Acórdão nº 81/1998.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 07 de Setembro de 2010
Magistrado Responsável | ALBERTO RUÇO |
Data da Resolução | 07 de Setembro de 2010 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra (2.ª secção cível): * Recorrente/Recorrido (Autor)….……………...J. P (…), residente em Valverde, Aguiar da Beira; Recorrido/recorrente (Réu/reconvintes)…….A.B. (…), residente em Trancoso, residente em Tamanhos, Trancoso.
Interveniente (activo)…………………………...M.P. (…), residente em Valverde, Aguiar da Beira.
Intervenientes (passivos)……………………..M.L. (…) ………………………………………………………M.A. (…) ………………………………………………………O.F. (…) ……………………………………………………...J.M. (…) e mulher F. M.(…), ………………………………………………………I.S. (…) e mulher M.S (…) M.P. (…) e mulher C.P.(…), …………………………………………………...….A.B (…) e mulher, G.B. (…) * I. Relatório.
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O Autor celebrou, em 19 de Janeiro de 1998, um contrato-promessa com os Réus AB (…) e AL (…), tendo por objecto a cessão de todas as quotas da sociedade denominada «(…), Ld.ª», pertencentes a estes Réus e aos intervenientes passivos chamados à acção, pelo montante de 100 000 000$00 (cem milhões de escudos), sociedade que então levava a cabo a construção de um empreendimento turístico, apoiado financeiramente pelo Estado, através do Fundo de Turismo.
O Autor entregou aos Réus, como sinal e princípio de pagamento, a quantia de 10.000.000$00, tendo ficado acordado que os restantes 90.000.000$00 seriam pagos no acto da escritura, que se deveria realizar, no máximo, até ao dia 18 de Fevereiro de 1998.
Ficou também acordado que, em caso de incumprimento, o incumpridor teria de pagar, a título de cláusula penal, o triplo do valor total do contrato, sem prejuízo do Autor poder exigir o cumprimento específico do contrato.
O Autor pretendeu com a instauração da presente acção que o tribunal declarasse a nulidade do mencionado contrato-promessa e como fundamento alegou não ter sido celebrado por todos os titulares das quotas prometidas vender e de ser indeterminado o objecto do contrato devido ao facto de não se especificar o património da sociedade cujas quotas iriam ser transmitidas.
Pediu, além disso, a condenação solidária dos dois Réus a restituírem-lhe os 10 mil contos (€49.879,79 euros) que entregou a título de sinal, quantia esta devidamente actualizada e com juros a partir da citação.
Para o caso destes pedidos não procederem, pediu que se declarasse que os Réus não cumpriram o contrato-promessa e, com base em tal facto pediu a condenação solidária de ambos a restituírem-lhe a dita importância, acrescida de indemnização que, por não se encontrar ainda apurada, deveria ser determinada em liquidação de sentença.
Para o caso destes segundos pedidos também não procederem, pediu que o tribunal reconhecesse e declarasse a resolução do contrato-promessa, por alteração substancial da base negocial, caso em que os Réus deveriam ser também condenados solidariamente a restituir ao Autor a importância que receberam, actualizada e com juros moratórios a partir da citação.
A alteração da base negocial funda-se no facto do Fundo de Turismo ter exigido que o projecto fosse concluído até ao dia 9 de Novembro de 1998, implicando um investimento global na ordem dos 300 mil contos, encontrando-se a obra a meio e não havendo tempo para a concluir, sucedendo que o Autor só assinou o contrato porque lhe foi garantido pelos Réus um subsídio vindo do Fundo de Turismo de 40%, o que não aconteceu.
Os Réus contestaram e deduziram reconvenção.
Para efeitos de contestação, sustentaram que, muito embora o contrato tenha sido celebrado apenas pelos dois Réus, estavam autorizados pelos demais titulares das quotas a celebrá-lo, sendo tal facto do conhecimento do Autor.
Assim como era do seu conhecimento o estado em que se encontrava todo o processo relativo ao empreendimento turístico, incluindo as relações dos Réus com o Fundo de Turismo, inexistindo qualquer facto que justifique a invocação da mencionada alteração da base negocial.
Dizem que a cessão das quotas só não ocorreu porque o Autor sempre faltou ao acto de realização da escritura pública, o qual esteve combinado com o Autor várias vezes, tendo comparecido apenas na última data marcada, mas para se recusar a outorgar a escritura pública, alegando como justificação ter instaurado a presente acção, referindo ainda, para o mesmo efeito, a falta do livro de actas da sociedade.
Com esta recusa do Autor passaram os prazos e perdeu-se o apoio do Fundo de Turismo.
Em reconvenção, os Réus alegam que o Autor não cumpriu definitivamente o contrato-promessa e, por isso, pediram a condenação dele no pagamento da cláusula penal fixada no contrato, no montante de 300.000.000$00.
Requereram ainda a intervenção principal provocada, como associada do Autor, de MJ (…), sua esposa, para ser condenada solidariamente com o Autor no pagamento da quantia de 300 mil contos (€149.639,36 euros) e a intervenção principal provocada dos restantes sócios da sociedade «(…)o Ld.ª».
Houve réplica e admissão dos chamados, os quais aderiram aos articulados dos Réus.
O Autor contesta o montante da cláusula penal referindo que as partes pretenderam, sim, referir-se ao triplo do sinal e não ao triplo do preço, o que se indica até do facto de, nesta última hipótese, ser muito mais oneroso o incumprimento que o próprio cumprimento.
Nada mais de relevante foi alegado nos autos para efeitos de conhecimento dos recursos.
Após a audiência de julgamento foi proferida sentença que julgou a acção totalmente improcedente, com a consequente absolvição dos Réus AB (…)e AL (…) dos pedidos formulados contra eles pelo Autor.
A reconvenção foi julgada parcialmente procedente e, em consequência, foi declarada a resolução do contrato-promessa, por culpa imputável ao Autor, e os reconvindos JP (…) e MP (…) foram condenados a pagar aos reconvintes, réus e intervenientes, a quantia de €130.120,21 (cento e trinta mil e cento e vinte euros, e vinte e um cêntimos), montante a dividir na proporção das quotas dos Reconvintes-maridos na sociedade objecto do contrato promessa, quantia essa ainda acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a notificação da reconvenção até integral pagamento.
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Os Autores recorrem, em síntese, por entenderem que a cláusula 7.ª do contrato-promessa, na que fixou a cláusula penal, padece de nulidade e, além disso, por considerarem também excessivo o montante fixado na sentença, que deve ser reduzido para €50 000,00 euros, importância igual ao sinal entregue, discordando ainda os Recorrentes do momento indicado para o vencimento dos juros que, a serem devidos, só o serão a partir da sentença condenatória Dizem que a cláusula é nula porque o valor estipulado como pena constitui um claro abuso de direito e um desrespeito flagrante do princípio da boa fé na formação e conclusão dos contratos, na medida em que «ninguém no seu perfeito juízo estabeleceria uma cláusula penal de três vezes o valor do contrato». O que as partes quiseram, embora também num montante manifestamente excessivo, foi fixar aquela pena em três vezes o valor do montante entregue a título de sinal.
A cláusula 7.
a do contrato-promessa deve, portanto, ser declarada nula.
Quanto aos juros de mora, sustentam que os mesmos só podem ser devidos a partir da condenação no pagamento e não a partir a notificação da reconvenção, na qual foi peticionado o pagamento do montante estipulado como cláusula penal.
Relativamente à redução da cláusula penal, consideram ainda excessivo o montante fixado na sentença pelas seguintes razões: Por um lado, os Réus não sofreram qualquer prejuízo além daquele que já era inevitável ser produzido pelo empreendimento, sendo certo que na altura da celebração do contrato-promessa já era dada como perdida pelos Réus a comparticipação vinda do Fundo de Turismo, devido ao facto dos Réus não terem dinheiro para cumprir os seus compromissos, incluindo os acordados com o mencionado Fundo de Turismo.
Por outro, não se provou que os Réus tivessem procedido à devolução das quantias já pagas pelo Fundo de Turismo, não podendo o tribunal dar como assente esse prejuízo.
Além disso, os Réus venderam o empreendimento a terceiros, pelo que, nenhum prejuízo tiveram.
Por conseguinte, é ajustado ao caso atribuir-se aos Réus, a título de pena, a quantia de € 50.000,00 correspondente a quantia entregue a título de sinal, soma que se aproxima mais do desejável equilíbrio contratual, reclamado pelo sentido da equidade que o atravessa.
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O Réu AB(…) também recorreu por pretender que a valor da cláusula penal seja fixado exactamente no valor fixado no contrato-promessa, isto é, em €1 496 393,69 euros, mais juros de mora, ou, em caso de redução da cláusula penal, na quantia equivalente a ¾ da dita cláusula penal, acrescida dos mesmos juros, ou seja, €1 122 295,26 euros.
Justifica esta pretensão alegando que face aos factos provados houve incumprimento do contrato-promessa por parte dos Autores e esse incumprimento é-lhes imputável exclusiva e inteiramente, pois tinham perfeito conhecimento dos activos e passivos da sociedade, da necessidade de realizar a escritura definitiva no prazo estabelecido, para não serem perdidas as ajudas financeiras que haviam recebido e haveriam ainda de receber.
Os Autores agiram com manifesta intenção de não cumprirem o contrato, conscientes do alcance da cláusula penal que eles próprios impuseram no acto da celebração do contrato-promessa.
Sustenta que a condenação dos Autores no pagamento a clausula penal é acumulável com o sinal e que a cláusula penal não configura nem é redutível à indemnização propriamente dita, pois, para tal, era necessário que se tivessem alegado e apurado nos autos o prejuízo efectivamente sofrido pelo Réus.
Sustenta também que, no caso concreto, o tribunal recorrido não pode socorrer-se do disposto no n.º 3, do artigo 811.º, do Código Civil, mas tão só condenar os Autores no valor da cláusula penal inserta o contrato-promessa de cessão de quotas, assim se dando cumprimento ao estipulado e acordado pelos contraentes, tanto mais que os Autores são pessoas do mundo dos negócios, habituados a celebrá-los, sendo que, no caso, foram assistidos por advogado...
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