Acórdão nº 1088/06.6TBPMS-A.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 23 de Novembro de 2010

Data23 Novembro 2010
ÓrgãoCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra I. Relatório Por apenso ao processo de insolvência em que é requerida L (…), Lda., declarado aberto o incidente de qualificação da mesma, veio o credor e requerente da insolvência O... (…) , S.A., preconizar a consideração da insolvência como culposa, e a consequente responsabilização dos sócios gerentes da insolvente.

Alegou a requerente, em síntese: em 5 de Abril de 2006, a sociedade insolvente foi dissolvida por escritura pública, na qual os sócios gerentes declararam haverem previamente cobrado todos os créditos e pago todos os débitos; acontece que, pelo menos em relação à requerente, os sócios gerentes tinham conhecimento que os fornecimentos feitos entre 30 de Setembro de 2004 e 4 de Novembro de 2005 não estavam liquidados; além do mais, os débitos a fornecedores somam o montante de cerca de € 120.000,00, quantia que não podiam ignorar; sabiam, ainda, os sócios gerentes da insolvente que esta tinha créditos a haver, cifrados em € 30.579,59; a sociedade insolvente foi citada para o processo de insolvência no dia 21 de Junho de 2006; em 29 de Junho de 2006, os gerentes da insolvente rectificaram a escritura pública de dissolução, declarando que “rectificam tal escritura no sentido de passar a constar que apenas era sua intenção a dissolução simples da firma, pelo que rectificam a mesma, destratando-a parcialmente quanto às declarações de liquidação e extinção da firma, uma vez que os pressupostos a ela atinentes quanto a créditos e débitos ainda não se encontra concretizada a sua regularização”; não se tratou, porém, de nenhum lapso, antes tendo mentido deliberadamente, pensando que, assim, se eximiam a responsabilidades; por outro lado, em 9 de Setembro de 2005, a L..., ..., Lda. cede a sua quota social da L (…)aos sócios (…) e (…), os quais são, por sua vez, os únicos sócios da (…); entretanto, a insolvente vende à (…) e esta regista em 16 de Dezembro de 2005, dois veículos automóveis; e vendeu-lhe outros bens, nomeadamente os constantes das facturas n.º 250085, 260002, 250018, 250024, 250029 e 250086; para além do mais, a insolvente vendeu bens aos seus sócios gerentes, nomeadamente ao sócio (…) e (…); todas estas vendas foram efectuadas com menos valia contabilística; são negócios que resultaram em proveito pessoal dos sócios e de outra empresa da qual, pelo menos dois deles, são também sócios gerentes; a insolvente efectuou uma venda a (…), no valor de € 19.450,00, existindo um cheque emitido pelo mesmo a favor da insolvente que não foi depositado mas endossado; a insolvente vendeu todo o imobilizado em 2005; em 1 de Janeiro de 2006, a insolvente deixou de ter instalações, tendo as mesmas sido dadas de arrendamento à (…); sem instalações e sem imobilizado, a insolvente efectuou compras em Fevereiro de 2006.

O credor (…) , Lda. deu por integralmente reproduzido o requerimento apresentado pela credora O..., S.A..

Também o credor (…) , S.A., veio pugnar pela qualificação como culposa da insolvência da requerida, reiterando, em síntese, os argumentos já alegados pela requerente O... e acrescentado os seguintes: não foram apenas os veículos automóveis que foram vendidos, mas também as máquinas e demais instrumentos necessários à actividade de serralharia; foram alienadas as matérias-primas que havia adquirido, sem pagar o respectivo preço aos fornecedores, nomeadamente alumínio e vidro; e todo o produto dessas vendas se encontra ausente dos balanços; aliás, as próprias facturas das vendas estão em desconformidade com o legalmente exigido, por não especificarem as quantidades e o tipo de bens alienados; toda esta situação aconteceu no ano de 2005, posto que a sociedade insolvente tinha lucros nos exercícios anteriores.

O Exmo. Sr. Administrador da insolvência juntou aos autos – a fls. 19 a 30 - o seu parecer quanto à qualificação, propondo que a mesma se considere culposa, e que sejam afectados pela qualificação os sócios gerentes da devedora.

Refere em síntese: foi feita uma análise da empresa desde a data da sua constituição até a declaração da insolvência, relativamente à evolução do activo e se a sua redução está associada à redução do passivo, tendo sido alcançada a conclusão de que a diminuição do activo não foi utilizada para suprimir na sua totalidade os compromissos assumidos como passivo; foi respeitado o dever de colaboração dos gerentes que se mostraram sempre disponíveis para prestar ao Sr. Administrador qualquer informação e colaboração; não se apresentou, porém, a empresa à insolvência; o resultado bruto negativo de € 112.408,67 deixa a dúvida, uma vez que não foram cumpridas as formalidades legais da facturação previstas no citado artigo 35º, n.º 5, do Código do IVA: se houve desaparecimento dos bens nos termos previstos pelo artigo 186º, n.º 2, alínea a), do CIRE, ou se houve entrega por preço inferior ao corrente, nos termos previstos na subsequente alínea c); a celebração de vendas com a (…) pode significar uma vantagem patrimonial para esta, já que foram efectuadas com uma menos valia contabilística de € 4.033,47 (veja-se o artigo 186º, n.º 2, alínea d), do CIRE); a criteriosa liquidação desta sociedade prejudicou os credores comuns desta sociedade no montante de € 118.545,74 (conforme artigo 186º, n.º 2, alínea f), do CIRE).

O Digno Magistrado do MP pronunciou-se no preciso sentido já manifestado pelos credores intervenientes e pelo Sr. Administrador, enunciando factos e conclusões coincidentes com o alegado por aqueles.

Notificada e citados, a sociedade insolvente L (…), Lda., e as pessoas que foram identificadas como devendo ser afectadas pela qualificação da insolvência como culposa, apresentaram-se a deduzir oposição ao incidente suscitado.

Alegam, em síntese: as posições manifestadas carecem de fundamento, na medida em que os factos alegados não permitem qualificar a insolvência como culposa; negam ter existido a pretensão de prestação de declarações falsas aquando da celebração de escritura pública de dissolução da sociedade, explicando a divergência declarada pela circunstância de apenas lhe terem sido exigidas certidões de não dívida relativamente à segurança social e à Fazenda Nacional, não tendo existido qualquer intuito de prejudicar os credores; as dificuldades sentidas pela requerida surgiram com maior acutilância a partir do 1º trimestre do ano de 2005, correspondente ao terceiro ano de actividade; em 2005, a actividade do sector da construção civil registou um nível muito baixo, decorrentes de factores diversos que especifica e que, em muito, afectaram a actividade da sociedade requerida; foi a requerida vítima de excesso de concorrência vivida no sector, cujos baixos preços a obrigaram a praticar preços igualmente muito baixos, pese embora a requerida se tenha esforçado por manter a qualidade ao nível das matérias-primas e mão-de-obra; jamais os gerentes da empresa recolheram qualquer proveito da actividade desenvolvida, fazendo uma vida de sacrifícios, não dispondo de carros de luxo e não tendo um deles, sequer, habitação própria; contraíram um empréstimo em nome pessoal para introduzirem capital na empresa, tendo sido introduzido o valor de € 55.277,55 através de entradas dos sócios; mas tal valor não foi suficiente, face ao sucessivo avolumar de dívidas, embora os sócios tenham desenvolvido todos os esforços no sentido de recuperar a situação da requerida; as alienações efectuadas não foram concretizadas com o intuito de defraudar os credores ou de beneficiar os sócios; relativamente à cessão de quotas da (…) tal ocorreu com o intuito de proteger a requerida, porque a (…) era devedora do valor de € 344.849,08 a uma terceira sociedade e esta poderia, em qualquer altura, penhorar a quota detida pela (…) na requerida, pelo que, como a quota em causa representava 40% do capital social, a referida terceira sociedade credora acabaria por...

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