Acórdão nº 3106/08.4TBAVR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 21 de Setembro de 2010
Magistrado Responsável | FONTE RAMOS |
Data da Resolução | 21 de Setembro de 2010 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra: I. P (…) e mulher L(…) intentaram, no tribunal da Comarca do Baixo Vouga/Aveiro, a presente acção declarativa com processo ordinário contra C (…)& M (…) s, Lda., pedindo que a Ré seja condenada a reconhecer o seu incumprimento definitivo do contrato-promessa de compra e venda outorgado no dia 13.8.2006 e a reconhecer a resolução com tal fundamento operada no dia 08.9.2008, a restituir, em dobro, o valor que recebeu dos AA. a título de sinal, a pagar os juros à taxa legal sobre o montante de € 60 000 desde 08.9.2008 até integral pagamento e a indemnizar os AA. pelos danos causados com a sua má fé, em montante a fixar em incidente de liquidação, em virtude de haver prestado informação errada e falsa quanto ao licenciamento da obra, determinando os autores à outorga dos contratos dos autos.
Para o efeito alegaram, em síntese, que a Ré prometeu vender aos AA. e estes prometeram comprar um lote de terreno onde iria ser construída uma moradia geminada pelo preço de € 150 000, tendo ficado previsto o início da construção da moradia em Dezembro de 2005 e o prazo de construção em 12 meses a contar do levantamento da licença de construção; ultrapassada a data inicialmente indicada aos AA. sem que a obra tivesse sido iniciada, as partes outorgaram um novo contrato passando o início da construção para Setembro de 2006, sendo o prazo de construção de 12 meses a contar de tal data; clausulou-se que em caso de atraso na entrega da moradia a Ré pagaria aos AA. o montante de € 17 por cada dia de atraso; à margem do contrato, foi feita a promessa de que a moradia estaria concluída no Verão de 2007; os AA. entregaram os montantes acordados de sinal e programaram a sua vida pessoal, nomeadamente o nascimento do filho do casal que esperavam nascesse já na nova casa; a Ré não concluiu as obras na data prometida (Setembro de 2007), nem nas datas para que posteriormente veio a comprometer-se, situação que provocou à A. gravíssimos problemas emocionais e psicológicos; a partir de Março de 2008 os próprios colaboradores da Ré começaram a admitir que esta não acabaria a casa, deixando de prever uma data para a conclusão e a partir de Abril reconheceram a irreversibilidade da estagnação das obras; os AA. comunicaram à Ré, por carta datada de 21.8.2008, a sua perda de interesse na concretização do negócio, admitindo realizá-lo no prazo suplementar e definitivo de 15 dias; a Ré nada comunicou no prazo referido nem posteriormente, não se preocupando sequer em justificar o atraso nas obras ou em procurar resolver a situação; a Ré sempre procedeu de má fé relativamente aos AA., prestando-lhes informação falsa e deturpada quanto à obra, seu andamento e respectivos projectos e licenças, bem sabendo que os AA., conhecendo a verdade, não teriam sequer assinado os contratos nem lhe teriam entregue quaisquer importâncias.
A Ré contestou e reconveio, alegando, em resumo, que a data constante do contrato era uma mera previsão para o início da construção sujeita a posterior confirmação que dependia da obtenção das necessárias licenças; por motivos não imputáveis a título de culpa à Ré a construção iniciou-se em meados de Fevereiro de 2007, o que de imediato foi informado aos AA.; no contrato-promessa (celebrado em 31.8.2006) apenas o prazo de construção da moradia foi fixado, não tendo sido clausulado ou fixado qualquer prazo para a celebração da escritura de compra e venda; no fim de Novembro de 2007, quando estavam para se iniciar os trabalhos de acabamento da moradia os AA. propuseram à Ré a aquisição da moradia no estado físico em que se encontrava alegando que pretendiam efectuar acabamentos diferentes dos previstos pela Ré; a Ré acedeu à solicitação dos AA, tendo então proposto vender a moradia pelo preço de € 105 000, o que foi aceite pelos AA. que pediram à Ré para não prosseguir os trabalhos até que fosse efectuado o negócio nos termos propostos e por eles aceites; por essa razão, a Ré suspendeu então os trabalhos de construção da moradia; porém, no início de Abril de 2008, após diversas insistências da Ré, os AA. afirmaram-lhe que já não pretendiam adquirir a moradia (no estado em que se encontrava) e pretendiam que retomasse os trabalhos para que a construção estivesse concluída em Junho de 2008, o que a Ré não aceitou por não ter condições para o fazer dessa forma imprevista; o prazo indicado na carta dos AA. de 15 dias para a celebração da escritura era absolutamente insuficiente e desprovido de razoabilidade, já que nesse prazo era impossível concluir as obras e obter a necessária licença de utilização; existe incumprimento definitivo do contrato por facto exclusivamente imputável aos AA. consubstanciado na instauração da presente acção e face ao conteúdo da dita carta dos AA. de 21.8.2008.
Concluiu pela improcedência da acção e pela procedência do pedido reconvencional, devendo o tribunal declarar resolvido o contrato-promessa de compra e venda celebrado entre os AA. e a Ré em 31.8.2006, por incumprimento definitivo dos AA., declarando-se que a Ré tem direito a fazer sua a quantia que recebeu a título de sinal.
Os AA. replicaram, reafirmando a posição expressa na petição inicial e impugnando os factos relativos à reconvenção, concluindo pela sua não admissão e improcedência.
Admitido o pedido reconvencional, afirmada a regularidade da instância e seleccionada a matéria de facto assente e controvertida, sem reclamações, foi depois realizada a audiência de discussão e julgamento.
A matéria de facto foi decidida por despacho de fls. 117.
Na sentença, o tribunal recorrido julgou a acção e a reconvenção não provadas e improcedentes, com a consequente absolvição da Ré e dos AA. dos correspondentes pedidos.
Inconformados com esta decisão e visando a sua revogação (na parte que julgou a acção não provada e improcedente, absolvendo a Ré do pedido), os AA. interpuseram a presente apelação, formulando as conclusões que assim vão sintetizadas: 1ª - É o interesse do credor que deve servir como ponto de referência para o efeito de apreciação da gravidade ou importância do inadimplemento capaz de fundamentar o direito de resolução.
2ª - A resolução de um contrato opera-se através da mera declaração unilateral do credor a qual se torna irrevogável logo que chega ao conhecimento do devedor e goza de eficácia retroactiva (salvo no que respeita aos contratos de execução continuada, relativamente às prestações já efectuadas).
3ª - Para que o credor possa resolver o contrato torna-se necessário que a prestação da outra parte se tenha tornado impossível por causa imputável ao devedor; que o credor tenha perdido, em consequência da mora do devedor, o interesse que tinha na prestação; ou que o devedor não realize essa mesma prestação dentro do prazo que o credor razoavelmente lhe tenha fixado.
4ª - O contrato dos autos, intitulado como de promessa de compra e venda, integra de facto e também uma empreitada, em que a Ré se obriga a construir uma determinada obra, de acordo com os AA., para venda a estes... - a conduta do empreiteiro reveladora de uma intenção firme e definitiva no sentido de não cumprir a obrigação contratual de concluir a respectiva obra integra uma situação de não cumprimento definitivo, a submeter por analogia ao regime dos art.ºs 801° e 808° do C. Civil.
5ª - Da factualidade das alíneas A), C), E) e I) da materialidade assente e da resposta aos art.ºs 11º e 12º da base instrutória resulta não só que a Ré não cumpriu com os prazos previstos para a obra, como não tinha condições de acabar os trabalhos, sendo esta uma situação que se revelava irreversível, impedindo em definitivo a celebração da escritura de compra e venda objecto do contrato-promessa, sendo que ao não se pronunciar por qualquer forma sobre a notificação que lhe foi feita em 22.8.2008, a Ré reconheceu e aceitou o seu incumprimento definitivo e a resolução do contrato.
6ª - Houve incumprimento declarado da Ré, que faz operar válida e eficazmente a resolução do contrato, com as consequências daí emergentes, designadamente as da obrigação de restituição do sinal em dobro, e dos juros sobre o aludido montante.
7ª - Considerando o alegado pelos AA. nos art.ºs 42° a 49º da P. I. e toda a matéria que se deu como provada, resulta incontroverso que a Ré iludiu os AA. quer quanto à existência do Processo de obras levando-os a subscrever o Primeiro Contrato Promessa e a pagar-lhes então € 2 500, quer quanto às datas do início e conclusão das obras levando-os a subscrever quer o Primeiro Contrato Promessa, quer o Segundo Contrato Promessa e a pagar-lhes, em 31.8.2006, mais € 27 500.
8ª - Aquelas declarações falsas e erros determinaram os AA. a contrair um empréstimo bancário para poder satisfazer aquele valor com os inerentes juros, e a programar a sua vida quer em termos de contraírem casamento, conceberem um filho, adquirirem o mobiliário para a casa, a terem legítimas expectativas quanto à data da entrega e ocupação da casa, tudo actos e expectativas que se frustraram causando aos AA. danos patrimoniais e não patrimoniais.
9ª - A Ré, ao enganar os AA. quanto aos termos do negócio (inexistência de licença e de processo de obras, compromisso de execução e conclusão das obras e entrega da construção em prazos e datas que sabia impossíveis de cumprir) agiu com culpa, na forma de dolo e fê-lo em vários momentos da relação obrigacional, acabando por não cumprir.
10ª - Da actuação da Ré decorre a sua obrigação de ressarcir aos AA. quer os danos patrimoniais, quer os não patrimoniais, a liquidar em execução de sentença.
11ª - O Tribunal a quo violou o disposto nos art.ºs 432º, n.° 1; 436°; 496°, n.º 1; 564°; 793°, n.º 2; 798°; 801°, n.º 2; 802°, n.º 1; 804°, n.º 1; 808°, n.º 1; 927° e seguintes; 1047°; 1050°; 1075°; 1093° e 1094°, todos do C. Civil.
12ª - Da prova gravada [depoimentos produzidos em audiência de julgamento pelas testemunhas (…)] conjugada com os factos assentes e os documentos...
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