Acórdão nº 749/08.0TMAVR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 02 de Março de 2010
Magistrado Responsável | FONTE RAMOS |
Data da Resolução | 02 de Março de 2010 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra:I. 1. Em 23.9.2008, A (…) intentou, na Conservatória do Registo Civil de Ílhavo, contra o seu pai, B (…), a presente acção de alimentos (devidos a filho maior), nos termos dos art.ºs 1880º e 2003º e seguintes do CC em conjugação com o disposto nos art.ºs 5º, n.º 1, alínea a) e 7º, n.º 1 do DL n.º 272/2001, de 13.10, pedindo a sua condenação a pagar-lhe a prestação alimentar de € 750 mensais - para a ajudar a suportar as despesas com a sua formação académica, em Espanha, para onde foi obrigada a ir para cursar Medicina -, durante o período normal para a conclusão do dito curso e a actualizar anualmente em função da taxa de inflação.
Contestou o requerido, alegando, em síntese, que foi ignorado naquela decisão da filha e que os encargos que já tem não lhe permitem pagar mais do que o montante da pensão fixada na regulação do poder paternal, ainda na menoridade da requerente, no valor mensal de € 189. Face à posição do requerido e à impossibilidade de acordo (a requerente faltou e não se fez representar na audiência conciliatória), apresentada a alegação de fls. 63, foram os autos remetidos ao Tribunal da Comarca do Baixo Vouga – Juízo de Família e Menores de Aveiro.
-
Realizada a audiência de julgamento, em 05.6.2009, depois de um adiamento, o tribunal recorrido deu como provado o seguinte: a) A requerente é filha do requerido e de (…), tendo nascido a 31.8. 1990.
-
Desde a separação dos pais, há cerca de 18 anos, que a requerente vive com a sua mãe.
-
No respectivo processo de regulação do poder paternal, o requerido foi obrigado a pagar uma pensão de alimentos à filha, que se encontra hoje no valor mensal de € 189. Entretanto, nestes anos anteriores, nunca foi pedida qualquer alteração ao valor da pensão originária, beneficiando apenas da previsão das actualizações anuais.
-
A requerente concluiu no ano lectivo 2007/2008 o 12° ano, com média final de 17,4 valores.
-
Pretendendo cursar Medicina, porque a sua média não lhe permitia ingressar em Faculdade portuguesa, optou por ir estudar para Madrid.
-
A requerente vive a expensas da sua mãe e beneficia apenas da pensão referida, do seu pai.
-
A requerente arrendou um quarto em Madrid, pelo qual paga € 600 mensais.
-
A requerente pagou uma taxa de € 35 e uma matrícula de € 1 292.
-
Em livros e material didáctico gasta valor não apurado.
-
Em alimentação, vestuário, transporte e outros gasta valor não concretizado.
-
A mãe da requerente aufere um salário líquido mensal de € 1 515.
-
A mesma paga prestação bancária mensal de € 703, com seguro de vida associado.
-
E tem despesas várias com o seu agregado, de valor não apurado.
-
O requerido não foi ouvido sobre o ingresso ou projecto de ingresso da requerente na Faculdade de Medicina de Madrid, por esta ou pela sua mãe.
O requerido desconhecia a morada da filha em Madrid.
A relação pai/filha é quase inexistente.
-
A requerente teve colocação na Faculdade de Farmácia da Universidade de Coimbra, uma das suas opções, depois afastada.
-
O requerido aufere um vencimento líquido mensal de € 1 440.
-
O requerido é casado.
-
O requerido, dividindo despesas com a sua mulher, suportou em Outubro de 2008, com telefone, água, gás, combustível, luz, prestação bancária, renda, almoços, telemóvel, seguros, supermercado, quota, bombeiros, condomínio, medicamentos, roupas, livros e outros, um total de € 3 014,45. Em Novembro de 2008, tais despesas ascenderam a € 3 895.
-
Um tempo antes de conhecer a pretensão da filha, o requerido tinha comprado um “Audi A6”.
-
O requerido aceita aumentar a pensão alimentar da filha até ao limite de € 300 mensais.
-
-
Ante a descrita factualidade, o tribunal recorrido decidiu julgar a acção parcialmente procedente e condenar o requerido a pagar à requerente, a título de pensão de alimentos, a quantia mensal de € 300 (trezentos euros), actualizada anualmente, em Janeiro de cada ano, de acordo com o coeficiente da inflação dado a conhecer pelo Instituto Nacional de Estatística, até ao dia 8 de cada mês, por qualquer meio documentado de pagamento.
-
Desta sentença recorreu a requerente que, mantendo o peticionado, formulou as seguintes conclusões: 1ª - O ponto 3 da Sentença recorrida considera provado que a pensão fixada no processo de regulação do poder paternal, “beneficiou da previsão das actualizações anuais”.
Ao fazê-lo, julgou mal o Tribunal, pois no artigo 4º da petição inicial foi alegado que o requerido nunca actualizou a pensão, facto que não foi impugnado pelo requerido, que alega depositar 189,55€ mensais, não correspondendo obviamente, a diferença entre estes valores (4,55€) a uma actualização da pensão de alimentos ao longo de 10 anos (desde os 8 anos até aos 18 anos da requerente).
2ª - Também o ponto 18 da Sentença recorrida, dá como provado que o requerido suporta despesas com prestação bancária. Fê-lo com base em documentos por ele apresentados (doc. n° 15 das despesas referentes aos meses de Outubro e Novembro de 2008). Tal facto foi impugnado pela requerente no artigo 27 do seu requerimento nos seguintes termos: “Impugna-se o doc. n° 15, porque encontrando-se parte do seu teor apagado pelo requerido trata-se de um simples talão de depósito emitido por caixa Multibanco, de conta que não se sabe a quem pertence, completamente inapto para prova de qualquer empréstimo que o possa responsabilizar”.
Sobre tal assunto não indicou nem produziu o requerido qualquer prova, pelo que o Tribunal não poderia considerar provada nenhuma despesa com o pagamento de qualquer prestação bancária.
3ª - O Tribunal a quo deu como provado (ponto 19) “Um tempo antes de conhecer a pretensão da filha o requerido tinha comprado um Audi A6”.
Não poderia ter chegado a semelhante conclusão! Porquanto, da certidão do Registo Automóvel junta aos autos, verifica-se que o requerido comprou a viatura em 12 de Setembro, e pelo alegado em 10º e 11º da oposição, e que a requerente não impugnou, o requerido ficou a saber, pelo menos em 8 de Setembro, da pretensão de alimentos da ora requerente.
4ª - A Sentença considera que não foi apurado que o valor dos gastos mensais da requerente não seja superior a 1.500€.
No entanto ficou provado que paga 600€ de quarto (ponto 7), pagou 35€ de taxa e 1.292€ de matrícula (ponto 8).
Assim, fazendo a soma destes gastos durante um ano, dá um valor mensal de 710€. Logo, dos 1.500€ calculados como despesas totais sobram 790€ mensais, para custear material didáctico, livros — que no curso de medicina todos sabemos serem de custo elevado — alimentação, vestuário, gastos pessoais, transporte, viagens.
Parece-nos — é do senso comum — que tal montante será imprescindível à requerente, não lhe permitindo aventurar-se em despesas supérfluas.
Para fazer um bom ajuizamento, o Tribunal recorrido deveria ter reconhecido que os 1.500€ pedidos pela requerente eram o montante necessário para suportar os seus gastos imprescindíveis; 5ª - O Tribunal não considerou provados os gastos de 120€ alegados em 26 da Petição Inicial. Porém foram juntas facturas das entidades fornecedoras da água, gás e comunicações cujos valores somados atingem 127,13€. Tais documentos não foram impugnados, pelo que o Tribunal deveria considerar tais factos provados; 6ª - Quanto ao alegado no artigo 28 da Petição Inicial, e que o Tribunal não considerou provado, juntou a requerente os documentos n°s 10 e 11 e que o requerido não impugnou, donde resulta que os menores são também filhos da mãe da requerente e em Maio de 2008 foi pago, no Colégio D. José 1 que frequentam, a quantia de 508,26€. Também neste caso o Tribunal a quo julgou incorrectamente, pois deveria ter considerado provados os factos documentados.
7ª - O Tribunal não deu como provado, os factos constantes do artigo 30 da Petição Inicial, isto é, “a desafogada situação económica do requerido e a possibilidade de assegurar o pagamento de metade das despesas mensais da requerente (750,00€) sem excessivo esforço!”.
Contudo os elementos probatórios constantes dos autos — certidões das Conservatórias do Registo Predial e Automóvel e documentos das despesas e de contas bancárias — demonstram que o requerido, possui um elevado padrão de vida; 8ª - A Sentença não entendeu provados os factos alegados em 10 a 13 da Oposição.
Ora, tais factos não foram impugnados pela requerente, pelo que o Tribunal em obediência ao disposto nos artigos 505° e 490° n°2 do C.P.C., deveria tê-los considerado admitidos por acordo. Aliás, o facto alegado em 13° na Oposição é indesmentível, face à entrada desta acção na Conservatória do Registo Civil de Ílhavo; 9ª - A resposta positiva a esta questão — que se impunha — implicava que o Tribunal teria de responder, também de forma positiva, ao ponto 19 dos factos provados. Ou seja: quando o requerido compra o seu Audi A6 (em 12 de Setembro de 2008) já sabia que a filha pretendia pensão de alimentos para continuar os estudos, facto dele conhecido, pelo menos desde 8 de Setembro, conforme resulta do que vem alegado em 10º, 11º e 12° da Oposição; 10ª - A Sentença recorrida, na análise jurídica, refere “ é discutível que a filha possa, violando o dever de respeito que deve ter para com o pai (...) vir reclamar depois o contributo acrescido deste”! No entendimento do julgador, a requerente violou o dever de respeito para com o pai o que até justificaria não ser ele obrigado a pagar-lhe alimentos!...
11ª - Parece-nos que o Tribunal, no caso em apreço, manifestou uma errada concepção do dever de respeito entre pais e filhos.
Nada, nestes autos existe, donde possa extrair-se conclusão de que a requerente desrespeitou o pai. Na verdade, o requerido não provou, nem sequer alegou (e ele lá sabe porquê) qualquer violação do dever de respeito da filha para consigo. O que diz, artigos 5° e 6° da Oposição que não mereceram impugnação é “que foi impedido pela mãe de ter qualquer contacto pessoal com a filha, desconhecendo a sua actual morada”.
Considerando que o requerido deixou de viver com...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO