Acórdão nº 339/08.7TBSRE.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 16 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelMANUEL CAPELO
Data da Resolução16 de Março de 2010
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra Relatório No Tribunal Judicial de Soure, “A....

”, pessoa colectiva nº...., com sede na ...., instaurou acção declarativa de condenação que segue a forma do processo sumário contra o réu “Banco B...

”, com sede na....., peticionando a condenação deste a liquidar à autora quantia não inferior a € 27.243,42, sendo € 26.666,97 de capital e € 576,45 de juros, acrescida dos respectivos juros legais vincendos até efectivo e integral pagamento.

Como causa do referido pedido, alegou que é portadora de três cheques, que juntou aos autos, no montante de € 8.309,07, € 9.468,28, e € 8.889,62, respectivamente, sacados por C....

, sobre o réu Banco B..., os quais apresentados a pagamento dentro do respectivo prazo, foi pelo banco recusado o seu pagamento com indicação “motivo extravio por mandato, do banco sacado”, de que resultou prejuízos para a autora no referido montante.

Regularmente citado o réu, contestou por excepção e por impugnação. No primeiro caso, invocando as excepções da ilegitimidade da autora e da prescrição do direito de demandar o réu. Por impugnação, alegando que a singular indicação no cheque como “beneficiário” de “ A...” viola as recomendações de Boas Práticas de Utilização dos Cheques, já que não permite extrair que se trate da autora “A....”; que nem todos os cheques foram apresentados a pagamento no prazo legal de oito dias referido no art. 29º da LUCH, pelo que a recusa de pagamento pelo banco réu era lícita; a recusa do pagamento dos cheques foi legítima porque fundada em justa causa (extravio); não cabe ao banco o ónus da prova da inexistência do motivo do não pagamento dos cheques, mas sim à autora.

Conclui, em síntese, que não pende sobre si qualquer dever de indemnizar a autora pois que: a) com ela não celebrou qualquer negócio e não é parte na relação cartular (responsabilidade contratual); b) não cometeu qualquer facto ilícito, pois foi lícita a recusa porque fundada em justa causa, conforme declarado no verso dos respectivos cheques (responsabilidade civil extracontratual).

Proferido despacho saneador que conheceu das excepções, julgando-as improcedentes, foram fixados os factos assentes e elaborada a base instrutória.

Realizado julgamento foi proferida sentença na qual se decidiu julgar a acção “parcialmente procedente, e em consequência condeno o réu “Banco B...”, a pagar à autora “A....”, o valor de de € 26.666,97 (vinte e seis mil seiscentos e sessenta e seis euros e noventa e sete cêntimos), acrescido dos juros vincendos desde a citação até integral e efectivo pagamento (cfr. arts. 804º, 805º, nº2, al. b), e nº3, 806º, todos do Cód. Civil e Portaria nº291/03, de 08/04, de 08.04)) à taxa legal de 4%.

… Inconformado com esta decisão dela interpôs recurso o Réu concluindo que: [……………………………………………] Não se encontram nos autos contra alegações.

Cumpre decidir.

Fundamentação O tribunal de primeira instância considerou provada seguinte matéria de facto: […………………………………………….] Tendo presente que o objecto dos recursos é balizado pelas conclusões das alegações do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso (arts. 684º, nº3 e 690º, nºs 1 e 3, do CPCivil), nem criar decisões sobre matéria nova, a questão suscitada pela recorrente é a de saber se verificam os pressupostos da responsabilidade civil por facto ilícito para que seja condenada no pedido, impugnando também a matéria de facto quanto à resposta dada pelo tribunal a quo ao ponto 16 da base instrutória.

Começando a apreciação do recurso pela impugnação da matéria de facto […………………………………………………….] Quanto à decisão de direito.

Neste domínio a recorrente sustenta que não se encontram verificados nos autos os pressupostos da sua responsabilidade por facto ilícito e que, designadamente, não existe nexo de causalidade entre o facto e os danos porque competia à autora demonstrar e provar que na conta do sacador havia fundos necessários para o pagamento dos cheques, o que não aconteceu, não existindo pois conduta culposa da Ré que teve justa causa para recusar o pagamento.

Discute-se na presente acção a recusa do Banco réu em pagar os três cheques identificados, durante o prazo de apresentação a pagamento, alegando que o sacador daqueles os revogou com justificação em extravio.

A sentença recorrida considerou, blasonando-se de fundado no entendimento do acórdão Uniformizador de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça nº4/2008 (Diário da República I A de 4 de Abril de 2008), que não era permitido à recorrente recusar o pagamento e que tal recusa constituía um acto ilícito e culposo.

Apreciando esta questão de saber se o banco sacado pode recusar o pagamento do cheque dentro do prazo de apresentação a pagamento quando o sacador tenha revogado o título com a informação de extravio, temos em primeiro lugar presente que o cheque é “titulo cambiário, à ordem ou ao portador, literal, formal, autónomo e abstracto, contendo uma ordem incondicionada, dirigida a um banqueiro, no estabelecimento do qual o emitente tem fundos disponíveis, ordem de pagar à vista a soma nele inscrita.” (Prof. Ferrer Correia in “Revista de Direito e Economia”, IV, n.º 2, 1978 - Julho - Dezembro, 457).

Embora não sendo obrigado cambiário, nos precisos termos da dogmática da relação cartular, e do disposto na Lei Uniforme Relativa ao Cheque, já que não interveio naquela relação nem subscreveu o título, o Banco está obrigado perante o sacador ao pagamento do cheque nos termos da convenção que celebrou com o depositante (titular da provisão) e esta obrigação tem os contornos do artigo 32 da Lei citada, segundo o qual “a revogação do cheque só produz efeito depois de findo o prazo de apresentação”, sendo que, se não tiver sido revogado, “o sacado pode pagá-lo mesmo depois de findo o prazo”, que é de oito dias contados da data indicada como da emissão (artigo 29).

Revogar um cheque é a declaração do sacador ao Banco para que não o pague, mau grado o mesmo já ter entrado em circulação, sendo diversas as justificações que o sacador pode fornecer ao banco sacado para que não efectue o pagamento de um cheque por si emitido apesar de dispor de fundos para o efeito. Desde a ocorrência de um desapossamento dos módulos de cheque por preencher ou já preenchidos, até à simples ordem de cancelamento tentando evitar o pagamento por razões que se prendem com o negócio subjacente à relação cartular todas estas situações cabem na designação de revogação ou revogabilidade do cheque[1].

Tendo o STJ decidido através do acórdão uniformizador 4/2008 que “Uma instituição de crédito sacada que recusa o pagamento de cheque, apresentado dentro do prazo estabelecido no artigo 29.º da LUCH, com fundamento em ordem de revogação do sacador, comete violação do disposto na primeira parte do artigo 32.º do mesmo diploma, respondendo por perdas e danos perante o legítimo portador do cheque, nos termos previstos nos artigos 14.º, segunda parte, do Decreto n.º 13 004 e 483.º, n.º 1, do Código Civil.”,tal significa inequivocamente que tomou uma posição no sentido de pôr termo à controvérsia que sobre essa matéria se havia instalado na doutrina e na jurisprudência, sendo reflexo dessa controvérsia o número de votos de vencido que constam dessa decisão[2].

Num resumo breve sobre a discussão referida, o entendimento de que o portador de um cheque não tinha direito de acção nem cambiária nem de responsabilidade civil por facto ilícito contra o sacado que obedecendo a recomendações posteriores do sacador, o não paga no prazo de apresentação era sustentando por Abel Pereira Delgado[3] em anotação ao art. 32 da Lei Uniforme, remetendo para um acórdão do STJ, e tinha o apoio doutrinário de Ferrer Correia, tendo este Professor e Almeno de Sá, em parecer publicado na Colectânea de Jurisprudência, ano XV-1990, tomo I, pp. 40-56, defendido que o portador de um cheque não tem direito de acção contra o Banco sacado que se recusa a pagá-lo dentro de prazo de apresentação, seja com fundamento em responsabilidade civil de natureza contratual, como a fundada em cessão de créditos, seja com fundamento em...

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