Acórdão nº 3458/08.6TJCBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 06 de Julho de 2010
Magistrado Responsável | CARLOS GIL |
Data da Resolução | 06 de Julho de 2010 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam, em conferência, os juízes abaixo-assinados da segunda secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra: 1. Relatório A 25 de Setembro de 2008, nos Juízos Cíveis de Coimbra, Banco (…) SA instaurou acção declarativa, sob forma sumária, contra J (…) e J (…) pedindo a condenação solidária dos réus a pagarem-lhe a quantia de € 12.650,38, acrescida de € 2.761,19, de juros vencidos até 25 de Setembro de 2008, de € 110,45, de imposto de selo sobre os juros vencidos, dos juros que se vencerem desde 26 de Setembro de 2008 até integral pagamento, contados à taxa de 30,76 % sobre o capital de € 12.650,38 e de imposto de selo que sobre estes juros recair, contado à taxa de 4 %.
O autor alega, para estribar as suas pretensões, em síntese, que por documento particular datado de 18 de Outubro de 2005, emprestou ao réu J( …) a quantia de € 11.825,00, com juros à taxa nominal de 26,76 % ao ano, montante a ser pago em sessenta prestações mensais e sucessivas a contar de 10 de Novembro de 2005, tendo o réu (…) prestado fiança solidária por todas as obrigações assumidas pelo réu (…). Alega ainda que foi convencionado o pagamento por transferência bancária, que a falta de pagamento de uma das prestações implicava o vencimento imediato das restantes, que em caso de mora acrescia à taxa de juro convencionada uma indemnização de 4 %, não tendo o réu J(...) pago a vigésima sétima prestação e as seguintes.
Efectuada a citação postal de ambos os réus, apenas o réu J (…) contestou alegando que assinou o termo de fiança oferecido como prova documental pelo banco autor a pedido do seu co-réu, para garantia do pagamento do financiamento de equipamento informático, até ao valor de € 500,00, sendo este o único documento a que teve acesso e que, a entender-se o contrário, tratar-se-ia de uma fiança indeterminada quer quanto ao tempo, quer quanto ao valor e por isso nula, que nunca teve residência comum com o seu co-réu, que nunca foi interpelado e informado pelo autor de que o seu co-réu estava em atraso ou havia cessado o cumprimento das prestações, que o devedor tem bens suficientes para honrar os seus compromissos, que a fiança solidária é aquela em que vários fiadores se obrigam, que a taxa de juros peticionada é usurária, que não lhe foi entregue qualquer exemplar do contrato de crédito, que a pretensão do autor é abusiva em virtude de receber mais com o incumprimento do contrato do que com o seu cumprimento e conclui pedindo que seja absolvido da instância ou, caso assim não se entenda, que seja condenado a pagar o montante de € 500,00 ou ainda, quando assim se não entenda, que seja condenado a pagar a restante quantia de capital em dívida, acrescida dos juros legais contados à taxa supletiva de 4%.
O autor respondeu alegando que não tinha a obrigação de comunicar as cláusulas do contrato de crédito ao fiador contestante por não ser aderente nesse contrato, que o contestante teve consciência da declaração que subscreveu e ainda que por absurdo não tivesse tido esse conhecimento, esse défice ser-lhe-ia imputável, pelo que sempre estaria obrigado a indemnizar o autor, que o sentido da obrigação solidária assumida pelo contestante é o da renúncia ao benefício de excussão e que, ainda que assim não fosse, dada a natureza comercial da obrigação garantida, sempre esse benefício estaria arredado, que o termo subscrito pelo contestante identifica de forma precisa a obrigação afiançada, obrigação que não é futura, que a taxa de juros e a cláusula penal convencionadas são legalmente admissíveis, que a capitalização de juros remuneratórios nos termos em que foi efectuada é permitida.
Proferiu-se despacho saneador tabelar, procedendo-se à condensação da factualidade considerada relevante para a boa decisão da causa, discriminando-se a factualidade assente da controvertida.
As partes ofereceram as suas provas, requerendo a gravação da audiência.
Admitidas as provas oferecidas e deferida a gravação da audiência, realizou-se a audiência de discussão e julgamento, respondendo-se à matéria incluída na base instrutória.
Proferiu-se sentença a julgar a acção parcialmente procedente por provada, sendo os réus condenados, solidariamente, a pagar ao autor a quantia a liquidar em execução de sentença, correspondente às prestações não pagas de capital mutuado, acrescida de juros moratórios à taxa anual de 30,76 %, até integral pagamento e do respectivo imposto de selo.
Inconformado com a sentença proferida, J (…) interpôs recurso de apelação contra a mesma, concluindo as suas alegações da forma seguinte: “1) O tribunal “a quo” valorou mal a prova testemunhal, o depoimento de parte do co-réu (…) reduzido a escrito e os próprios documentos de fls. 8, 9 e 10, sendo flagrante a desconformidade da decisão da matéria de facto com a prova testemunhal produzida.
2) Deste modo, os factos identificados sob os travessões nºs 2, 3, 4, 5, 6, 8, 9, 10, 12, 13, 19, 20 e 21 deviam ter sido considerados não provados, considerando nomeadamente as declarações da testemunha (…) (depoimento gravado em CD), quando sensivelmente ao minuto 26:00:00 admitiu não conhecer em concreto o contrato em discussão, que não verificou qualquer dos documentos, desconhecendo inclusivamente quem fez a avaliação do contrato.
3) Também os factos quesitados sob os nºs 22, 25, 26º e 27º deviam ter sido considerados pelo menos parcialmente procedentes, dado que, resulta expressamente dos documentos juntos a fls. 8, 9 e 10 que o único documento a que o ora recorrente assinou de entre aqueles que o recorrido juntou é o de fls. 10 (termo de fiança) e que o contrato de mútuo (alusivo ao dito Mercedes) não está assinado ou rubricado pelo ora recorrente (cfr. fls. 8 e 9).
4) Realidade confirmada pela testemunha (…) (depoimento gravado em CD), quando sensivelmente ao minuto 34:01:00 admitiu que o termo de fiança de fls. 10 foi o único documento que o recorrente assinou, e aos minutos 27:47:00 e ss. admitiu que o ora recorrido nunca explica o conteúdo dos termos de fiança, nem tão pouco as cláusulas contratuais gerais.
5) A própria testemunha (…) (depoimento gravado em CD) disse ao minuto 12:40:00 não ter explicado o conteúdo do contrato (e termo de fiança) ao ora recorrente.
6) O tribunal “a quo” consagrou que o contrato de fls. 8 e 9 é um contrato de crédito ao consumo e por isso sujeito ao regime estabelecido, no Decreto-Lei nº 359/91, de 21/09, mormente os requisitos expressos no artigo 6º do referido diploma legal.
7) Estes requisitos estendem-se ao fiador uma vez que este é “um terceiro co-responsável que garante o cumprimento do dever principal”, aplicando-se à fiança acoplada ao contrato de crédito ao consumo.
8) O recorrido não fez prova de ter entregue, nem sequer de ter expedido para a morada do mutuário e do fiador, exemplar do contrato de fls. 8, 9 e 10, muito menos no momento da assinatura de tal instrumento negocial, pelo que, aquele contrato é ineficaz ou pelo menos nulo e de nenhum efeito, por força do nº 1 do artigo 7º do Decreto-Lei nº 359/91, de 23/09.
9) Mas o dito contrato de fls. 8 e 9, ao contrário do exigido na alínea c) do nº 2 do artigo 6º do DL nº 359/91, de 23/09, também não faz referência “Às condições em que pode ser alterada a TAEG” e, por isso, por força do mesmo diploma, o contrato sempre seria nulo e de nenhum efeito.
10) A ineficácia/nulidade é de conhecimento oficioso e, por isso, o tribunal “a quo” postergou os artigos 6º e 7º do DL nº 359/91, 23/09, e os artigos 285º, 286º e 289º do Código Civil.
11) A fiança em causa nestes autos é genérica ou “omnibus” na medida em que garante as obrigações futuras resultantes de uma relação negocial, sendo a sua determinabilidade dependente das peculiares circunstância do caso concreto.
12) Pois a validade da fiança em relação a débitos futuros depende da existência de elementos que permitam inferir, com segurança, a origem, o prazo, os possíveis montantes e as relações entre os outorgantes.
13) No termo de fiança de fls. 10 apenas consta o nº de contrato, mas nada consagra em relação a prazos, valores e máximos e relações intersubjectivas, acrescendo ainda o facto de o recorrente não ter aposto a sua assinatura ou rubrica no contrato de fls. 8 e 9, mais se aditando que no referido termo consta a expressão “Para efeitos meramente fiscais, arbitra-se à presente fiança, o valor de € 500,00.” 14) Assim, a fiança é nula e de nenhum efeito, por indeterminabilidade do objecto, tendo o tribunal “a quo” violado o disposto no artigo 280º do Código Civil.
15) Mas mesmo que assim se não entenda, a verdade é que não existe qualquer valor da fiança para “efeitos meramente fiscais”, levando até em consideração o nº 10 da Tabela do Imposto de Selo, pelo que por força do nº 1 do artigo 236º do Código Civil e de acordo com o padrão do homem médio, deve entender-se que, quando muito, o recorrente estava vinculado a uma fiança de € 500,00 (quinhentos euros) e nada mais; relevando-se ainda que o recorrente não assinou ou rubricou o contrato de fls. 8 e 9, não foi esclarecido em relação ao termo de fiança de fls. 10, não foram negociadas as cláusulas contratuais gerais, não acompanhou o co-réu (…) nem ao Stand, nem a qualquer instituição bancária. Desta sorte, o tribunal “a quo” profanou o artigo 236º do Código Civil.
16) Nos termos do nº 3 do artigo 5º do DL nº 446/85, de 25/10, incumbia à recorrida alegar e provar o conteúdo das cláusulas do contrato de mútuo (e da fiança). A recorrida nem alegou, nem provou o cumprimento do referido dever de comunicação.
17) O regime das cláusulas contratuais gerais aplica-se ao contrato em dissídio, pelo que, por força da alínea a) do artigo 8º do dito DL e de acordo com a jurisprudência dominante, devem considerar-se excluídas pelos menos as cláusulas contratuais gerais e desta sorte inexiste qualquer cláusula penal que seja oponível em relação ao recorrente.
18) Sendo assim, que é, não tem qualquer respaldo legal e contratual a condenação do recorrente em juros moratórios, muito...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO