Acórdão nº 2529/05.5TBGRD.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 13 de Abril de 2010

Magistrado ResponsávelCARLOS QUERIDO
Data da Resolução13 de Abril de 2010
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra I. Relatório A (…) e esposa, B (…), agricultores, residentes em ..., ..., intentaram contra C (..) e esposa, D (…), residentes em França, a presente acção declarativa de condenação com processo comum sob a forma ordinária, pedindo a condenação dos réus no reconhecimento da propriedade dos autores sobre a água da mina existente no subsolo do prédio dos réus, ou, subsidiariamente, no reconhecimento do direito de servidão de águas, presa e aqueduto da mesma mina, bem como a não impedirem o acesso dos autores à referida mina, a arrasarem o poço que construíram e a indemnizar os autores pelos prejuízos que venham a liquidar-se posteriormente.

Alegam, para o efeito, que são donos de prédio confinante com o dos réus – ambos, anteriormente, integrantes de uma grande quinta – e que o seu prédio é, desde tempos imemoriais, abastecido por mina de água cuja boca está ao fundo do prédio dos réus, mina esta que os réus fizeram secar, abrindo um poço e desviando as águas. Acrescentam que, devido às actividades a que se dedicam, carecem de cerca de três mil litros de água por dia, pelo que os réus se teriam, assim, apropriado de água que lhes pertence seja por direito de propriedade seja por servidão por destinação de pai de família.

Contestando, para além de impugnarem parte significativa dos factos alegados pelos autores, alegam os réus que se serviam, de facto e de direito, da água da mina, sendo que, por condescendência, igualmente dela beneficiavam todos os vizinhos e quem quer que fosse, e culminam com pedido reconvencional, no sentido da declaração da propriedade dos réus sobre o terreno e casa de habitação que ocupam, e subsequente condenação dos autores nesse reconhecimento e na colocação do terreno no estado em que se encontrava.

Foi dispensada a audiência preliminar e proferido despacho saneador (fls. 110), no qual foi admitido o pedido reconvencional, definidos os factos assentes e organizada a base instrutória, sem reclamações.

Realizou-se audiência de julgamento, após o que foi proferida decisão da matéria de facto, sem reclamações.

Foram apresentadas alegações de direito por ambas as partes, tendo os autores no seu articulado invocado a existência de nulidade decorrente do facto de ter sido omitida a prestação de esclarecimentos por parte dos peritos (fls. 689 e 690).

Foi proferida sentença, constando do respectivo dispositivo: «Nos termos expostos, julgo a presente acção não provada e improcedente, pelo que absolvo os réus do pedido.

Igualmente julgo não provada e improcedente a reconvenção, pelo que dela absolvo os autores.

Custas por autores e réus, na proporção de metade para cada um.».

Inconformados, apelaram os Autores, apresentando as seguintes conclusões: 1º - Os factos provados, quer na matéria assente, quer nas respostas à B.I., são suficientes para se demonstrar o direito dos AA à água da mina, e a sua violação pelos RR, ao privá-los do uso dessa água.

  1. - Deverão, sem mais diligencias, proceder os pedidos formulados, com a alteração oportunamente requerida, com excepção do valor dos danos que, à falta de dados sobre o seu montante, deverá relegar-se para execução de sentença.

  2. - Os AA, em exclusivo, e de forma correspondente aos verdadeiros e únicos titulares do direito, têm vindo a possuir e utilizar, com carácter de permanência, até Agosto de 2005, toda a água da mina que, vinda já do prédio superior aos dos RR, passa no subsolo do prédio destes, até atingir a boca ou abertura, situada ao fundo desse prédio, seguindo daí para o prédio dos RR a nível inferior.

  3. - Esta utilização e posse vem sendo feita e exercida pelos AA, directamente, há cerca de 40 anos, e pelos seus antepassados desde tempos imemoriais, sem interrupção, continuadamente até Agosto de 2005, com conhecimento de toda a gente, de forma exclusiva, com intenção de exercer direito próprio (animus, que a lei presume) e demais sinais da usucapião, forma privilegiada de aquisição de direitos reais.

  4. - Tal água estava represada à boca da mina, onde os AA têm feito o seu represamento e vigilância, ao fundo do prédio dos RR, junto ao caminho público que separa os prédios (de AA e RR) - sendo aqueles de baixo e este de cima – e era conduzida da mina até ao prédio dos RR, através de canos introduzidos no interior da mina, que a levavam até junto da casa dos AA e regos a descoberto até uma poça existente em frente a essa casa.

  5. - O 1º cano de que há conhecimento foi colocado pelos AA há cerca de 40 anos, tendo sido substituído pelos AA por outro (quando a mina abateu há cerca de 5 anos), tendo este último sido cortado pelos RR, em Agosto de 2005, o que determinou os AA a colocarem, em vez do tubo, 8 manilhas introduzidas no interior da mina.

  6. - Além da utilização da água - pelos AA – para uso doméstico, lavagem de roupa, instalações e bebedouros de animais (vacarias, pocilgas, galinheiros, etc.) e também para os logradouros, jardins e 13 has de terra, era também usada, de forma esporádica e ocasional, por quem passasse no caminho, para beber no local, ou até, de quando em vez, através da recolha em recipientes para uso doméstico.

  7. - Esta utilização por vizinhos ou passantes, significa tão só um acto de tolerância, condescendência e boa vizinhança por parte dos Autores, jamais se podendo considerar um direito que, aliás, ninguém reivindicou.

  8. - O direito dos AA resulta de uma posse centenária, pelos AA (desde há 40 anos) e pelos antecessores desde tempos imemoriais, exercida de forma pacífica, com conhecimento público e respeito de toda a gente, sempre em nome próprio e com consciência e “animus” de exerceram direito próprio.

  9. - Posse revelada não só pelo uso, mas também por obras, designadamente a preparação e modificação da represa, a colocação de uma porta pelo A – que ...va a chave - e instalação e utilização de tubagem e rego a descoberto, sendo que a localização da mina, nos limites dos dois prédios, ao fundo do dos RR e ao cimo do dos AA, evidencia, só por si, a verdadeira aparência do direito dos AA.

  10. - O animus é presumido por lei a favor de quem detém o poder de facto – art. 1251 n.º 2.

  11. - Da posse presume-se também o direito de propriedade – art. 1258 do C.C.

  12. - Provado está ainda que os 3 prédios dos AA – formando agora a Quinta do Prazo – resultaram da partilha de uma Quinta maior, pelo que, também, além da usucapião se poderá concluir que os prédios e a água (esta sem necessidade de sinais reveladores de antigo proprietário) vieram à titularidade dos AA por destinação do antigo proprietário ou pai de família.

  13. - Com a abertura de um poço com 5 metros de fundo, nas imediações da mina, a água deixou de correr nesta, ficando retida no poço, pelo que existe um nexo de causalidade evidente, e não uma mera coincidência, entre a privação da água pelos AA e o acto dos RR, sendo certo que se fez prova (pela confissão do R ao 1º perito) que aquele colocara godos do rio à volta do poço, como forma de conduzir a água da mina para o poço.

  14. - Acto que é ilícito e constitui violação dos direitos de terceiros – arts. 1389, 1390 e 1394 n.º 1do C.C.

  15. - A matéria provada é, só por si, suficiente para a procedência do pedido, no que diz respeito à declaração da propriedade da água da mina e à ilicitude dos actos dos RR.

  16. - Se assim se não entender, por mera hipótese absurda, e sem conceder, deverá anular-se o julgamento, ordenando-se as diligências essenciais requeridas, como seja a inspecção ao local, com trabalhos de pesquisa à volta do poço, até 5 metros de profundidade, e daí até se encontrar a mina, e sua obstrução, e ainda os esclarecimentos dos Senhores Peritos, sem prejuízo de o Tribunal oficiosamente ordenar nova peritagem.

  17. - A omissão dessas diligências, que foram requeridas e são essenciais à descoberta da verdade – finalidade última do processo – constitui uma nulidade, só suprível pelo reconhecimento de que a prova da captação artificial da água está feita, de forma convincente.

  18. - A invocação, em sede de fundamentação da decisão judicial sobre a matéria de facto, do protesto exarado pelo mandatário pela intervenção e actuação do Exmo. Juiz, e bem assim os comentários e a censura feita ao mesmo advogado de querer boicotar o processo fazendo-o retardar quando os depoimentos lhe não convinham, é inaceitável e não pode servir de fundamente das respostas, como foi.

Também os Réus discordaram da sentença, interpondo recurso de apelação, onde formulam as seguintes conclusões: I – Os RR/reconvintes e ora recorrentes são os legítimos proprietários dos prédios rústico e urbano identificados nas alíneas D e E dos Factos Assentes, ou seja dos prédios identificados nos artigos 54º e 56º da reconvenção e que possuem como se de um único prédio se trate, em virtude de os terem adquiridos por usucapião.

II – Nesses prédios e mais concretamente no prédio referido em D dos Factos Assentes, em Agosto ou Setembro de 2005 os AA procedem ao levantamento da mina lá existente, e ali colocaram oito manilhas de forma a fazerem um encanamento para captarem água, derivando-a para o rego exterior e daqui para o seu terreno, escavaram toda a área da mina com retroescavadora, removeram terras, (alíneas W a Z dos Factos Assentes).

III – Estes factos foram praticados pelos AA sem conhecimento e sem autorização dos réus. (alínea AA dos F. A.) IV – Dos factos provados resulta que os AA não são titulares de qualquer direito que lhes permitisse ou permita a conduta referida no antecedente ponto II, tendo a acção sido julgada improcedente e não provada...

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