Acórdão nº 5975/04.8TBLRA.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 19 de Dezembro de 2007

Magistrado ResponsávelISAÍAS PÁDUA
Data da Resolução19 de Dezembro de 2007
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam neste Tribunal da Relação de CoimbraI- Relatório1. Os autores, A... e sua mulher B..., intentaram contra o réu, C..., a presente acção declarativa, com forma de processo ordinário, pedindo a condenação do último a pagar-lhes:

  1. O valor do cheque de 35.000,00 €, acrescido de juros desde a data do seu pagamento indevido; b) As despesas de distrate e inerentes a este, no valor de 9.505,55 €, acrescido de juros desde a data em que foram efectuadas; c) As despesas com a nova escritura, certidão das finanças, de registo de nova hipoteca e nova licença de construção, no valor de 469,45 €, acrescido de juros desde a data em que foram efectuadas; d) A quantia de 20.000,00 €, a título de danos morais, desde a data da citação, acrescida de juros até integral e efectivo pagamento.

    Para o efeito e, em síntese, alegara, o seguinte: Serem contitulares de uma conta bancária à ordem no Banco/réu, com o qual, aliás, celebraram contrato de mútuo com hipoteca, mediante o qual lhes foi concedido o capital total de 125.000,00 € para construção de um imóvel.

    O montante desse empréstimo seria, todavia, disponibilizado por tranches que seriam creditadas naquela sua conta, tendo-lhe sido, até à altura abaixo indicada, creditadas 3 tranches, uma no valor de 25.000,00 €, outra no valor de 15.000,00 € e a última no valor de 35.000,00 €, esta no dia 26.06.2003.

    Os AA exercem a actividade comercial de restauração.

    No dia 26/7/2003, a sua filha Joana dirigiu-se a um talho onde, normalmente, se abastecem, levando consigo um cheque para pagamento de compras que aí haviam efectuado. No entanto, nesse dia, por diversas circunstâncias, sua filha acabou por não efectuar o referido pagamento, tendo ficado com o cheque em seu poder, o qual veio, entretanto, a desaparecer.

    Dias depois o autor deslocou-se à agência do Banco/réu, onde tinha aquela sua conta, com o objectivo de solicitar um extracto da mesma, vindo a ser então aí surpreendido ao verificar que a referida conta se encontrava sem provisão, em consequência de lhe ter sido descontado o sobredito cheque, titulando a importância de € 35.000,00.

    Cheque esse que fora depositado na conta de um outro cliente do réu, na mesma agência bancária, e que era totalmente desconhecido dos AA.

    O referido cheque, quando desapareceu da posse daquela sua filha, tinha apenas nele aposto a assinatura da A./mulher, sendo que quando foi depositado na dita conta o mesmo encontrava-se totalmente preenchido à revelia dos AA., e em condições que fariam desconfiar da legitimidade de quem o apresentou a desconto.

    Porém, apesar de tal, e não obstante o referido cheque titular uma importância superior ao saldo disponível (€ 30.062,42) que os AA. tinham na referida conta, o réu procedeu ao seu pagamento, sem que, todavia, previamente os tivesse alertado de tal.

    O pagamento do aludido cheque, em tais condições, foi indevido e abusivo por parte do réu, e só foi possível devido à falta de cuidado e de zelo do mesmo.

    Situação essa que acarretou aos AA. danos de natureza patrimonial e não patrimonial - cuja ressarcibilidade reclamam do R. nos termos que acima se deixaram exarados -, pelos quais o R. deve ser exclusivamente responsabilizado devido à sua aludida conduta culposa.

    1. O réu contestou, contraditando, no essencial, a versão dos factos aduzida pelos AA, negando qualquer responsabilidade culposa no pagamento do aludido cheque, o qual imputa inteiramente à conduta imprevidente dos últimos.

      Pelo que terminou pedindo a improcedência da acção, com a sua consequente absolvição do pedido.

    2. No despacho saneador afirmou-se a validade e a regularidade da instância, após o que se procedeu à condensação da matéria de facto, que se fixou após ter sido objecto de censura das partes.

    3. Procedeu-se à realização do julgamento – com a gravação da audiência.

    4. Seguiu-se a prolação da sentença, que, a final, julgou a acção improcedente, absolvendo o réu do pedido.

    5. Não se tendo conformado com tal sentença, os AA. dela interpuseram recurso, o qual foi recebido como apelação.

    6. Os AA concluíram as suas alegações de recurso nos seguintes termos: “1. As testemunhas NUNO DIAS, FERNANDO SEBASTIAO e RAMIRO SOUSA, as quais mereceram toda a credibilidade por parte do Tribunal a quo, relataram factos que não constam da matéria dada como provada, nem foram devidamente valorados.

    7. Não obstante desconhecerem os AA., e mesmo sabendo a finalidade do crédito e as suas condições para a disponibilização do mesmo, os decisores mandaram pagar o cheque em causa com base numa alegada «relação de confiança».

    8. Ao menosprezar as particularidades do dito cheque, a insuficiência de provisão, o facto de Bresson Louis nada ter a ver com construção civil e, ainda, do crédito dos AA. se destinar unicamente à construção da habitação dos mesmos, o Banco apelado não se muniu dos especiais cuidados que a situação impunha, assumindo por sua conta o risco do seu pagamento.

    9. De igual modo, o Banco também não comunicou aos AA. tal operação, limitando-se apenas a verificar a conformidade da assinatura do sacador.

    10. A autorização de pagamento do cheque foi dada por RUI REIS e RAMIRO SOUSA, nenhum deles gestor de conta dos AA., sendo o segundo o gestor de Bresson Louis, cliente de risco, sem movimento bancário de expressão e em mora, que se encontra em parte incerta.

    11. Bresson Louis não era credor dos AA., nem legítimo titular do cheque, inexistindo qualquer relação pessoal ou comercial entre ambos que justificasse o pagamento ao primeiro da quantia nele aposta.

    12. Os AA. só tomaram conhecimento do extravio/furto do cheque a 03.08/2003, altura em que já nada poderiam fazer, em virtude do mesmo ter sido pago pelo Banco a 30.07.2003, à revelia dos primeiros.

    13. O cheque desapareceu em circunstâncias não concretamente apuradas, pelo que, inexistem factos que permitam concluir por um eventual comportamento culposo dos AA.

    14. Cabia ao Banco provar que o pagamento do cheque foi devido a culpa exclusiva dos AA., o que não logrou fazer, não lhe bastando a prova da verificação da conformidade da assinatura no mesmo para que se possa concluir pela inexistência de culpa sua, e impondo-se um especial dever de cuidado sobretudo a quem autorizou o pagamento.

    15. Nos termos da alínea d) do n.° 1 do art.° 15.° do Código de Conduta elaborado pela Associação Portuguesa de Bancos impunha-se ao Banco apelado informar os AA., quer da execução, quer do resultado da operação que iria efectuar, bem como informar da ocorrência de dificuldades especiais ou da inviabilidade dessa execução ou de quaisquer factos ou circunstâncias do seu conhecimento susceptíveis de justificar a revogação da ordem correspondente.

    16. Só através da prova de que não teve culpa no seu procedimento, e de que o pagamento foi devido a comportamento exclusivamente culposo dos AA., é que o Banco poderia afastar a presunção consignada no n.° 1 do art.° 799.° do C.C. que sobre ele impende, o que não fez.

    17. Não valorando convenientemente a prova da culpa, que atribui aos apelantes em vez de a atribuir ao apelado, a douta sentença recorrida violou o art.° 487.°/2 do C.C., aplicável ao caso ex vi do art.° 799.°/2 do mesmo código.

    18. Desprezando a presunção de culpa do apelado, advinda do art.° 799.°/1 do C.C., a douta sentença recorrida também violou esta disposição legal.

    19. Face ao circunstancialismo referido nas conclusões 3, 4, 5 e 6, o Banco não usou da devida diligência, a qual deve ser aferida, não à de um qualquer observador de médio interesse e de média diligência, mas sim à de um examinador atento e previdente pelo maior grau de atenção e de prudência que a profissionalidade do serviço permite esperar.

    20. Pelo que, com o seu comportamento, o Banco violou os deveres legais e contratuais que lhe incumbia observar, só ele devendo responder pelos danos causados.

    21. À data da apresentação do cheque, os AA. não dispunham de crédito líquido e exigível que suportasse o seu pagamento, pelo que, ao fazê-lo o Banco violou o art.° 3.° da Lei Uniforme do Cheque.

    22. A alegada «relação de confiança” entre o Banco e os AA., não se encontra consagrada na Lei Uniforme Relativa ao Cheque.

    23. Tal relação insere-se nos usos instaurados na banca, os quais não constituem fonte de Direito, não podendo derrogar ou modificar a Lei, pelo que, a decisão em pagar o cheque não deve ser superior à mesma.

    24. Em suma, a decisão recorrida violou os artigos 487.° e 799.° do C.C., o art.° 3.° da Lei Uniforme Relativa ao Cheque e a alínea d) do n.° 1 do art.° 15.° do Código de Conduta elaborado pela Associação Portuguesa de Bancos.

      ” 8. O R. contra-alegou, pugnando, desde logo, pela rejeição do recurso, na parte referente à impugnação da decisão da matéria de facto – por não ter sido observado o ritualismo legal previsto no artº 690-A do CPC -, e, a final, pela improcedência total do recurso.

    25. Corridos que foram os vistos legais, cumpre-nos, agora, apreciar e decidir.

      *** II- Fundamentação1. De facto Pelo tribunal da 1ª instância foram dados como provados os seguintes factos (e segundo a ordem de descrição ali feita):

      1. Os AA são clientes do Banco Réu e, nessa qualidade, são contitulares da conta bancária à ordem nº 3947406.10.001, domiciliada no Balcão 92, na agência da Moagem, em Leiria.

        B) Os AA acordaram com o Réu a celebração de um contrato de mútuo com hipoteca, mediante o qual este lhes concedia o capital total de 125.000,00 € para a construção de um imóvel.

        C) Os montantes do empréstimo a que se refere o contrato referido na...

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