido da sua revogação, formulando as seguintes conclusões: 1ª – De acordo com o pedido formulado, o autor não tem qualquer interesse directo na procedência do pedido.

2ª - Deveria por isso ter sido considerado parte ilegítima, com a consequente absolvição das rés da instância.

3ª – A reconvenção formulada pela apelante decorre da sua defesa.

4ª – Deveria, por isso, ter sido admitida.

5ª – Decidindo em contrário o douto despacho recorrido violou, no que respeita à legitimidade do autor o disposto no nº 1 do artigo 26º do CPC e no que tange ao indeferimento da reconvenção, o disposto na alínea a) do nº 2 do artigo 274 do CPC.

Não foram apresentadas contra-alegações.

A Exª Juiz sustentou ambas as decisões questionadas, por entender não ter causado qualquer agravo à recorrente.

Notificado do teor do relatório pericial, o autor, declarando conformar-se com o mesmo, esclareceu que se mantinha pertinente o exame pericial requerido pela ré C..., em relação à escrita da ré B..., mas a Mª Juiz nada determinou, neste particular, uma vez que aquele relatório pericial abrangeu as questões suscitadas, que se encontravam contempladas no objecto da perícia.

Desta decisão, o autor interpôs recurso de agravo, terminando as alegações com o pedido da sua revogação, formulando as seguintes conclusões: 1ª – O despacho de fls 901 fixou o objecto da diligência, o qual consistia na realização da perícia à escrita das co-rés Ferreiras, Lda e Ferro & Ribeiro SA, com vista a esclarecer os fluxos financeiros, origens e aplicações de fundos desde 25.05.01 até hoje.

2 a - O relatório da perícia esclarece os factos ocorridos até 31.05.01, mas nada esclarece sobre os factos posteriores a esta data.

3a - O relatório sofre de insuficiências, pois não abrange os factos que permitem esclarecer se o preço da venda dos lotes, representado pelo cheque de 185.000 contos, lançado contabilisticamente em 25.05.01 na conta do vendedor, a co-ré Ferreiras, Lda lá permaneceu até "hoje" [data do despacho de 12.05.04] ou se retornou aos cofres do comprador, a co-ré Ferro & Ribeiro SA.

4a - Seguindo os fluxos financeiros, mediante a análise das aplicações de fundos da co-ré Ferreiras, Lda, a partir da data de 31.05.01 até à data do despacho, de 12.05.04, podiam os peritos esclarecer se houve ou não retorno do valor do cheque à Ferro e Ribeiro SA.

5a - Atento o requerimento do recorrente, de 15.09.04, onde se insurge contra a deficiência do relatório, deveria o M° Juiz a quo ordenar que os peritos completassem o relatório apresentado.

6a - Em função dos esclarecimento prestados sobre as questões de facto constantes do despacho de fls 901, podia o recorrente organizar a sua prova, designadamente, alterando o rol de testemunhas.

7a - Os autos revelam que a co-ré Ferro & Ribeiro, SA, decorri¬dos mais de 3 anos não construiu em qualquer dos 36 lotes nem revendeu qualquer um.

8a - Tal comportamento, por parte da co-ré Ferro & Ribeiro, SA, atentas as regras da experiência da vida, aponta no sentido de que o negócio celebrado com a co-ré Ferreiras, Lda, se destinou a por a recato os lotes para quando fossem, proferidas decisões a condenarem os gerentes José Arlindo e Arlindo Parracho, já nada restasse por onde o autor se possa fazer pagar dos seus créditos.

9ª – A decisão recorrida viola o disposto nos artigos 577º, nº 1, 578º, nº 2, 580º, nº 1 e 587º, nº 2, do CPC, que impunham o esclarecimento de todas as questões de facto objecto da perícia; e 10º - Viola o disposto nos artigos 512º e 512º-A do CPC, que garante o apuramento da realidade dos factos principais ou instrumentais da causa.

Nas contra-alegações, que, apenas, a ré C... apresentou, esta sustenta que o despacho recorrido não merece qualquer censura.

A sentença julgou a acção, improcedente por não provada, e, em consequência, absolveu as rés do pedido contra si formulado.

Desta sentença, o autor interpôs recurso de apelação, onde sustenta a sua revogação, com a consequente condenação das rés no pedido, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões: 1ª – O autor foi afastado da ré, sociedade Ferreiras Lda, quando esta era detentora, ainda, de um vastíssimo património, constituído por 137 lotes na urbanização da Quinta da Boa Hora, situada na Praia da Vagueira, no valor de cerca de dois milhões de contos.

2a - A partir de finais de 1998, os outros sócios da 1a ré começaram a vender lotes de terreno, mas por valores muito abaixo dos seus valores reais, entre os quais se incluem 36 lotes que foram declarados na escritura de fIs…pelos preços globais de 185.000.000$00, mas cujo valor real é de 616.600.000$00.

3a - Este negócio ocorreu durante o lapso de tempo em que a inquirição das testemunhas, na providência cautelar para a suspensão da gerência da 1a ré, que correu seus termos por este Tribunal, com o processo n°17/01, esteve interrompida.

4a - Previamente a 2a ré procedeu ao aumento e redenominação do capital social e da transformação em sociedade anónima, de modo a proporcionar a que as acções pudessem ser transmitidas aos outros sócios da 1a ré, pois se tratou de um negócio simulado, em que nenhum preço foi pago.

5a - Na sentença recorrida existe, quanto à matéria de facto, erro notório na apreciação da prova, por desconformidade entre os elementos probatórios, designadamente da prova testemunhal produzida em audiência de julgamento e da prova documental e, quanto à matéria de direito, interpretação errónea dos art°s 655° n°1, do CPC e 240° do CC.

6a - No que concerne à fixação da matéria de facto, entende o recorrente terem sido mal julgados os pontos de facto constantes dos quesitos n°s 1, 3, 5, 7, 9, 11 a 18, 20 a 27 [art° 690°-A n° 1, ai. a) CPC] porquanto os meios probatórios constantes dos autos impunham decisão diversa da recorrida, remetendo-se nesta parte para o corpo da alegações adiante referidos. [nas...

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