Acórdão nº 1494/08-2 de Tribunal da Relação de Guimarães, 04 de Junho de 2009

Magistrado ResponsávelISABEL ROCHA
Data da Resolução04 de Junho de 2009
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam os Juízes que constituem a secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães.

I – RELATÓRIO Mariana O..., casada no regime da separação de bens e residente na Avenida da S..., Estoril, Carlota F..., casada no regime da comunhão de adquiridos, residente na Rua D... Lisboa, Joana O..., casada no regime da separação de bens, residente na Rua D. C..., Lisboa e António R..., casado no regime da separação de bens, residente na Rua C..., Lisboa, propuseram a presente acção com processo especial de despejo contra B... Machado e mulher, Maria M..., residentes no lugar do C..., freguesia do Arco do Baúlhe, Cabeceiras de Basto, alegando em síntese: Que são plenos proprietários do prédio misto, Quinta do Canal, composto por uma casa de habitação, uma casa destinada a moagem e terreno culto e inculto, sito no Canal, descrito na Conservatória do Registo Predial de Cabeceiras de Basto e inscrito na matriz urbana nos artigos 186 e 187 e na matriz rústica no artº 214; Tal prédio foi-lhes adjudicado em comum e partes iguais no inventário a que se procedeu por óbito de M... Reis; Em 8 de Março de 1974 foi verbalmente celebrado entre esta anterior proprietária e o Réu marido um contrato segundo o qual este habitaria a casa correspondente ao artº 186 urbano e utilizaria o edifício anexo, correspondente ao artigo 187 urbano para moagem de cereais; Como retribuição pela sua utilização o Réu pagaria a renda mensal de esc. 1000$00, sendo esc. 750.000$00 pela moagem e esc. 250$00 pela habitação, não tendo sido estabelecida qualquer retribuição pela parte rústica; Actualmente a renda global é de esc. 20.000$00 ou € 99,76 anuais, aplicando-se a mesma proporção, 15.000$00 ou € 74,82 para a moagem e € 24,94 para a habitação; Os RR continuam a habitar o prédio destinado a tal, mas deixaram de exercer a actividade de moagem de cereais no outro edifício, actividade que, desde data que se ignora passou a ser exercida pelo seu filho B... Machado, a quem aqueles cederam a sua utilização através de contrato cujo conteúdo exacto de ignora, porque nunca foi comunicado aos RR; A actividade de moagem encontra-se licenciada em nome do filho dos RR, o mesmo sucedendo com a licença para utilização na moagem da água do rio, sendo ele quem dirige tal actividade, pertencendo-lhe as máquinas, utensílios e mercadorias, quem paga os custos inerentes e vende os cereais que mói e ensaca; Os RR nunca comunicaram aos AA tal cedência da sua posição contratual no que respeita edifício destinado à moagem; No prédio foram ainda construídos dois edifícios novos, implantados no solo com as respectivas fundações; No edifício da moagem foram feitas obras de vulto que implicaram a demolição de paredes interiores de pedra e a construção de bases em betão para colocação dos aparelhos eléctricos para moagem de cereais, que desvirtuaram o edifício que só tinha moinhos impulsionados a água; Os AA nunca dera autorização para a execução de tais obras e só tiveram conhecimento de todos os alegados factos há menos de um ano, tendo a anterior proprietária falecido sem deles ter conhecimento.

Pedem, assim, que seja resolvido o contrato de arrendamento sobre o prédio identificado, decretado o despejo imediato desse prédio, ordenada a sua entrega aos AA livres de pessoas e bens e, bem assim, a condenação dos RR a repô-lo no estado anterior às obras que efectuaram.

Os RR contestaram por impugnação, mais alegando que: Celebraram verbalmente com a antiga proprietária do prédio em questão dois contratos de arrendamento distintos, um para fins industriais incidindo sobre o edifício da moagem de cerais e outro incidindo sobre o resto da Quinta onde existe a casa de habitação, para cultivo e habitação, não estando um fim subordinado ao outro, não obstante não terem feito a discriminação da renda referente a cada uma das partes; Tal resulta de recibos de renda que juntam, onde se descrimina a propriedade e a moagem; Nos anos 80 os RR acordaram com a anterior proprietária que seu filho passaria a explorar a moagem conjuntamente com eles; Em finais dos anos 80 afastaram-se da indústria de moagem ficando seu filho á frente da mesma; Obtiveram autorização da anterior proprietária para fazer as construções no prédio e proceder às obras necessárias para pôr o moinho a funcionar, sendo certo que não as mesmas não desvirtuam o edifício onde se situa a moagem; Os AA têm conhecimento dos factos que alegam como fundamento da acção há mais de um ano.

Deduzem ainda reconvenção, pedindo que, para a hipótese de proceder o despejo da moagem, sejam indemnizados pelo custo das benfeitorias úteis e necessárias que ali efectuaram de boa fé, no valor de € 10.699,22.

Os AA replicaram, respondendo ás excepções invocadas, defendendo que um só contrato de arrendamento foi celebrado cuja finalidade principal é o exercício da indústria de moagem, defendendo-se, no que respeita á reconvenção por excepção, arguindo a ilegitimidade dos AA e por impugnação, concluindo pela improcedências das excepções invocadas e da reconvenção.

Posteriormente ocorreu o falecimento do Réu marido, tendo-se processado o incidente de habilitação de herdeiros.

Proferido despacho saneador, procedeu-se á selecção da matéria de facto.

Foi realizada perícia a requerimento das partes e procedeu-se á audiência de discussão e julgamento, com gravação da prova aí produzida, no decurso da qual foi deferido parcialmente requerimento dos AA no sentido de serem aditados à base instrutória factos que alegou na PI. Posteriormente foram proferidas a decisão sobre a matéria de facto e a sentença onde se decidiu julgar a acção parcialmente procedente e improcedente a reconvenção.

Interposto recurso da sentença, vieram os RR arguir, nas suas alegações, nulidade decorrente do facto de a primeira cassete relativa á gravação da prova em audiência estar inutilizada pois nela nada foi gravado, tendo os AA requerido o conhecimento de tal nulidade pelo Mmº Juiz da primeira instância.

Foi proferido despacho deferindo a arguida nulidade, ordenando-se a repetição do julgamento com inquirição das testemunhas cujos depoimentos não ficaram gravados.

Repetida a audiência de julgamento nos termos ordenados decidiu-se sobre a matéria de facto reiterando-se as respostas á base instrutória já constantes dos autos, após o que foi novamente proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente por parcialmente provada, declarando resolvido o contrato de arrendamento relativo á moagem, ordenando, em consequência, o despejo imediato da mesma e a sua entrega aos AA livre de pessoas e bens, condenando-se os RR a repô-la no estado anterior ás obras que realizaram sem o consentimento escrito dos senhorios, demolindo os edifícios novos lá construídos e as alterações introduzidas, absolvendo, no mais os mesmos RR do pedido e julgando improcedente por não provado o pedido reconvencional absolvendo-se os AA do mesmo.

Inconformados, Autores e Réus interpuseram recurso de apelação da sentença.

Os AA apresentaram alegações que concluem do seguinte modo: A douta sentença recorrida é nula por não se ter pronunciado sobre uma questão levantada pelos AA. e que, aliás, consta do pedido: a extensão do despejo a todo o prédio, incluindo a parte rústica (art. 667/1/d do C.P.C.); Foi celebrado um só contrato misto de arrendamento (para habitação e para moagem) e de comodato; Foi estabelecida uma única renda, muito embora tenha sido inicialmente feita a descriminação da parte relativa à moagem (750$00) e à habitação (250$00); O fim do comodato é subordinado ao fim do arrendamento; E dentro dos fins do arrendamento, o principal é o da moagem; Há solidariedade dos fins de moagem, de habitação e de cultivo: os edifícios onde aqueles se exercem são rodeados pelo terreno de cultivo, com uma única entrada para todos; a utilização da parte de cultivo está limitada ao período de duração do arrendamento para moagem e habitação; Assim, a causa de resolução relativa a um dos fins abrange necessariamente todos os outros e a totalidade do prédio; Os RR. cederam a sua posição contratual, no que se refere a moagem, ao seu filho João Bernardino; Da matéria provada resulta que essa transmissão configurou (provavelmente) um trespasse, gratuito ou oneroso, não se sabe; Dessa mesma matéria resulta que não houve cessão de exploração de estabelecimento, já que é essencial para a sua caracterização o seu carácter temporário e oneroso - o que não ficou demonstrado; De qualquer maneira, quer o trespasse, quer a cessão de exploração do estabelecimento, deveriam ter sido celebrados por escrito, sob pena de nulidade (art. 111/3 e 115/3 do RAU e hoje art. 1109/2 e 1112/3 do C. Civil); E deveriam ter sido comunicados ao senhorio, sob pena de ineficácia (art. 1.038/9 e 1109/2 do C.C.); Qualquer outro tipo de contrato que envolvesse a cessão, parcial ou total, da posição do inquilino, seria ilícito (art. 1038-f) do C.C.); Há, assim, uma claríssima causa de resolução do contrato (art. 64/1/f do RAU, então aplicável); Causa essa extensível a todo o contrato e a todo o prédio dele objecto (art. 1028 n° 2 e 3 do C.C.); O R. ou alguém a seu mando construiu dois edifícios, um para armazém e outro para escritórios no prédio dos AA. - ignorando-se, ao certo, onde, admitindo-se até que na sua parte rústica; Mas essa construção é causa de resolução do contrato por violação do art. 64/1/d do RAU, então aplicável, que abrange, o arrendamento e, por absorção, o comodato, por violação directa deste; Também a esta causa se aplica o acima referido; Ao decidir em sentido contrário, a douta sentença recorrida interpretou erradamente e violou as disposições legais citadas — arts. 64/1, alíneas d) e f), 111/3 e 115/3 do RAU; 1028 nºs 2 e 3, 1038/f e g, 1109/2 e 1112/3 do C. Civil; Deve, pois, ser parcialmente revogada, proferindo-se acórdão que julgue a acção inteiramente procedente, com a condenação dos RR. (e chamados) nos termos constantes da p.i .

Por sua vez, os RR terminaram as suas alegações com as seguintes...

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