Acórdão nº 197/2002.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 16 de Abril de 2009

Magistrado ResponsávelGOUVEIA BARROS
Data da Resolução16 de Abril de 2009
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães: F. F. F.

, residente em Vargas, Venezuela, intentou em 18/11/02 a presente acção declarativa de condenação sob a forma ordinária, contra a Companhia de Seguros FM, S.A.

, com sede em Lisboa e contra a Companhia de Seguros PP, S.A., com sede em Lisboa, actualmente incorporada na Companhia de Seguro A. P., S.A., pedindo a sua condenação solidária a pagarem-lhe a quantia global de €151.108,17 (conforme ampliação constante de fls 379), acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados a partir da citação e até efectivo e integral pagamento, bem como os demais danos futuros decorrentes do mesmo sinistro, a liquidar ulteriormente, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais por si sofridos em consequência de um acidente de viação ocorrido no dia 14 de Maio e no qual foram intervenientes o veículo ligeiro de passageiros de matrícula 49-17-MG e o ciclomotor de matrícula 1PCR-14-97 onde o autor era transportado, aquele segurado da segunda ré e este segurado da ré Fidelidade.

Alega para o efeito e em síntese que no dia referido, pelas 15h15m, ao Km 38,530 da E.N. nº 301, na freguesia de Lamamã, Paredes de Coura, ocorreu um acidente de viação em que estiveram envolvidos os mencionados veículos, o MG conduzido por José Gomes e o ciclomotor, conduzido por Jorge Barbosa e no qual o autor seguia como passageiro, sofrendo lesões várias cujo ressarcimento pede às duas seguradoras, porquanto em seu entender a culpa do acidente é imputável a ambos os condutores envolvidos.

Contestou a ré A. P. para impugnar os danos invocados e declinar a responsabilidade do condutor do veículo do MG, seu segurado, imputando a culpa exclusiva do sinistro ao condutor do ciclomotor em que o autor se fazia transportar, porquanto este, quando o MG já era avistável a transitar na E.N. 301, decidiu entrar nesta sem aguardar que aquele veículo passasse, confiando que conseguiria alcançar a faixa de rodagem a que se dirigia, concluindo assim a pugnar pela sua absolvição do pedido.

Contestou também a ré F. M., confessando a existência do contrato de seguro relativo ao ciclomotor, mas impugnando também os danos invocados e seus montantes, bem como a culpa do sinistro, atribuindo-a por seu turno ao condutor do veículo segurado da co-ré A.P..

*** Em 8/5/03 no mesmo tribunal de Paredes de Coura foi distribuída outra acção declarativa, registada sob o nº103/03.0TBPCR, intentada por J. F. B., alegando ser herdeiro de Jorge Barbosa (condutor do ciclomotor onde era transportado o autor da anterior acção), em que pede a condenação da ré A. P., S.A. a pagar, a si e demais herdeiros cuja chamamento requereu, a quantia de €175.000 pelos danos não patrimoniais por todos sofridos em consequência do decesso de seu irmão, bem como pelos danos não patrimoniais sofridos pelo falecido e atinentes ao lapso de tempo que mediou entre o acidente e a sua morte (ocorrida em 19/5), alegando para tal que o acidente foi causado por culpa exclusiva do condutor do veículo ligeiro segurado da ré.

Contestou a ré para reiterar o que dissera na anterior acção atinente ao sinistro, ou seja, para impugnar o montante dos danos e declinar a sua responsabilidade, dizendo que o acidente foi causado pelo inditoso irmão dos autores, condutor do ciclomotor interveniente.

Admitido o chamamento dos restantes herdeiros, foram os mesmos citados para os termos da causa, nada tendo dito.

*** Prosseguiram os autos seus termos autonomamente, sendo proferido despacho saneador em cada um dos processos e seleccionada a matéria de facto pertinente a cada uma das causas.

Porém, sob requerimento da ré A.P. formulado a fls 168 da primeira acção (Proc. nº197/02), foi ordenada a apensação dos processos (despacho de fls 214 do 2º volume), prosseguindo depois a tramitação unitária dos processos com a legal instrução.

Discutida a causa, foi proferida sentença julgando a acção nº197/02 parcialmente provada e condenando as rés a pagar ao autor F.F.F. a quantia de €128.033,00, na proporção de 80% pela ré A.P. e 20% pela ré F.M., bem como por eventuais danos futuros e na mesma proporção e, simultaneamente, julgou também a acção nº103/03 parcialmente procedente e condenou a ré A.P. no pagamento aos autores da quantia de €110.000,00 e juros desde a sentença, dos quais €50.000 pela lesão do direito à vida do falecido irmão dos autores e €60.000 pelos danos não patrimoniais próprios (€7.500 a cada um dos autores).

Inconformados recorrem o autor F. F. F. e a ré A. P., S.A., ambos defendendo a revogação da sentença, aquele para pugnar pela elevação da indemnização arbitrada e esta para defender a sua absolvição do pedido, alinhando para tal e em síntese as seguintes ordens de considerações: Diz o autor: - Deve ser condenada apenas a ré A.P. na totalidade do pedido, ou pelo menos, na proporção de 95% e os restantes 5% pela F.M., fixando-se nessa percentagem a culpa dos condutores intervenientes.

- Caso se mantenha a repartição de culpas fixada na decisão, deve ser proferida condenação solidária entre as rés, nos termos previstos no artigo 497º, nº1 e 2 do CC.

- A indemnização arbitrada a seu favor e atinente à incapacidade permanente sofrida deve ser fixada em €110.000,00 e a relativa aos danos não patrimoniais, em €15.000,00.

- Os juros atinentes ao dano não patrimonial arbitrado devem contar-se desde a citação e não desde a prolação da sentença.

- Na eventualidade de vir a obter integral provimento o recurso da ré A.P. no que tange à culpa do seu segurado, então deve ser condenada a ré F.M. na totalidade da indemnização que for fixada.

*** Diz a ré Allianz: - Deve ser alterada a resposta dada aos “quesitos”51º, 56º e 62º da base instrutória (factos enunciados sob os artigos 13º, 14º e 16º da sentença), bem como aos quesitos 74º, 82º, 187º e 188º (respondidos negativamente), com incidência sobre o grau de culpa do condutor do veículo MG, isentando-se de culpa ou, pelo menos, reduzindo-o para 20%.

- Deve ser igualmente alterada a resposta dada aos quesitos 125º, 129º e 130º (factos recolhidos sob os artigos 60º e 62º da sentença), reduzindo-se consequentemente a indemnização do autor a título de dano futuro para €50.000 e para €7500 a indemnização pelo dano não patrimonial.

*** Nem os autores do processo nº103/03 nem a ré F.M. apresentaram resposta à alegação dos recorrentes.

*** Fundamentação: Antes de mais e em jeito de nota prévia cumpre assinalar que na sentença está dado como assente que o infeliz condutor do ciclomotor, Jorge Barbosa, faleceu no próprio dia do acidente, isto é, em 14 de Maio de 2002, facto alegado por seu irmão no processo apenso mas que não se harmoniza com o teor do artigo 72º da petição inicial da mesma acção e é decisivamente infirmado pelo assento de óbito de fls 30 dos mesmos autos que comprova a morte no dia 19 de Maio, às 19,30 horas.

Feito este reparo e passando então à apreciação do mérito da alegação, verifica-se do teor das conclusões formuladas pelos recorrentes que as questões sobre que nos cabe debruçar são as seguintes:

A) Alteração da matéria de facto dada por provada pelo tribunal a quo; B) Grau de culpa dos dois condutores envolvidos na colisão; C) Montante da indemnização arbitrada ao autor recorrente a título de dano biológico ou corporal e dano não patrimonial; D) Actualização da componente atribuída a título de dano não patrimonial ao autor recorrente e modalidade da obrigação das rés seguradoras.

*** Sobre a alteração da matéria de facto: Na sentença considerou-se ser desigual a responsabilidade dos condutores pela produção do sinistro, repartindo-se na proporção de 80% para o condutor do MG e de 20% para o inditoso condutor do ciclomotor.

A ancorar tal entendimento esteve manifestamente a consideração sobre a velocidade próxima dos 100kms/hora a que seguia aquele veículo e a relevância causal de tal circunstância na eclosão do acidente e na potenciação dos seus efeitos.

Mas não foi apenas esse elemento que mereceu reparo do Sr. juiz a quo pois a seguir censura também o facto de conduzir de “forma desatenta, imprudente e imperita, não logrando imobilizar o veículo que conduzia no espaço livre e visível à sua frente, não obstante os cerca de 80m de que dispunha para o efeito, antes de atingir o ciclomotor, tal como não foi capaz de procurar manter a sua trajectória na restante metade direita da estrada E.N.301 (ou até penetrar na via municipal de onde provinha o ciclomotor, uma vez que a colisão se dá na desembocadura da mesma, e que esta conta uma largura de cerca de 50 metros) e, dessa forma, contornar o IPCR, deixando-o concluir a sua travessia daquela hemi-faixa de rodagem, ou então tentar desviar-se pela metade esquerda da mesma E.N. e prosseguir a sua marcha. Sendo certo que no momento do embate essas hemi-faixas da E.N.301 se encontravam, na sua quase totalidade, livres e desimpedidas”.

Também nós pensamos, como adiante justificaremos, que a conduta do condutor visado foi imprudente, mas entendemos que as demais considerações são absolutamente injustificadas e revelam porventura falta de experiência na prática da condução automóvel.

Com efeito, circulando a 100 quilómetros/hora o referido condutor percorreria cerca de 27/28 metros por segundo, o que implicaria que andasse cerca de 20 metros antes de iniciar a travagem (ou seja, presumindo um tempo de reacção de ¾ de segundo, cientificamente aceite como normal).

Tendo o embate ocorrido a cerca de 13,5 metros após o início da travagem, afigura-se razoável pensar que o condutor apenas presenciara a temerária manobra do infeliz condutor do motociclo a escassos 35/40 metros, o que aliás é compatível com a distância percorrida por este: foi atingido ainda antes de a frente do ciclomotor ter atingido o eixo da faixa de rodagem que no local mede 4,90metros.

Como pode exigir-se a um condutor que circula a 100kms/hora que, surgindo-lhe inopinadamente na sua faixa de rodagem (e em contramão) um ciclomotor a escassos 40 metros, “procure manter a...

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