Acórdão nº 172/09.9TBTMR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 28 de Setembro de 2010

Magistrado ResponsávelJUDITE PIRES
Data da Resolução28 de Setembro de 2010
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam os Juízes da 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra I.RELATÓRIO F P (…) e marido, A P (…) propuseram acção declarativa com processo sumário contra A M (…) e I M (…), pedindo, sinteticamente, que se declare que os Autores são, com exclusão de outrem, proprietários do prédio rústico sito em ..., freguesia de ..., concelho de Tomar, com a área de 4.480 m2, que, há mais de 20 anos, constitui um prédio autónomo, demarcado dos demais prédios confinantes, condenando-se os Réus a reconhecerem esse direito de propriedade e absterem-se da prática de actos que induzam terceiras pessoas a considerá-los ou confundi-los como proprietários do aludido prédio, Alegam, para o efeito, que o prédio em causa lhes foi verbalmente doado em 1979 por (…) e (…), altura em que nele foram colocados marcos a delimitá-lo, e que, desde então, o vêm amanhando, ininterruptamente, à vista de toda a gente, sem qualquer oposição, na convicção de exercerem um direito, sem ofensa de direitos alheios.

Acrescentam que os Réus, que são proprietários de um prédio confinante com o prédio dos Autores, invadiram abusivamente este, destruindo oliveiras, removendo terras e efectuando escavações, arrogando-se dele proprietários perante terceiros.

Citados, contestaram os Réus que, alegando desconhecerem qual a área do prédio possuído pelos Autores, negam que alguma vez tenham tido a intenção de se apoderarem do que não lhes pertence, tendo procedido ao corte das árvores, à escavação e remoção de terras apenas no seu próprio prédio, dentro dos seus limites.

Em reconvenção, pedem que se declare que são proprietários, com exclusão de outrem, do prédio rústico sito em ..., freguesia de ..., concelho de Tomar, com a área de 2.600 m2, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ..., secção V – parte, e que se condenem os Autores a reconhecerem essa propriedade.

Referem, para tanto, que adquiriram tal prédio por doação verbal efectuada por (…) e (…) em 1970, data em que procederam à colocação de marcos, delimitando-o, e passando, desde então, a cultivá-lo e a aproveitar as utilidades nele produzidas, à vista de toda a gente, sem qualquer oposição, na convicção de exercerem um direito próprio e exclusivo.

Pretenderam, entretanto, as partes pôr termo ao litígio por meio de transacção judicial, cujo teor consta do documento de fls. 29 e 30, subscrito pelos respectivos mandatários judiciais.

Tal transacção foi, por despacho judicial de fls. 64, julgada inválida e, como tal, negada a sua homologação.

Na sequência de tal decisão, prosseguiram os autos, tendo sido proferido despacho saneador que, conhecendo do mérito da causa, julgou improcedentes a acção e a reconvenção, absolvendo Réus e Autores dos pedidos contra eles respectivamente formulados, condenando-os nas respectivas custas.

Por não se conformarem com tais decisões – a que julgou inválida a transacção e a que conheceu do mérito da causa - delas interpuseram os Autores recurso para este Tribunal da Relação, formulando nas suas alegações as seguintes conclusões: - “A douta decisão de indeferimento da homologação da transacção partiu erradamente ao pressuposto que se está perante uma situação de compropriedade; - Porém e como resulta dos factos alegados pelas partes em sede de articulados, entre AA. e RR. nunca existiu qualquer compropriedade, sendo que A.A. e RR., há mais de trinta anos que possuem cada um, a sua própria parcela, bem definida e demarcada.

- Ao partilharem o aludido prédio, cada uma das partes (AA. e RR.) sabia que estava a receber a respectiva parcela de terreno, e foi, aceitando tal situação, que a escritura foi outorgada.

- A.A. e RR. nunca agiram como comproprietários do imóvel.

- Ora, não existindo qualquer situação de compropriedade, não se pode falar em divisão de coisa comum, já que, inexiste, qualquer «coisa comum».

- Assim, a transacção válida.

No tocante à decisão de mérito da presente acção… - Os A.A. alegaram que desde 1979 têm vindo a exercer uma posse pública, pacífica, contínua e de boa fé sobre a parcela de que se arrogaram proprietários; - Os RR. alegaram que desde 1970 têm vindo a exercer uma posse pública, pacífica, contínua e de boa fé sobre a parcela que se arrogam proprietários; - Por transacção, AA. e RR. vieram reconhecer reciprocamente os respectivos direitos de propriedade sobre as mencionadas parcelas.

- Está, assim, demonstrada a aquisição originária de AA. e RR.

- No caso da partilha, não estamos perante qualquer aquisição originária, mas sim derivada, pelo que, não basta tal partilha para se provar o direito de propriedade.

- AA. e RR. outorgaram uma escritura de partilha, pela qual ficou adjudicada aos A.A. metade do prédio inscrito na matriz sob o artigo ..., secção V e aos RR. metade do prédio inscrito na matriz sob o artigo ..., secção V e com base nessa mesma escritura, procederam ao registo na competente conservatória do registo predial.

- Porém, AA. e RR. nunca se comportaram como comproprietários, sendo que essa metade que receberam, aceitaram-na como sendo a parcela que cada um vinha já possuindo, desde pelos menos 1979.

- Na verdade, o direito já não pertencia ao falecido, pois que AA. e RR. haviam já adquirido cada uma das parcelas, por usucapião.

- O início da posse dos AA. ocorreu em 1979; o início da posse dos RR. ocorreu em 1970; o registo predial é de l de Julho de 2004. Então, não existe qualquer registo anterior ao início da posse, pelo que, a presunção da titularidade do direito do possuidor não cede perante a presunção do registo.

- Além disso, não estamos perante um único prédio, como refere a Srª Juiz «a quo», mas sim perante dois prédios rústicos distintos e autónomos.

- No caso vertente e na realidade nunca existiu compropriedade, pelo que não tem que se alegar a inversão do título da posse enquanto forma de aquisição da posse, como refere a douta sentença em recurso.

- Os AA. sempre se comportaram em relação à sua parcela como exclusivos proprietários, e os RR. também sempre se comportaram em relação à sua parcela como exclusivos proprietários.

- Além disso, ainda se diz que não há área mínima para a aquisição, por usucapião, do direito de propriedade sobre parte de um prédio.

- Deste modo, sempre deveria o Senhor Juiz «a quo» ter decidido no sentido de ter julgado a acção e a reconvenção totalmente procedentes por provadas, já que os factos conducentes à aquisição do direito de propriedade por usucapião por parte dos AA. e por parte dos RR. estão provados ou foram admitidos por acordo; - Ou caso assim se não entenda, sempre deveriam os mesmos ser levados à base instrutória, devendo os autos ter prosseguido para julgamento.

- Face ao exposto, AA. e RR. não querem proceder á divisão de qualquer prédio que sejam comproprietários, mas apenas e tão somente o reconhecimento dos respectivos direitos de propriedade.

- As partes não fizeram qualquer uso anormal do processo, sendo que nem tão pouco estão verificados os pressupostos para tal.

- Assim, o douto aresto em recurso ao decidir como decidiu, violou o disposto nos artigos 300° do C.P. Civil e 1.287º e 1296º do Código Civil”.

Culminam as alegações com o pedido de revogação da sentença objecto de recurso, julgando-se a acção e a reconvenção procedentes por provadas.

Não foram apresentadas contra – alegações.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar.

II.OBJECTO DO RECURSO 1. Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pelos recorrentes e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras[1], importando destacar, todavia, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito[2].

Considerando, deste modo, a delimitação que decorre das conclusões formuladas pelos recorrentes, no caso dos autos cumprirá apreciar fundamentalmente: - validade da transacção efectuada nos autos; - mérito da causa.

III. FUNDAMENTO DE FACTO Mostram-se provados os seguintes factos com relevo para a apreciação do recurso: 1.O prédio rústico sito em ..., freguesia de ..., concelho de Tomar, com a área de 7080m2, encontra-se inscrito...

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