Acórdão nº 4768/07.STVLSB.AG1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 21 de Maio de 2009

Magistrado ResponsávelISABEL ROCHA
Data da Resolução21 de Maio de 2009
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam os Juízes que constituem a secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães.

I – RELATÓRIO S... – Crédito SA”, pessoa colectiva nº 501 370 048, com sede na Rua General Firmino Miguel, nº 5, 14º piso, Lisboa, instaurou providência cautelar para apreensão de veículo e respectivos documentos ao abrigo do disposto no artº 15º do DL nº 57/75 de 12 de Fevereiro, contra Hugo P. e Isabel P..., alegando em síntese que: No âmbito da sua actividade celebrou com os requeridos, no dia 23/01/2006, um contrato que teve por objecto o financiamento de € 15.764,50, montante que se destinou à aquisição, por parte dos mesmos requeridos, de uma viatura automóvel; Como condição da celebração do referido contrato e como garantia do seu bom cumprimento, foi exigido pela requerente aos ora requeridos a constituição de reserva de propriedade, a seu favor, sobre o mencionado veículo; Assim, o veículo foi vendido aos requeridos com o encargo da reserva de propriedade, devidamente registada na Conservatória do Registo Automóvel; Mantém-se na esfera jurídica da requerente a propriedade da viatura, que só se transmitirá com o cumprimento do referido contrato; Por força de tal contrato os requeridos assumiram a obrigação de pagar à requerente uma prestação mensal de € 216,53, por um período de 72 meses; Os requeridos não pagaram as prestações que se venceram em Dezembro de 2006, e de Janeiro a Abril de 2007; Não tendo procedido ao pagamento da totalidade dos valores em dívida, a requerente concedeu aos requerentes um prazo suplementar de oito dias úteis para o fazerem sob pena de a sua mora se converter em incumprimento definitivo; Os requeridos nada pagaram até ao momento, nem procederam á entrega da dita viatura.

Assim, em virtude de tal incumprimento e porque a requerente é proprietária da viatura, tendo direito à sua restituição, requer que a mesma seja apreendida nos termos da supra citada disposição legal.

Produzida a prova indicada pela requerente, foi proferida decisão, sem audição prévia dos requeridos, no sentido deferir a solicitada providência, ordenando-se, em conformidade, a imediata apreensão do veículo identificado, bem como dos respectivos documentos, a qual se efectivou em 23 de Dezembro de 2007.

Inconformada, a requerida Isabel P... interpôs recurso de agravo desta decisão, apresentando alegações que terminou com as seguintes conclusões: Interpõe-se o presente recurso do despacho do Meritíssimo Juiz do Tribunal "a quo", datado de 13.12.2007, que deferiu a providência cautelar requerida pela "S..." ao abrigo do D.L. 54/75 de 12 de Fevereiro, decretando a apreensão imediata do veículo de marca Peugeot, modelo 206, 1.9 D, Présenc, com a matrícula 75-61-..., bem como dos respectivos documentos, contra a Recorrente.

Considerou o tribunal “a quo" indiciariamente provados os factos alegados pela Requerente, vertidos nos artigos 1, 2, 3, 4, 5, 8, 9, 10, 13, 14, 15 do requerimento inicial.

Mais considerou aquele Tribunal o depoimento da testemunha Maria B..., jurista da requerente.

Apoiou o Meritíssimo Juiz do tribunal "a quo", a sua decisão no disposto no art. 15.° do D.L. 54/75 de 24 de Fevereiro, Bem como no vertido no art. 16.° n.1 do mesmo decreto, Assim considerou o meritíssimo juiz: "No caso em análise provou-se a existência do contrato de alienação do veículo, em que foi convencionada a reserva de propriedade e o incumprimento das obrigações assumidas pelos adquirentes que condicionaram essa reserva.

Respeitando entendimento diverso, cremos que, não andou bem o Meritíssimo Juiz ao deferir a providência cautelar com o consequente decretamento da apreensão do veículo supra identificado.

Tal como vertido pela Requerente no art. 1.° do seu requerimento inicial e indiciariamente considerado provado pelo Tribunal "a quo", aquela, entre outras actividades, dedica-se ao financiamento de aquisições a crédito, nomeadamente de veículos automóveis.

No art. 2.º do mesmo requerimento, confessa a Requerente que: "No âmbito da sua actividade, a requerente celebrou com os RR (...) o contrato 554 606 (...) Completando no art. 3.º, que: "O referido contrato teve por objecto o financiamento de €15/64,50 € (...) que se destinou à aquisição, por parte dos requeridos da viatura automóvel(...)." Continuando no art. 4.°, “Como condição da celebração do referido contrato e como garantia do seu bom cumprimento, foi exigido pela requerente aos ora requeridos a constituição de reserva de propriedade a seu favor sobre o mencionado veículo". (sublinhado nosso).

Preceitua o art. 409 do C.C. no seu n.°1 que: Nos contratos de alienação é lícito ao alienante, reservar para si a propriedade da coisa até ao cumprimenta total ou parcial das obrigações da outra parte (.. )".

Esta disposição legal, entendemos nós, salvo respeito por entendimento diverso, pretende proteger o vendedor da eventual impossibilidade de cumprimento do comprador, quando seja convencionada uma compra e venda mediante pagamento às prestações.

Diz o Prof. Antunes Varela, em " Das obrigações em geral", Vol. 1, 90.' edição, p. 304 e 305", "O princípio da transferência imediata do direito real constituiu a regra dos contratos de alienação de coisa determinada (art. 408.° 1); mas não se trata de um princípio de ordem pública. É uma pura regra supletiva, que as partes podem afastar por exemplo, mediante o estabelecimento de uma cláusula de reserva de propriedade. A reserva de propriedade prevista no art. 409.° (…) consiste na possibilidade, conferida ao alienante de coisa determinada de manter na sua titularidade o domínio da coisa até ao cumprimento (total ou parcial) das obrigações que recaiam sobre a outra parte.

Não nos parece que o legislador tenha pretendido incluir neste normativo, outro tipo de contratos, que não de alienação, pois tal não resulta da letra da lei; nem parece resultar do seu espírito que pretenda garantir as financiadoras nos contratos de mútuo.

A Requerente, segundo o exposto no requerimento inicial, interveio como financiadora na compra do veículo, tendo o contrato de compra e venda sido celebrado pelos Requeridos e uma outra pessoa.

A reserva de propriedade foi convencionada como garantia de cumprimento do financiamento concedido, á margem da alienação.

Não obstante a especificidade que, entendemos, se pretende atribuir a cláusula de reserva de propriedade, o nosso ordenamento jurídico prevê outras garantias, reais ou pessoais, pare salvaguarda dos montantes contratados no âmbito de um contrato de financiamento e que podem ser accionadas em caso de incumprimento, como é o caso da Hipoteca Voluntária, figura que já legitima o recurso ao D.L. 54175 de 12 de Fevereiro, e da qual a Requerente poderia ter lançado mão aquando da celebração do contrato.

Ora, tanto quanto resulta do exposto no requerimento inicial, e comprovado pelos documentos juntos, a Requerente nunca foi detentora da propriedade do já identificado veiculo e como tal nunca figurou como alienante, apenas financiou a aquisição.

Pelo que, salvo respeito por opinião diversa, o decreto-lei 54175 de 12 de Fevereiro, não deveria ter sido fundamento do requerido pela S..., nem tão pouco, do seu deferimento pelo Meritíssimo Juiz do tribunal "a quo ".

Não obstante o registo a favor da Requerente, presunção da existência e titularidade do direito, e que efectivamente daria a possibilidade de lançar mão deste meio processual, se atentarmos no art. 18.° do D.L., este prevê que, 15 dias após a apreensão, o credor deve promover a venda do veículo, bem como propor acção de resolução do contrato de alienação.

Ora, até á data, a Requerente, não propôs a acção principal e não o fez por saber que não lhe assistia legitimidade pare tal, porquanto o contrato que a une aos Requeridos não é de alienação, mas de mútuo.

No entanto, veio requerer o deferimento de uma providência cautelar cujo âmbito...

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