Acórdão nº 490/05.5TBAVR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 15 de Junho de 2010

Magistrado ResponsávelGONÇALVES FERREIRA
Data da Resolução15 de Junho de 2010
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I. Relatório: M (…) e marido, M (…) reformados, residentes na Rua (…)..., intentaram acção declarativa comum, sob a forma de processo ordinário, contra C – Construções, Ldª, com sede na Rua (…), ... e contra C (…), solteiro, residente em R. (…), alegando, em resumo, que: São donos de um terreno com a área de 6.989 m2, localizado no centro da cidade de ...; tendo decidido vendê-lo, em 2003, contactaram J (…), que sabiam ser sócio da sociedade ré, empresa construtora que se dedica à compra e venda de imóveis, o qual propôs, e eles aceitaram, comprar a sociedade aquele terreno por € 200.000,00, acrescidos de 10% (em apartamentos) da construção que ali viesse a ser permitida, ficando o negócio sem efeito se nada fosse permitido construir.

O referido J (…) comprometeu-se entregar-lhes, a título de sinal e princípio de pagamento, o valor de € 30.000,00 e o restante logo que obtivesse financiamento.

Comprometeu-se, ainda, a reduzir a escrito os termos do negócio, tendo-lhes, depois, apresentado documento escrito já assinado pela respectiva esposa, enquanto representante da sociedade ré, que eles (autores) confiaram corporizasse o acordado.

Todavia, mais tarde, verificaram que aí constava o preço de € 30.000,00, em vez de € 200.000,00, sendo que o mencionado J (…) lhes entregou, apenas, aquela primeira quantia e, posteriormente, mais € 7.400,00.

Acontece que a Câmara Municipal de ... indeferiu a possibilidade de construção no terreno, pelo que o negócio deixou de poder produzir efeitos; de resto, não sendo determinado nem determinável o preço do negócio prometido (por se ignorar o que pode vir a ser construído), é a promessa nula.

O falado J (…) sob pretexto de necessitar de tal acto para apresentar requerimentos na Câmara Municipal relativamente à viabilidade das construções, levou-os a assinar uma procuração irrevogável, que permitia à ré vender o terreno em causa pelo preço e condições que entendesse, o que não correspondia à intenção dos autores, que, só muito depois, entenderam o significado daquele acto; nessa medida, revogaram a procuração e notificaram a ré, que, apesar disso, a usou, outorgando um contrato de promessa com eficácia real com o réu C (…), irmão do sócio da ré, J (…), e cunhado da gerente da mesma, negócio não querido pelas partes, que o celebraram com a intenção de ludibriar os autores.

Souberam, mais tarde, ter assinado um outro documento, cujo conteúdo ainda hoje não entendem, que permitia à ré outorgar o contrato definitivo, não pelo valor do contrato, mas por valor mais ajustado ao mercado.

Terminaram, pedindo: a) Se declarasse serem eles os únicos proprietários do identificado imóvel; b) Se declarasse ineficaz o contrato-promessa que celebraram com a ré (…) por falta de verificação das condições administrativas a que o negócio ficou sujeito, devolvendo eles à ré o valor do sinal recebido, no montante de € 37.400,00.

A não ser assim, c) Se considerasse nulo o contrato-promessa, por falta e impossibilidade de determinação do preço do contrato prometido; d) Se considerasse anulável o mesmo contrato, por erro na declaração, posto que a sua vontade, nele declarada, não corresponde à vontade real; e) Se considerasse nula a procuração, por não ter sido outorgada no seu interesse nem no de qualquer interesse legítimo da ré.

Não sendo esse o entendimento, f) Considerar-se tal procuração não irrevogável e já revogada, sendo nulos os actos praticados posteriormente através da mesma; g) Considerar-se que o contrato-promessa celebrado pela ré (…) depois de revogada a procuração não produziu qualquer efeito.

Mas, quando, ainda assim, se não entendesse, h) Considerar-se nulo o negócio com eficácia real, pela circunstância de o réu C (…) não ter pago à ré (…) o valor de € 30.000,00, nem esse ser o valor real do terreno; i) Serem eliminadas todas as inscrições registrais efectuadas após a inscrição da titularidade dos autores.

Regularmente citados, os réus contestaram do seguinte modo: Ré (…) – foram os autores quem a procurou, com a intenção de vender o terreno, tendo-o oferecido, primeiro, por € 25.000,00, e, depois, por € 30.000,00, e proposto que o preço englobasse, ainda, 10% da área útil de construção; nunca foi falado o preço de € 200.000,00, quantia que não corresponde ao valor real do terreno que é rústico e alagadiço.

O contrato de promessa foi redigido e assinado com o acordo prévio das partes, tendo os autores conhecimento e consciência do seu conteúdo, bem como de que a viabilidade de construção no imóvel não estava definida, por depender da aprovação do Plano Director Municipal.

A procuração que lhe foi outorgada pelos autores, assinada por estes no notário, onde o respectivo conteúdo lhes foi explicado, é o resultado de sugestão sua, perante pedido do filho dos autores para que a ré inscrevesse no registo a titularidade do imóvel, o que não seria viável, já que o registo seria efectuado com base em € 30.000,00 e qualquer dos proprietários confinantes poderia vir exercer o seu direito de preferência; de resto, a mesma é, também, do interesse da ré e mantém-se em vigor, por não ser válida a revogação pretendida.

O “valor ajustado ao mercado”, constante de aditamento, diz respeito, apenas, ao valor que deveria constar da escritura pública.

Quanto à promessa com eficácia real ao réu C (…), destinou-se a mesma a resolver a crise financeira pela qual passava a contestante, a quem o réu C (…) emprestou dinheiro, tendo ficado como “garantia” aquele negócio, ao qual seria colocado termo logo que a crise financeira da Casa Italiana o permitisse.

Réu C (…) – a promessa com eficácia real tinha, tão-somente, em vista garantir o empréstimo de € 30.000,00 que efectuou à (…), tendo sido convencionado, aliás, que a mesma seria rescindida logo que a ré devolvesse a quantia em causa, equiparando-se a uma venda a retro, não sendo o negócio simulado.

O contrato só não foi, ainda, rescindido, porque, entretanto, deu entrada a presente acção.

No despacho saneador foram declaradas a validade e a regularidade da lide.

A selecção da matéria de facto não foi alvo de reclamação.

Realizado o julgamento e fixados, sem reparação, os factos provados e não provados, foi proferida sentença, que declarou serem os autores os únicos donos do imóvel em apreço nos autos, ser nulo o contrato-promessa na parte em que o preço do negócio prometido não corresponde ao acordado entre autores e ré, que foi de € 200.000,00, acrescidos de 10% da área de construção, ser nula a procuração outorgada pelos autores à ré, na parte em que excede a outorga dos poderes necessários à formulação de requerimentos à Câmara Municipal de ... com vista à construção no imóvel e, entretanto, já revogada, e ser ineficaz, relativamente aos autores, a promessa de compra e venda celebrada entre a ré (…) e o réu C (…), bem como os registos efectuados a esse respeito.

Os réus interpuseram recurso, mas só a ré (…) apresentou alegações, que concluiu desta forma: 1) O contrato-promessa foi celebrado com conhecimento e por vontade de todos os outorgantes e subordinado à condição de ser aberta uma estrada no prédio e, bem assim, à autorização de construção pela Câmara Municipal de ...; 2) O preço foi estabelecido, em parte, em numerário – € 30.000,00 – e, noutra parte, em espécie – 10% da construção autorizada pela Câmara Municipal de ... e de acordo com o PDM; 3) Tais valores não são prejudiciais para os autores, tendo em conta que no prédio existe uma zona de equipamentos (o que obriga à construção e sua entrega à Câmara Municipal) e outra não construtiva; 4) Posteriormente ao envio da carta a revogar a procuração, os autores declararam que a ré cumpriu o contrato e propôs-lhe a venda de um outro prédio, na condição de aquele negócio ser anulado; 5) Significa isso que não houve dolo nem erro da sua parte e que a sua conduta foi legal, pelo que o contrato é válido e eficaz; 6) A procuração, irrevogável, foi outorgada no 2.º Cartório Notarial de ..., sendo que o seu conteúdo foi lido e explicado aos outorgantes, pelo que a sua revogação só poderia ser feita por instrumento público e com invocação de justa causa: 7) Logo, mantém-se válida nos precisos termos em que foi outorgada.

Os autores responderam à alegação da ré, afirmando dever ser rejeitado o recurso quanto à matéria de facto e sustentando, no mais, a correcção e o bem fundamentado da decisão impugnada.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

Presentes as conclusões da alegação da ré, são estas as questões a requerer resolução: A) A alteração da matéria de facto.

B) A validade do contrato-promessa celebrado entre os autores e a ré.

C) A validade da procuração outorgada pelos autores à ré.

D) A validade do contrato-promessa celebrado entre a ré, como procuradora dos autores, e o réu C (…).

II. Na sentença apelada foi considerada provada a seguinte matéria de facto: 1) Na Conservatória do Registo Predial de ... está descrito, sob o n° ..., o seguinte prédio: Rústico, parcela de terreno. Área: 6.989 m2. Confrontações: Norte - arruamento de ligação a Vilar; Sul – (…); Nascente – (…); Poente (…) Artigo -.... V.P. - € 89,00 – fls. 37/40 – alínea A).

2) Este prédio está inscrito a favor de M (…), c.c. M (…), por partilha da herança de W..., pela Inscrição C-4, Ap. ... – alínea B).

3) A Ré C(…) Construções, Lda. está matriculada na Conservatória do Registo Comercial de ... sob o n.º ..., tem por objecto a construção de imóveis para venda, compra e venda de propriedades e tem como sócios J (…)e C (…), cada um com uma quota de € 25.000,00, sendo gerente a sócia K...- fls. 41/43 – alínea C).

4) A 12 de Setembro de 2003, M (…) e mulher M (…), como primeiros outorgantes, e (…) Construções, Lda., como segundo outorgante, celebraram o "Contrato-Promessa de Compra e Venda" constante de fls. 211/212, nos termos do qual: 1.º - Os primeiros outorgantes, como donos e legítimos proprietários do prédio rústico sito no lugar de ..., freguesia da ..., ..., inscrito na...

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