Acórdão nº 306/04.0TBSEI.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 28 de Setembro de 2010

Data28 Setembro 2010
ÓrgãoCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)
  1. Relatório: A (…) e mulher, M (…), residentes em (…) concelho e comarca de Seia, intentaram acção declarativa comum, com forma de processo ordinário, contra Banco (…), S.A. (actualmente, (…), S.A.), com sede (…) , em Lisboa, alegando, em resumo, que: Enquanto emigrantes em Inglaterra, depositaram parte das suas poupanças na sucursal de Londres do banco ora réu.

    Quando regressaram a Portugal, continuaram a trabalhar com o mesmo, através da sua agência de Seia, sendo o respectivo gerente, (…), quem os orientava, indicava quais os produtos disponíveis no banco e os aconselhava naqueles que mais rentabilidade produziam.

    Como empregado do banco réu, (…) aconselhou-os a subscreverem Obrigações do Tesouro 1994/2000, 1ª Série, com capitalização, no montante de 50.000.000$00, à taxa líquida de 14%, rendendo no final do período 109.790.200$00.

    De tal aplicação, em Março de 1999 resgataram 25.000.000$00, o que originou que a mesma tivesse rendido 87.526.169$00.

    Dessa importância, foram aconselhados, mais uma vez, a subscrever Obrigações do Tesouro 2000/2003, 4ª Série, aceitando depositar, em 15.11.2000, a importância de 25.000.000$00 (€ 124.699,47), pelo período de três anos, com vencimento em 15 de Novembro de 2003, à taxa de juro de 14%, o que originaria, naquele período, o montante de 35.500.000$00 (€ 177.073,25). Em Setembro de 2003, foram informados que a dita aplicação Obrigações do Tesouro 2000/2003, 4ª Série, não existia, e que a quantia de 25.000.000$00, por eles entregue ao gerente (…), não constava dos registos do Banco.

    No período da vigência daquela subscrição (24.07.2003) e para fazer face a necessidades financeiras, pretenderam resgatar parte da subscrição em causa junto do mesmo gerente, mas foram informados por ele que o resgate, naquela altura, originava uma penalização elevada, até porque o seu termo já se encontrava próximo, tendo sido pelo mesmo aconselhados a fazer um empréstimo no montante de € 40.000,00, à taxa de 4%, sem qualquer exigência de garantia, o que fizeram no mesmo dia.

    Pretendem os autores fazer uma compensação do crédito de € 177.073,25, que detêm sobre o réu e o montante de € 40.000,00 e demais encargos, mantendo-se, depois disso, um crédito a seu favor, no montante de € 136.873,25.

    Concluíram, pedindo a condenação do réu a entregar-lhes o montante da subscrição de Obrigações do Tesouro efectuada em 15.11.2000, acrescida de juros à taxa contratada no abatido do capital (€ 40.000,00), juros e demais encargos do empréstimo que lhes foi concedido por aquele e objecto da alegada compensação, ou seja, a entregar-lhes o montante de € 136.873,25, acrescido de juros à taxa legal, desde a citação até integral pagamento, bem como a importância de € 20.000,00 a título de danos morais.

    Regularmente citado, o réu contestou da seguinte forma: Os seus serviços, no mês de Setembro de 2003, detectaram um conjunto de irregularidades e de ilícitos praticados pelo seu funcionário (…), à data a desempenhar as funções de director na agência de Seia, que, com a promessa de taxas de juro elevadas, convenceu diversos clientes do banco a constituir supostas aplicações nas sucursais de Londres e do Luxemburgo, utilizando em seu proveito os montantes entregues e forjando documentos com o nome do ....

    Os autores não fizeram qualquer prova, nem a mesma consta dos registos do banco, do depósito de 25.000.000$00 (€ 124.699.47).

    As obrigações do Tesouro 2000/2003 nunca existiram e nunca quaisquer obrigações foram remuneradas a 14% ao ano, com capitalização, sendo de 3,5% ao ano a taxa média, nesse ano, em Portugal.

    O crédito concedido aos autores foi normal e implicou a prestação de uma garantia, traduzida na subscrição de uma livrança, sendo abusivo e ilegal a tentativa de compensação pretendida.

    Terminou pela absolvição do pedido Os autores replicaram, mantendo o já afirmado na petição inicial, impugnando alguns dos factos alegados na contestação e acrescentando desconhecerem a alegada falsificação de documentos efectuada por (…) no exercício da sua função, bem como se as taxas de juro que lhes foram oferecidas pelo mesmo responsável da agência bancária eram ou não as praticadas naqueles períodos, concluindo como na petição inicial.

    No despacho saneador foram declaradas a validade e a regularidade da lide.

    A selecção da matéria de facto não foi alvo de reclamação.

    Realizado o julgamento – no decurso do qual os autores ampliaram o pedido em € 40.000,00, ampliação que foi admitida – e fixada, sem reparos, a matéria de facto, foi proferida sentença, que julgou a acção totalmente improcedente, em razão do que absolveu o réu do pedido.

    Inconformados, os autores interpuseram recurso e apresentaram a sua alegação, que concluíram assim: 1) Ao subscreverem Obrigações do Tesouro inexistentes, estavam convencidos de que a subscrição era verdadeira e válida, de acordo com as informações prestadas pelo funcionário (…), na qualidade de comissário do banco réu, no qual depositavam toda a confiança; 2) Através da presente acção não vêm exigir o cumprimento de um contrato bancário vinculativo para o réu; 3) O que vêm é reclamar uma indemnização com fundamento na responsabilidade pelo risco, prevista no artigo 500.º do Código Civil, decorrente de uma actuação ilícita e com abuso de funções, por parte do funcionário (…), actuando como comissário do banco réu; 4) A responsabilidade do comitente não é afastada pelo facto de o comissário ter actuado em proveito próprio; 5) A indemnização a atribuir deve ser calculada de acordo com o disposto no artigo 566.º, n.º 1, do Código Civil, considerando todos os danos causados pelo facto lesivo, a partir da sua ocorrência; 6) O primeiro facto que deu origem à actuação do comissário (…), foi a entrega da quantia de 50.000 contos que fizeram em Março de 1994, sendo esse o principal facto lesivo dos seus interesses, que deu origem, posteriormente, a outros factos ilícitos cometidos pelo mesmo comissário, que vêm devidamente descritos na sentença recorrida.

    7) A indemnização, em princípio, deve proporcionar aos lesados o gozo dos bens que fruiriam se não fosse a lesão. Não sendo possível a reconstituição natural, deve a indemnização ser fixada em dinheiro, considerando que eles (autores) são detentores de uma expectativa jurídica, tutelada por lei, de recebimento de uma quantia resultante das informações que lhes foram sendo prestadas, ao longo de vários anos, pelo funcionário do banco réu, (…); 8) Sofreram danos susceptíveis de indemnização (considerando, também, os danos morais e os lucros cessantes): 9) Deve, ainda, operar-se a compensação de créditos, relativamente ao empréstimo que contraíram, nos termos inicialmente peticionados; 10) Foram violados os artigos 500.º, n.ºs 1 e 2, 496.º, n.º 1, 483.º, n.ºs 1 e 2 e 562.º do Código Civil; 11) A decisão recorrida deve ser modificada, no sentido de condenação do réu, nos termos constantes da petição inicial.

    O réu respondeu à alegação dos autores, pugnando pela confirmação da sentença apelada.

    Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

    A questão que requer resolução é a de saber se os autores têm direito a haver do réu a importância que peticionam a título de indemnização.

  2. A matéria de facto: Na sentença recorrida foram dados por assentes os seguintes factos: 1) Os autores detiveram uma aplicação na sucursal de Londres do banco réu, liquidada em 12.11.1998, e são titulares de uma conta aberta no balcão de Seia do mesmo banco, com o n.º 13191324/001 – Al. A).

    2) Em 25 de Março de 1994, os autores entregaram a (…) a quantia de 50.000.000$00 – Al. B).

    3) Em Março de 1999, (…) entregou aos autores a quantia de 25.000.000$00 – Al. C).

    4) Os autores subscreveram, em 13.11.2000, Obrigações de Caixa do ..., no valor de 5.012.050$00, e, em 16.11.2000, unidades do Fundo ... Tesouraria, no montante de 29.999.720$00 – Al. D).

    5) Os autores transferiram, em 27.11.2000, 10.000.000$00, para a sua conta a prazo n.º 13191524/301 – Al. E).

    6) Em 24.07.2003, os autores contraíram junto do réu (agência de Seia) um empréstimo no valor de € 40.000,00, pelo prazo de seis meses, com vencimento em 24.02.2004 – Al. F).

    7) No mês de Setembro de 2003, os autores e outras pessoas foram convocados para comparecer em reunião realizada na agência de Seia do réu, onde lhes foi dito que o gerente/director respectivo ((…)) havia sido suspenso, porque tinha desviado, em proveito próprio – depósito em contas bancárias suas, domiciliadas, pelo menos, no (…)a...

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