Acórdão nº 285/07.1TBTND.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 09 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelEMÍDIO COSTA
Data da Resolução09 de Março de 2010
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: RELATÓRIO “(…) S.A.” intentou, no Tribunal Judicial da Comarca de Tondela, a presente acção com processo ordinário contra: - “G (…) & C (…) Lda.”, - “Garagem (…) Lda.”, e - “R ( …) (Sucursal Portugal)”, pedindo que: a) Seja declarado e reconhecido o direito de propriedade da Autora sobre o veículo automóvel Renault, Laguna 1.9 DTI, de matrícula .....MX, registado na Conservatória do Registo de Automóveis de Lisboa a favor da 1ª Ré com o nº de ordem.... de 23/03/1999; b) Sejam condenadas as Rés a reconhecerem e a respeitarem o referido direito de propriedade e absterem-se da prática de qualquer acto que o possa pôr ou ponha em causa; e c) Seja ordenado o cancelamento dos registos de propriedade e reserva com os nºs de ordem ... e .... de 23/03/1 999, pendentes, respectivamente a favor da primeira e da segunda Rés.

Alegou, para tanto, em resumo, que vendeu, em 20/01/2000, à 1ª Ré um Audi A6 Avant, adquirindo, por retoma, um veículo Renault Laguna 1.9 Dti, o qual foi entregue com chaves, livrete e título de registo de propriedade, comprometendo-se tal Ré a entregar o documento necessário para o cancelamento da reserva de propriedade, já que o gerente informava que já tinha pago o preço que originara a reserva, o que nunca chegou a ocorrer; pouco tempo depois da compra, a 1ª Ré mudou de sede e gerência para local que a Autora não conseguiu localizar, pelo que tentou obter tal documento junto da 2ª Ré, vindo a tomar conhecimento que a 1ª Ré tinha adquirido o veículo a crédito e prestações, com reserva de propriedade a favor daquela, tendo a 3ª Ré financiado a venda, cedendo a 2ª Ré à 3ª os seus direitos de crédito e garantias, consubstanciadas na reserva de propriedade, bem como conferindo os poderes necessários à execução do cancelamento da reserva ou executá-la em acção, subrogando assim a 3ª Ré nos direitos que lhe assistiam e os poderes que lhe competiam, expressamente no contrato celebrado; com o recebimento do preço por parte da 2ª Ré, o registo da reserva de propriedade em nome desta deixou de ter subjacente causa válida, considerando que, mesmo que a cláusula possa ter sido estabelecida para garantir o cumprimento do contrato celebrado quanto à 3ª Ré, esta nunca usou de tal prerrogativa, nem resolvendo o contrato nem fazendo funcionar a reserva, antes optando por exigir as prestações em dívida.

Contestou a Ré Garagem (…) L.da, alegando, também em resumo, ser parte ilegítima na acção já que na acção de consignação em depósito, com o nº 63/2002, que correu termos no Tribunal Judicial de Tondela, em que figurava como Autora a aqui Autora e Ré a segunda Ré, aquela pediu o cancelamento da reserva de propriedade, tendo a contestante sido absolvida da instância por ser parte ilegítima, já que havia transmitido os seus direitos de crédito, considerando que tal decisão faz caso julgado; aduziu ainda que a 1ª Ré e o fiador (….) aceitaram o clausulado; alegou também que naquela acção a Autora alegou ter vendido o veículo MX, pelo que não teria legitimidade para propor a presente acção; impugna a matéria alegada e refere que naquela acção a Autora referia ter efectuado a venda do Audi a 14/01/2001, mais dizendo que a Autora foi incauta.

Contestou também a 3ª Ré, alegando, também em resumo, ter financiado a aquisição do Renault à 1ª Ré, pagando à Ré Garagem (….) o montante de € 19.997,92, tendo aquela ficado com a obrigação de pagamento de tal quantia em 60 prestações mensais de € 439,53, tendo sido constituída reserva de propriedade a favor da vendedora; a partir de 30/06/2000, a 1ª Ré não cumpriu as obrigações contratuais, o que fez com que se vencessem as prestações acordadas, intentando acção de condenação no pagamento que correu termos nas Varas Cíveis do Porto e que está na fase de execução; invoca a conduta negligente da Autora por não cuidar de obter a informação sobre o estado do veículo, referindo que a 1ª Ré ainda não liquidou o débito emergente do contrato pelo que a extinção da reserva de propriedade apenas deveria ocorrer com a satisfação integral das obrigações subjacentes à sua constituição.

A 1ª Ré, que foi citada editalmente, não contestou.

Na réplica, a Autora pugnou pela improcedência das deduzidas excepções.

Proferiu-se o despacho saneador, onde se julgaram improcedentes as invocadas excepções, consignaram-se os factos tidos como assentes e organizou-se a base instrutória, de que reclamou a Autora, com êxito.

Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, finda a qual se respondeu à matéria da base instrutória, sem reclamações.

Finalmente, verteu-se nos autos sentença que, julgando a acção totalmente improcedente, absolveu as Rés do pedido.

Inconformada com o assim decidido, interpôs a Autora recurso para este Tribunal, o qual foi admitido como de apelação e efeito meramente devolutivo.

Alegou, oportunamente, a apelante, a qual finalizou a sua alegação com as seguintes conclusões: 1ª - “Ao ter decidido que a proprietária do veículo automóvel ....MX continua a ser a apelada Garagem (…), Lda. até que ocorra o evento a que as partes sujeitaram o contrato de compra e venda celebrado, ou seja, o pagamento das prestações convencionadas à apelada (…), o Tribunal a quo procedeu a uma errada interpretação e aplicação da lei à concreta factualidade provada; 2ª - A previsão final do n° 1 do artigo 409° do CC “até à verificação de qualquer outro evento” não pode ser interpretada no sentido de tal evento se poder reconduzir a um contrato de mútuo, ainda que coligado a um contrato de compra e venda, reportando-se a reserva de propriedade unicamente a contratos de alienação; 3ª - Atenta a previsão do artigo 409° e o disposto no artigo 294°, ambos do Código Civil, é nula a reserva de propriedade constituída a favor da apelada Garagem (…) para garantia do pagamento das prestações à apelada (…); 4ª - Os interesses subjacentes ao propósito lucrativo das financiadoras e, em especial, o de garantir o seu crédito de forma consistente e com o mínimo dispêndio possível, não podem ser fundamento para se moldar a interpretação das normas vigentes a tais conveniências, nem mesmo sob a égide de uma união de contratos de compra e venda e de mútuo; 5ª - A titularidade da...

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