Acórdão nº 98-A/99 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 02 de Outubro de 2007

Magistrado ResponsávelVIRGÍLIO MATEUS
Data da Resolução02 de Outubro de 2007
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

ACORDAM O SEGUINTE: I- Relatório: A..

, B...

e C..

intentaram aos 14-4-99 a presente acção sumária contra D..

pedindo que os réus sejam condenados a: a) Respeitar os direitos dos AA., decorrentes do contrato de comodato celebrado em 15-6-95; b) Entregar-lhes a loja sita no nº 13-A da Rua da Saboaria em Tomar; c) Pagar-lhes uma indemnização desde 3-3-99 até à entrega da loja à razão de 60 000$00 por mês, a liquidar em execução de sentença.

Baseiam-se em suma em que: celebraram em 15-6-95 um contrato de comodato com Irene Assunção das Neves, pelo qual esta, gratuitamente, lhes entregou aquela loja sita no prédio nºs 13 a 15 da Rua da Saboaria, para a usarem e explorarem até à morte do último dos comodatários, nos termos do documento particular junto a fl. 16; a mesma Irene legou ao réu, seu sobrinho por afinidade, o prédio no qual se situa tal loja, por testamento de 4-10-79 e a testadora veio a falecer em 24-01-98, encontrando-se o prédio registado a favor do réu em virtude de legado; o réu, alegando pretender fazer obras no prédio, pediu as chaves da loja aos AA. e estes, por razões de amizade, cederam-lhas; porém, quando os AA. lhe pediram as chaves, o réu não lhas restituiu, arrogando-se dono; daí a notificação judicial avulsa do réu, realizada aos 3-3-99 a pedido dos AA., para que ele reconhecesse os direitos destes, decorrentes do contrato de comodato, e se abstivesse de obstar à ocupação e utilização da loja pelos AA. (v. certidão a fl. 26).

O réu contestou, alegando além do mais que houve um “dissimulado usufruto” e o contrato é nulo por falta de forma legal, e reconveio pedindo: a) Deve considerar-se tratar-se de contrato de usufruto e assim declarar-se a sua nulidade por falta de forma legal; b) Deve declarar-se que Irene estava incapacitada para ler e assinar esse doc, não sendo a sua assinatura verdadeira, o que torna o contrato inexistente; c) Deve declarar-se que Irene estava incapacitada para conhecer o sentido da declaração e compreender o seu conteúdo, o que torna o contrato ineficaz; d) Se se considerar o contrato existente e válido, deve declarar-se que os AA não cumpriram os encargos de conservação e de boa utilização da loja, que visavam endossar essas suas obrigações para o reconvinte, o que configura abuso de direito e incumprimento de obrigações contratuais, declarando-se a resolução do contrato por justa causa.

Após os articulados, foi elaborado despacho saneador e foram redigidos os factos assentes A) a M) e os quesitos 1º a 25º da base instrutória.

O R. recorreu do saneador, na parte em que se declarou que inexistiam nulidades ou excepções dilatórias a conhecer, apresentando alegação na qual conclui em suma que o tribunal, ao não conhecer das excepções deduzidas nem do mérito da causa, violou o disposto nos art. 510º, nº 1 al. a) e b), e 668º, nº 1 al. c) e d), do CPC. Mais especificamente concluiu assim a sua alegação: 1.- O Réu, ora Recorrente, defendeu-se por excepção [de falta de forma - nulidade do contrato; de falsidade da assinatura - inexistência do contrato; impossibilidade do conhecimento do sentido da declaração, sua ineficácia e abuso de direito—cf. alegação] na sua contestação e o A., ora Recorrido, efectivou tempestivamente resposta.

  1. - Mas, no douto despacho saneador de fls. a M.mª Juíz “a quo” deixou consignado que “não existem quaisquer excepções dilatórias … de que cumpra conhecer e que obstem à apreciação do mérito da causa”.

  2. - Pelo que, a M.mª Juíz “a quo” não conheceu das deduzidas excepções, como lhe impunha o disposto no Artº 510º nº 1 a) do C.P.C., o que implica que o douto despacho saneador seja nulo ex vi do disposto no Artº 665º nº 1, d) do C.P.C.

  3. - Mas, a M.mª Juíz “a quo” também não quis conhecer imediatamente do mérito da causa e tal omissão ao disposto no Artº 510º 1 b) do C.P.C. determina a nulidade do douto despacho saneador, por violação do disposto no Artº 668º nº 1 d) do C.P.C.

    Termos em que e nos melhores de Direito, contando com o douto suprimento de Vossas Excelências, se deve julgar procedente por provado o presente recurso, declarando-se a nulidade do despacho saneador por violação do disposto nos Artºs 510º nº 1 a) e b e do Artº 668º nº 1 c) e d) do C.P.C. e ordenando-se seja proferido novo despacho saneador em conformidade com o atrás exposto e no estrito cumprimento da lei processual, com todas as legais consequências.

    Os AA. contra-alegaram, concluindo pela correcção do saneador.

    Foi sustentada a decisão recorrida.

    Realizou-se a audiência de julgamento, que culminou nas respostas à base instrutória constantes de fls. 403 ss.

    Na sentença (fls. 407 a 419) o tribunal, considerando em suma que o acordo documentado a fl. 16 e assinado por Irene e pelos AA. configura uma «doação ou constituição de usufruto» e é nulo por falta da forma legal (escritura pública), decidiu na parte dispositiva: - Julgar a acção parcialmente procedente, declarando nulo o acordo e condenando o réu a entregar aos AA. os objectos que deixaram na loja quando em Janeiro de 1999 lhe entregaram a chave; - Julgar a reconvenção não provada e improcedente.

    Da sentença recorreram os AA., concluindo a sua alegação: A) – As partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos no Código Civil ou incluir as cláusulas que lhes aprouver (artº 405º nº 1 do Código Civil); B) – No exercício dos poderes conferidos pela lei, as partes (Irene Assunção Neves, irmã de Pedro de Assunção Neves, pai dos AA ora Rtes e estes), celebraram em 15 de Junho de 1995 o contrato de comodato junto aos autos com a petição inicial; C) – Por virtude do aludido contrato de 15 de Junho de 1995 a então proprietária do imóvel, Irene Assunção Neves, entregou aos Rtes a loja correspondente ao número de polícia 13-A da Rua da Saboaria, em Tomar, gratuitamente, até à morte do último sobrevivente destes (vide doc citado, cláusula segunda); D) – Contrato de comodato que vigorará até ao óbito do último sobrevivente dos segundos contratantes, os ora Rtes, data em que caducará (doc de 15/06/1995, cláusula sétima) (artº 1141º do C. Civil); E) – Encontra-se expressamente fixado que os segundos contratantes (os ora Rtes) ficam autorizados a dar à loja o destino que bem entenderem desde que legalmente permitido (doc de 15/06/1995, cláusula terceira), pelo que o uso se encontra expressamente determinado (artº 1131º do C. Civil), por clara vontade das partes; F) – Foi também acordado, expressamente, que os Rtes, nos termos do disposto nos artºs 1132º e 1135º, alínea f) do C. Civil), poderiam ceder a terceiros o uso e exploração da loja e fazer seus os rendimentos resultantes da actividade que ali se exercer (contrato de 15 de Junho de 1995, cláusulas terceira e quarta); G) – A declaração emitida vale de acordo com a vontade real do declarante (artº 236º nº 2 e 217º nº 1 ambos do Cód. Civil), vontade expressamente manifestada, por escrito, pela comodante (Irene Assunção Neves); H) – O contrato de comodato foi subscrito por Irene de Assunção Neves em 15/06/1995, na presença de terceiros, tendo a comodante percebido o conteúdo desse acordo, encontrando-se a sua assinatura reconhecida por notário (vide factos provados); I) – As cláusulas contratuais, constantes do acordo de 15/06/1995, respeitam o disposto nos artigos 1.129º a 1141º do Código Civil, sendo então a comodante proprietária da loja em causa, dispondo por conseguinte de total liberdade para lhe dar o destino que bem entendesse (vide factos provados), pelo que o contrato é válido e eficaz; J) – Consequentemente, encontrando-se determinado nas cláusulas terceira e sétima o uso a dar pelos AA, ora Rtes, à loja que lhes foi entregue em comodato por Irene Assunção Neves, não pode o R. exigir a sua entrega enquanto o prazo se não concluir, ou seja, enquanto não sobrevier a morte do último dos AA, data em que caducará (cl. 7ª)(artº 1129º, 1131º e 1137º do CC); L) – Os AA têm direito a exigir do R a entrega da loja, nos termos do disposto no artº 1133º nº 2 do Cód. Civil; M) – Tendo sido fixado no contrato prazo para a entrega da loja (o óbito do último dos AA) e encontrando-se determinado, com clareza por escrito, o uso da loja, também não poderá o R. exigir a restituição, nos termos do nº 2 do artº 1136º do Cód. Civil.

    N) – O R obteve dos AA a cedência das chaves, a título temporário, com a justificação da necessidade de fazer obras no prédio e, voluntária e conscientemente, recusou a restituição da loja, logo que concluídas as obras, não obstante várias vezes pedida a chave, pese embora não ignorar que esta lhes havia sido entregue por Irene Assunção Neves, a título gratuito, até ao fim da vida do último deles (alínea J) da Matéria Assente, resposta aos quesitos 1º, 2º, 3º, 5º, 6º, 7º, 8º, 9º, 10º, 11º e 12º da Base Instrutória).

    O) – Ao pedir aos AA as chaves com uma justificação (obras) mas com a velada intenção de não restituir a loja (que queria para seu uso pessoal), o R., agiu intencionalmente no sentido de lesar os Rtes, sendo responsável pelos danos decorrentes da sua conduta (artº 483º nº 1 e 1133º nº 2 do CC) e estando obrigado a indemnizar (artº 562º do CC) P) – Os AA não aceitaram ceder a exploração da loja por 60.000$00 porque pretendiam retirar dela maiores rendimentos, sendo pois indiscutível que poderiam estar, querendo, a receber mensalmente, no mínimo, tal quantia; Ora, Q) - Estando os AA privados do uso da loja pelo R., que a ocupou com negócio próprio, há danos resultantes não só da privação do uso como ainda da impossibilidade de ali exercer qualquer outra actividade ou de ceder a exploração a terceiro, que, no mínimo se computam em 60.000$00 mensais, quantia que poderiam estar a receber, caso mantivessem a utilização / exploração do espaço em causa (artº 564º, 566º do CC); R) – Está pois o R. a obter, sem justificação, rendimentos da utilização de um bem à custa dos AA, que se vêem assim espoliados da loja que, no mínimo, vinha sendo utilizada como armazém (artº 473º e segs...

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