Acórdão nº 189/08.0TBTCS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 20 de Abril de 2010

Magistrado ResponsávelEMÍDIO COSTA
Data da Resolução20 de Abril de 2010
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: RELATÓRIO V (…) intentou, no Tribunal Judicial da Comarca de Trancoso, a presente acção com processo sumário contra: - J (…), pedindo que seja declarado resolvido o contrato de arrendamento existente entre as partes e o Réu condenado a entregar-lhe o locado, livre de pessoas e bens, bem como a pagar as rendas que se vencerem durante a pendência da acção e uma indemnização igual ao valor da renda, desde o termo do prazo para contestar até à entrega efectiva da habitação.

Alegou, para tanto, em resumo, que é dono do imóvel sito na Rua (…) em (…), ..., o qual foi dado de arrendamento ao Réu, para habitação, há cerca de vinte anos, sendo que este não reside em permanência no locado desde 1998.

Contestou o Réu, arguindo a sua ilegitimidade, por se encontrar desacompanhado da sua mulher; em via de impugnação, alegou que apenas deixou de residir no locado devido à degradação deste e à recusa do senhorio em fazer obras de conservação, não obstante ter sido instado para tal pelo Réu; a sua saída do locado foi provisória, uma vez que esperava que o senhorio realizasse as obras; termina, por isso, pedindo a improcedência da acção.

Na resposta à contestação, o Autor requereu a intervenção principal provocada da mulher do Réu, M (…), mais alegando que a falta de condições no locado invocadas pelo Réu já existiam aquando da celebração do contrato de arrendamento e que este apenas por uma vez solicitou a realização de obras.

Foi admitida a intervenção principal provocada de M (…), a qual declarou fazer seus os articulados do Réu.

Proferiu-se o despacho saneador, consignaram-se os factos tidos como assentes e organizou-se a base instrutória, sem reclamações.

Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, finda a qual se respondeu à matéria da base instrutória, também sem reclamações.

Finalmente, verteu-se nos autos sentença que, julgando a acção totalmente procedente, decidiu: - declarar resolvido o contrato de arrendamento existente entre o A. e o R. e condenar os RR. a entregar àquele o locado, livre de pessoas e bens; - condenar os RR. a pagar ao A. as rendas que se vencerem durante a pendência da acção e uma indemnização igual ao valor da renda, desde o termo do prazo para contestar até à entrega efectiva da habitação.

Inconformados com o assim decidido, interpuseram o Réu e a chamada recurso para este Tribunal, o qual foi admitido como de apelação e efeito suspensivo.

Alegaram, oportunamente, os apelantes, os quais finalizaram a sua alegação com as seguintes conclusões: 1ª - “O tribunal “a quo” ao elaborar a sentença cometeu um manifesto erro de julgamento, traduzido numa clara oposição entre os fundamentos e a decisão, pelo que a sentença é nula nos termos do art. 668°, n°1, al. c) do CPC. Com efeito, 2ª - Uma adequada e correcta interpretação dos factos considerados corno provados na sentença – pontos 1 a 22, que se reproduzem – em conjugação com a lei aplicável, conduz à improcedência total da acção e à procedência da excepção de não cumprimento do contrato, invocada na contestação; 3ª - Os factos provados – as infiltrações e degradação do locado, não tendo o este as mínimas condições de habitabilidade por culpa do locador, – são e devem ser enquadráveis no disposto nos artigos 1031°, 1.032° e 1.072, n°2, al. e) do CC.; 4ª - Ou seja, a sua não utilização, pelos Réus há mais de um ano, por essa razão, constitui excepção do não cumprimento do contrato, e não fundamenta a resolução do contrato de arrendamento prevista nos arts. 1.072°, n°1 e 1083°, n°2, al. d) do CC; 5ª - Assim, a sentença recorrida é nula por violação do disposto nos arts. 659°, n°2 e 668°, n°2, al. c) do CPC, pelo que deverá ser revogada e, consequentemente, deverão V. Exas. nos termos do art. 712° daquele diploma julgar procedente o recurso e, portanto, improcedente a acção; Sem prescindir 6ª - A decisão da matéria de facto, no que respeita às respostas dadas aos pontos 8., 9. e 10. da base instrutória, não está fundamentada, já que não motivou tal decisão - motivação que não pode ser meramente formal, antes devendo expressar as verdadeiras razões que conduziram à decisão -, e nem procedeu à análise crítica das provas, com a especificação dos fundamentos considerados decisivos para a formação da sua convicção; 7ª - O que impossibilita a apreensão e o compreensão do processo de raciocínio lógico que conduziu à concreta decisão da matéria de facto e, por conseguinte, que, a partir desses factos levou àquela precisa sentença; 8ª - Com efeito, o Tribunal a quo não deu cumprimento, como se lhe impunha, ao disposto no n°2 do art. 653° do CPC, uma vez que, 9ª - O Tribunal recorrido, ao reproduzir a fundamentação para todos os depoimentos prestados, não fez referência às concretas e individuais razões de ciência de cada uma das testemunhas; 10ª - Acresce que o texto que o Tribunal usou para se pronunciar relativamente a cada um dos depoimentos valorados é exactamente o mesmo (ipsis verbis), o que 11ª - Deixa a dúvida de que todos aqueles depoimentos tiveram igual valor e igual peso para a resposta dada a cada um dos quesitos cuja apreciação lhes foi feita corresponder, ou então que o próprio Tribunal não precisou em que medida os valorou; 12ª - Por outro lado, o Tribunal não cumpriou, igualmente, o disposto no referido art. 653°, n°2 do CPC, ao não fundamentar as respostas aos factos dados como não provados, limitando-se, antes, a proferir a afirmação genérica, de, quanto a eles “(…) não ter sido produzida qualquer prova ou, no mais, de a prova produzida ter sido contrariada pela demais prova”; 13ª - Assim, de acordo com os arts. 653°, n°2 e 712°, n°5 do CPC, e uma vez que está em causa a decisão relativa a três (pontos 8, 9 e 10) factos essenciais para o julgamento da causa, que não foi devidamente fundamentada, deverão V. Exas. ordenar a repetição da produção da prova.

Sem prescindir 14ª - O Tribunal não confrontou toda a prova produzida, o que conduziu a uma contradição entre os pontos assentes D., H., I. E J., e as respostas dadas aos pontos 8., 9. e 10 da base instrutória; 15ª - Da conjugação dos factos provados e assentes, resulta pacífico, salvo melhor opinião, que a resposta ao ponto 9. tinha que ser diversa, no sentido de “provado”, sob pena de se verificar a assinalada colisão/contradição. Isto porque, 16ª - Foi “devido também à recusa do senhorio – (…), pai do A. – em fazer obras na mencionada casa” que o recorrente e a família deixaram de habitar o locado, e o estado de degradação deste decorre directa e inequivocamente da recusa do senhorio em fazer obras e reparações; 17ª - Aquela resposta contraditória – e não explicada na motivação – levou ainda a que, em sede de decisão final, julgasse procedente a acção, condenando os ora recorrentes a entregar o locado, livre de pessoas e bens; 18ª - Deste modo, ao responder como fez, o Tribunal a quo entrou em contradição, pelo que, ao abrigo do disposto nos arts. 653, n°2 e 712°, n°s 3, 4 e 5 do CPC, deverá ser alterada a resposta ao quesito 9°, que deverá ser considerado provado; Sem prescindir ainda 19ª - O Tribunal, na elaboração da sentença, apenas valorizou a data constante do documento de fls. 39 – carta enviada pelo R. ao senhorio em 31.07.1996 –, e não o seu teor que, aliás, foi objecto de confissão, por parte do A., e foi ainda levado às als. J. e K. dos factos assentes, em violação do disposto no art. 65 9°, n°3 do CPC. o que determina a nulidade da senteça, nos termos das als. b) e d) do art. 668°, n°1 do CPC; 20ª - E enquanto o Tribunal a quo entende, na sentença, por um lado, a posição de senhorio, e a constatação que faz relativamente às desvantagens ou injustiças a que estão sujeitos. Todavia, não atendeu ao caso concreto, nomeadamente de que o senhorio arrendou um locado que não reunia as condições exigíveis para habitação; 21ª - Por outro lado, salvo melhor opinião, não atendeu à posição do arrendatário com poucas ou nenhumas posses, que arrenda para habitação um espaço que não tem condições; 22ª - Ao contrário do que é referido na sentença, os RR. não poderiam ter lançado mão do mecanismo de obras coercivas (DL 157/2006, de 8 de Agosto), o que está previsto apenas desde 2006, quando as obras solicitadas eram necessárias, como se viu, desde 1996, e o telhado abateu em 1998; 23ª - No que concerne à excepção do não cumprimento do contrato, invocada pelos RR. na sua contestação, o Tribunal não a apreciou ou, se o fez, fê-lo de forma pouco profunda; 24ª - Na verdade, não só dos factos dados como assentes nas als. J. e K., mas também a das respostas aos quesitos 8°, 9º (cuja alteração deste último se requereu) e 10º, resulta assente que os recorrentes deixaram de usar o locado - há mais de uma ano, é certo - mas, em consequência de infiltrações, pelo mau estado do telhado, e do estado geral de degradação do locado; 25ª - Isto, porque o senhorio se recusou injustificadamente a fazer obras e reparações no locado, violando as obrigações contratuais previstas nos arts. 1031º e 1032° do CC, pelo que não há lugar à resolução do contrato, conforme pretendido, por força do disposto nos arts. 1083°, n°2, al. d) desse diploma, precisamente por, no caso em apreço, se verificara a execepção aí prevista, ex vi art. 1072°, n°2, al. a). Ou seja, não há lugar à resolução do contrato, por facto imputável exclusivamente ao locador; 26ª - No presente caso, não é, de modo algum, aceitável que o senhorio, enquanto único responsável pela não realização das obras, que determinou o abandono temporário do imóvel por parte dos RR., possa vir alegar este abandono para exigir o despejo; 27ª - Tal situação consubstancia um caso de abuso de direito – de exercício abusivo do direito de resolução do contrato, por excesso manifesto dos limites impostos pela boa fé – já que se verifica um caso de força maior justificativo do abandono temporário do imóvel; 28ª - Assim, a sentença é nula, nos termos do art. 659°, n°2, e 668°, n°2, als. c) e d) do CPC, pelo que...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT