Acórdão nº 2755/08.5TBAVR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 23 de Novembro de 2010

Magistrado ResponsávelCARLOS GIL
Data da Resolução23 de Novembro de 2010
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em conferência, os juízes abaixo-assinados da segunda secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra: 1. Relatório A 29 de Agosto de 2008, C (…) instaurou acção declarativa sob forma ordinária no Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro contra F (…) pedindo que seja proferida sentença que produza os efeitos da declaração negocial do faltoso, nos termos da qual seja adjudicada ao faltoso a casa de morada de família e o respectivo recheio identificados no artigo 4º da petição inicial, sob condição de o demandado depositar ou entregar à demandante, no prazo de vinte dias, a quantia de € 145.000,00, a título de tornas pela meação desta devida pelo imóvel e pelo seu recheio, acrescida da quantia de € 25.000,00, a título de cláusula penal, ambas acrescidas de juros legais desde a citação, até efectivo e integral pagamento e, subsidiariamente, pede que o demandado seja condenado a pagar à demandante a quantia de € 25.000,00, a título de cláusula penal, acrescida de juros legais moratórios, contados desde a citação até efectivo e integral pagamento.

A autora alega para fundamentar as suas pretensões, em síntese: - na pendência dos autos de divórcio por mútuo consentimento para dissolução do vínculo conjugal que a unia ao réu, a 10 de Outubro de 2006, autora e ré outorgaram um escrito nos termos do qual acordaram que o prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número mil quatrocentos e noventa e três, património comum do casal, ficaria a pertencer ao réu, bem como o recheio do referido prédio, também património comum do casal, mediante o pagamento à autora, a título de tornas devidas pela meação da autora relativamente ao citado prédio e ao seu recheio, da quantia de € 145.000,00, importância a ser paga pelo réu no prazo de sessenta dias após o divórcio, no dia da escritura pública de partilha e logo que obtido crédito bancário por aquele; - mais acordaram autora e réu que em caso de incumprimento por qualquer deles desse negócio, o faltoso ficaria obrigado, para além do contratado, a indemnizar o outro na quantia de € 25.000,00; - o réu não veio celebrar a partilha com a autora e nenhuma quantia lhe entregou a título de tornas naqueles dois bens e bem assim a título de cláusula penal, o que levou a autora a instaurar em juízo processo para ser efectivada a partilha dos bens do casal de todo o património comum do casal.

Efectuada a citação do réu, veio este contestar alegando, em resumo, o seguinte: - ainda antes de ser requerido o divórcio por mútuo consentimento, subscreveu o escrito invocado pela autora convencido de que a casa de morada de família era bem comum do casal, aceitando pagar o valor aí estabelecido, ainda que o achasse excessivo; - antes da decretação do divórcio consultou uma instituição bancária a fim de aquilatar da possibilidade de lhe ser financiada a futura aquisição por partilha da referida casa de morada de família, tendo recebido resposta positiva; - após ter sido decretado o divórcio dirigiu-se de novo à mesma instituição bancária a fim de dar seguimento ao empréstimo para pagamento de tornas à autora, recebendo uma resposta negativa dessa instituição, alguns dias depois, com o fundamento do bem cuja partilha era pretendida ser um bem próprio do réu, em virtude do terreno sobre o qual foi construída a casa de morada de família lhe ter sido doado pelos seus progenitores; - em Fevereiro de 2007 o réu informou a autora da natureza do bem objecto do escrito que ambos subscreveram, da impossibilidade desse bem ser por isso partilhado e de ser obtido financiamento para tal finalidade; - no inventário instaurado pela autora para separação de meações do dissolvido casal que formou com o réu, após o réu aí relacionar como dívida activa da sua parte ao património do casal o valor das benfeitorias consistentes na edificação de uma casa de habitação de rés-do-chão e primeiro andar efectuada sobre prédio do réu, a autora reclamou da qualificação dessa verba, pugnando por que fosse relacionada como benfeitoria, com o valor de € 200.000,00; - por acordo de autora e réu foram avaliados extrajudicialmente, por dois engenheiros civis, o terreno e as construções nele efectuadas, tendo sido atribuído ao terreno o valor de € 55.000,00 e às construções nele efectuadas o valor de € 133.040,00.

Em sede de razões de direito, o réu alega que o contrato subscrito pela autora e por si próprio é nulo em virtude de ter incidido sobre um bem próprio do contestante, sendo além disso anulável em virtude do réu o ter subscrito convencido de que o referido imóvel era bem comum do casal, admitindo a conversão do referido negócio num contrato-promessa tendo por objecto o pagamento da dívida do réu à autora da sua meação no crédito pelas benfeitorias, no montante de € 66.520,00, não sendo viável a redução da promessa de partilha à partilha do recheio em virtude do réu apenas ter outorgado o contrato no pressuposto de o imóvel onde esse recheio se encontrava ser comum, que o estabelecimento de uma cláusula penal afasta o direito à execução específica do contrato, que, em todo o caso, essa cláusula apenas operaria em caso de incumprimento definitivo, o que não se verifica no caso dos autos, que sempre o contrato objecto dos autos sempre seria nulo por ofender a “regra da metade” prevista no artigo 1730º do Código Civil em virtude da quantia acordada a título de tornas ser manifestamente desproporcional à meação da autora no património comum, pedindo, a final, a condenação da autora como litigante de má fé em multa e indemnização.

A autora replicou negando que o réu desconhecesse que o solo onde se acha implantada a casa que foi a morada da família fosse um bem próprio dele, que o montante ajustado livremente a título de tornas foi para pagamento da construção e do recheio, que o escrito subscrito por ambos respeita à casa de morada de família, excluído o solo onde se acha implantada e ao seu recheio, que a cláusula penal foi estabelecida para o simples atraso na celebração da partilha prometida, concluindo pela improcedência das excepções arguidas pelo réu, imputando-lhe litigância de má fé e pedindo, em consequência, a sua condenação em multa e indemnização em valor não inferior a vinte unidades de conta.

O réu treplicou reiterando a posição assumida na contestação.

Findos os articulados, o valor da causa foi fixado em € 170.000,00, proferiu-se despacho saneador tabelar e procedeu-se à condensação da factualidade considerada relevante para a boa decisão da causa, discriminando-se os factos assentes dos controvertidos.

O réu reclamou contra a selecção da matéria de facto por omissão de factualidade por si considerada relevante para a boa decisão da causa e em virtude da alínea C da factualidade assente não traduzir de modo exacto o acordo das partes quanto a essa matéria de facto.

A autora pugnou pelo indeferimento total da reclamação deduzida pelo réu.

Ambas as partes ofereceram as suas provas, sendo proferida decisão que deu provimento à reclamação no segmento relativo à alínea C dos factos assentes, indeferindo-se na parte restante, apreciando-se os requerimentos probatórios de ambas as partes e deferindo-se a gravação da audiência final requerida por ambas as partes.

Realizou-se a audiência de discussão e julgamento com observância do formalismo legal, tendo no seu decurso sido aditados dois artigos à base instrutória.

Proferiu-se decisão sobre a matéria de facto que não sofreu qualquer reclamação e, seguidamente, foi proferida sentença que julgou a acção totalmente improcedente.

Inconformada com a sentença, a autora interpôs recurso de apelação contra a mesma formulando, a final, as seguintes conclusões: “I- Existe uma contradição na resposta dada ao quesitos nº 10º em confronto com as respostas dadas aos quesitos nº.s 1º, 3º, e 4º da Base Instrutória, pois, se não resultou provado que o réu outorgou o negócio em questão nos autos por pensar que se tratava de bem comum do casal, bem assim que só depois do divórcio tivera conhecimento de que se tratava de um bem próprio e que não fosse essa convicção não teria outorgado o contrato, então, não restam dúvidas de que terá de resultar o contrário.

II- A resposta aos quesitos nº.s 10º a 12º terá de ser positiva, por o impor o próprio depoimento de parte do recorrido, bem assim os documentos juntos aos autos, nomeadamente, o que titula o negócio jurídico em discussão, bem assim o Docº. nº. 1 junto com a contestação; III- Encontrando-se provado que as partes outorgaram um contrato mediante o qual e para além do mais...

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