Acórdão nº 2654/08.0PBAVR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 27 de Outubro de 2010

Magistrado ResponsávelESTEVES MARQUES
Data da Resolução27 de Outubro de 2010
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

15Proc. nº 2654/08.0PBAVR.C1Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra: RELATÓRIO Em processo comum singular da Comarca do Baixo Vouga, Aveiro, juiz 1, por sentença de 10.07.21, foi o arguido F, condenado como autor material de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artº 152º nº 1 b) CP, na pena de dois anos e seis meses de prisão.

Mais foi decidido na mesma altura sujeitar o arguido à medida de coacção de prisão preventiva, com a seguinte fundamentação: “ Ao arguido acaba de ser aplicada uma pena de prisão efectiva pela prática de factos que constituem um crime de violência doméstica p. e p. artº 152 nº1 ai d) do CPP.

Conforme resulta da sentença que antecede, a conduta do arguido é grave e altamente perturbadora da vida da ofendida, sendo que o arguido persiste nas perseguições à mesma. É assim patente que existe perigo da continuação da actividade criminosa.

O crime em causa, embora seja punido com pena de prisão até 5 anos, enquadra-se no âmbito da criminalidade violenta - artº 202 nº 2 al. b) e artº 1 al. j) do CPP. É, por isso, possível a aplicação da medida de prisão preventiva.

Como resulta, à exaustão, de todo o processo as restantes medidas aplicadas foram insuficientes para acautelar a continuação da actividade criminosa. Tal perigo está agora potenciado pela aplicação de uma pena de prisão efectiva que poderá levar o arguido, atentas as características da sua personalidade, a intensificar e agravar a sua conduta em relação à ofendida.

Assim pelo exposto, nos termos dos artº 191, 193, 202 nº1 al. b) e 204 al. c) determino que o arguido aguarde os ulteriores trâmites processuais, nomeadamente trânsito em julgado da sentença, sujeito à medida de coação de prisão preventiva…”.

Inconformado, o arguido recorre para este Tribunal da Relação, concluindo que: “

  1. Entende-se que a medida aplicada é manifestamente exagerada, violenta, desnecessária e desproporcional.

  2. Existem outras medidas com a almejada virtualidade de acautelar e impedir a continuação de qualquer eventual "actividade criminosa".

  3. Cumpre antes de mais, em análise da fundamentação vertida no despacho que determinou a aplicação da prisão preventiva, dizer que, não obstante ter sido aplicada ao arguido uma pena de prisão efectiva, a sentença condenatória ainda não transitou em julgado.

  4. Apesar de se alegar no douto despacho que a conduta do arguido é grave e altamente perturbadora da vida da ofendida, sendo que o arguido persiste nas perseguições à mesma sendo patente que existe perigo da continuação da actividade criminosa, omite-se, no entanto, o especial contexto em que os factos foram praticados.

  5. O arguido namorou com a ofendida J cerca de 2 anos.

  6. Ambos viveram em relativa paz e harmonia até ao mês de Agosto de 2008.

  7. Altura em que o arguido constatou que a ofendida deixara de gostar dele, querendo pôr fim à relação.

  8. Como referiu o arguido no seu depoimento (13:47s) prestado em audiência de julgamento, U (...) senti que tinha sido traído (...) apanhei-a com outra pessoa (...) ".

  9. A partir dessa altura, o arguido ficou totalmente transtornado, fora de si, envolvido por um sentimento de revolta e de consternação, pois havia depositado muitas expectativas na sua relação com a ofendida, de tal forma que chegou a recusar propostas de trabalho em Lisboa para ficar perto da ofendida, conforme resulta do depoimento do arguido (14:40s) e também do depoimento da ofendida prestados em audiência de julgamento.

  10. E foi nesse contexto, dominado por esse sentimento de revolta, que o arguido praticou os factos constantes dos autos.

  11. Fê-lo, porém, não com o intuito de prejudicar ou ofender a sua ex-namorada mas de reatar a relação com a pessoa que amava.

  12. Os factos praticados pelo arguido, apesar de graves, não assumiram, objectivamente, contornos violentos, nem foram praticados sem motivo ou pretexto, conforme consta do parágrafo 6. ° da fundamentação da sentença proferida e do depoimento do ofendido prestado em audiência de julgamento.

  13. Os factos praticados pelo arguido parecem melhor se enquadrarem na chamada "briga" de namorados do que no crime de violência doméstica.

  14. Mal seria do sistema judicial se todas as "brigas" de namorados, que não raras vezes abrangem violência sobretudo psicológica, terminassem sempre em tribunal ao abrigo da previsão cada vez mais abrangente do crime de violência doméstica.

  15. Diga-se, inclusive, que a própria ofendida contribuiu, e muito, para o sentimento de revolta e confusão de sentimentos do arguido, potenciando a prática dos factos.

  16. Quando na fundamentação do despacho que determinou a aplicação da prisão preventiva se refere que o arguido fazia perseguições constantes à ofendida e que as medidas de coação aplicadas se mostraram insuficientes, esquece-se, todavia, que não raras vezes o arguido encontrava-se e procurava a ofendida a pedido desta, conforme resulta de forma inequívoca do conteúdo de todas as mensagens escritas que a ofendida remeteu ao arguido no período da prática dos factos, e que se encontram devidamente documentadas nos autos (fls. 244 a 288).

  17. Foi o comportamento da ofendida que manteve "viva" a esperança do arguido no reatar da relação de namoro e foi o condão para que o mesmo não se afastasse definitivamente da ofendida, tendo violado as medidas de coação impostas.

  18. Este comportamento da ofendida, de dar esperança com uma mão e tirar com a outra, foi prejudicial para a estabilidade emocional do arguido e potenciou a pratica dos factos.

  19. De tal forma que, actualmente o arguido encontra-se em prisão preventiva e com acompanhamento psicológico/psiquiátrico, conforme resulta dos autos.

  20. O comportamento da ofendida não será, certamente, alheio ao facto de no período da prática dos factos a mesma namorar com um agente da Guarda Nacional Republicana, conforme resulta do depoimento prestado em sede de julgamento pela testemunha T u) Com o seu comportamento a ofendida demonstrou ter perfeito conhecimento do "terreno que pisava", marcando encontros com o arguido em locais que, por coincidência ou talvez não, sempre compareciam elementos da Guarda Nacional Republicana para atestar a violação das medidas de coação impostas (proibição de contacto com a ofendida).

  21. No despacho que determinou a aplicação da prisão preventiva o tribunal "a quo" não podia ignorar estes factos, maxime o consentimento da ofendida na violação das medidas de coação impostas ao...

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