Acórdão nº 2244/07-2 de Tribunal da Relação de Guimarães, 24 de Janeiro de 2008

Magistrado ResponsávelESPINHEIRA BALTAR
Data da Resolução24 de Janeiro de 2008
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam em Conferência na Secção Cível da Relação de Guimarães A, com sede na Rua ..., n.º 32, em Lisboa, instaurou a presente acção ordinária contra B e, esposa, C , residentes no lugar do ..., pedindo que declare a anulação da transacção judicial celebrada no processo especial de acidentes de trabalho, que correu termos no Tribunal de Trabalho de Barcelos, sob o número 114/00, e, em consequência se condenem os RR. a restituir à A. a importância de € 40.520,18, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, contados desde a data de pagamento de cada despesa ou, quando assim se não entenda, desde a data da citação, até efectivo e integral pagamento, bem como, do valor correspondente ao prejuízo resultante da constituição da provisão matemática, cuja quantificação relegam para execução sentença.

Como fundamento e em síntese, alega ter celebrado com o Réu um contrato de seguro, do ramo acidentes de trabalho, para transferência do risco infortunístico dos trabalhadores ao seu serviço, na modalidade de seguro agrícola genérico, por área, com definição prévia do volume salarial e da área em que os trabalhos agrícolas são realizados.

Mais alega que a 12 de Outubro de 1998 lhe foi participado pelo seu segurado um acidente de trabalho sofrido por C, no dia 30 de Setembro de 1998, ocorrido no prédio denominado “...”, na freguesia de ..., em Barcelos, que era um local incluído nos locais de risco referenciados na apólice.

No âmbito do aludido processo de acidente de trabalho foi celebrado uma transacção entre a Autora e a Ré, homologada por sentença, na sequência da qual foi paga a esta última uma indemnização, bem como, o valor de despesas que efectuou.

Sucede que, posteriormente à celebração dessa transacção e pagamento das despesas e montantes indemnizatório, veio a Autora a constatar que o acidente em referência ocorreu num outro prédio não abrangido pelo contrato de seguro supra referido, e que não consta da lista dos locais de risco da apólice, tendo, assim, a Autora actuado em erro, quando efectuou a transacção supra referida.

Citados que foram de forma válida e regular, a Ré contestou, e, defendendo-se por via transversal e impugnando os factos alegados na petição inicial, conclui pela improcedência da acção.

A Autora apresentou réplica à contestação e, impugnando os factos alegados neste articulado, conclui como no inicial petitório.

Foi proferido despacho saneador onde se afirmou a validade e regularidade da instância, organizando-se de seguida a matéria de facto assente e a base instrutória que não sofreu reclamação.

Procedeu-se a julgamento com observância de todo o formalismo legal, tendo a matéria de facto sido respondida por despacho que não mereceu qualquer censura.

Mantêm-se os pressupostos que presidiram à prolação do despacho saneador, nada ocorrendo posteriormente que influa na validade e regularidade da instância e obste ao conhecimento do mérito da causa.

A final foi prolatada sentença que decidiu nos seguintes termos: - Declarar a anulação da transacção judicial celebrada no processo especial de acidentes de trabalho, que correu termos no Tribunal de Trabalho de Barcelos, sob o número n.º 114/00.

B- Condenar os Réus, B e, esposa, C, a pagar à Autora, A : - O montante de € 40.520,18, acrescido de juros de mora, à taxa legal, contados a partir da data da citação e até efectivo e integral pagamento.

- O montante correspondente ao valor do prejuízo resultante da constituição da provisão matemática, cujo montante se relega para execução de sentença.

Inconformados com o decidido, os réus interpuseram recurso de apelação, formulando conclusões.

Houve contra-alegações que pugnaram pelo decidido.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

Das conclusões de recurso ressaltam as seguintes questões, a saber: 1 – Impugnação na vertente do facto.

1.1– Alteração da resposta negativa para positiva ao artigo 17 da base instrutória.

1.2 – Alteração da resposta restritiva, para positiva ao quesito 15 da base instrutória.

1.3 – Alteração da resposta positiva para negativa ao quesito 8 da base instrutória.

1.4 – Alteração da resposta positiva para negativa ao artigo 9 da base instrutória.

2 – Impugnação na vertente do direito 2.1 – Nulidade da sentença por omissão de pronúncia duma excepção peremptória – caducidade do exercício do direito de anulação – suscitada pelos recorrentes, violando o disposto no artigo 668 n.º 1 al. d) do CPC.

2.2 – Incompetência do tribunal em razão da matéria por conhecer duma questão que já tinha sido decidida no Tribunal de Trabalho de Barcelos, num processo de acidente de trabalho.

2.3 – Se a resposta negativa ao quesito 17 da base instrutória inverte o ónus da prova da caducidade do direito de propositura da acção.

2.4 – Se o trânsito em julgado da sentença, proferida no Tribunal de Trabalho de Barcelos, apenas pode ser atacada pelo recurso de revisão de sentença, ao abrigo do disposto no artigo 771 do CPC.

2.5 – Se a identificação dos prédios que constituíam a exploração agrícola do réu é um elemento essencial do contrato de seguro.

2.6 – Se o erro sobre a identificação do prédio onde se verificou o acidente é irrelevante porque ficou demonstrado que pertencia à área da exploração agrícola do réu.

2.7 – Se o erro incide sobre os motivos do negócio.

2.8 – Se o erro em causa adveio de terceiro.

2.9 – Se o erro foi provocado por dolo dos réus.

Iremos conhecer as questões enunciadas 1.1– Os réus pretendem que seja dada uma resposta positiva ao quesito 17 da base instrutória que obteve resposta negativa. E fundamenta a sua pretensão na confissão da autora no artigo 17 da petição quando refere que recebeu uma carta em meados de Outubro de 2007 dum grupo de pessoas que se intitulavam segurados da autora que dizia que o acidente ocorreu no “Campo de ...” e não de “...”.

O certo é que a autora, no seu articulado, além de alegar esse facto, fá-lo como mera notícia que necessitava de ser confirmada. Daí que tenha incumbido uma empresa de investigar o caso, o que veio a acontecer e que só lhe comunicou o resultado em Fevereiro de 2003. E foi nessa altura que se convenceu que o acidente ocorrera noutro campo, o denominado “ ... “ e não o de “...”, que fundamentou a decisão de se assumir como responsável pelo pagamento das despesas e indemnizações inerentes ao acidente de trabalho. Assim a confissão da autora terá de ser vista no plano global e não sincopado como pretendem os réus e como o impõe o artigo 360 do C.Civil. Para que os réus possam aproveitar parte da confissão que lhes é favorável, terão de admitir também a parte que lhes é desfavorável. Daí que o quesito 17, que tinha esta redacção “ A autora teve conhecimento do facto a que se alude em 6 em data anterior a 10/10/02” tivesse a resposta de não provado. Pois a confissão da autora não incidia exclusivamente sobre este facto, para além dele se reportar a momento anterior, que não consta da confissão. E julgamos que os fundamentos invocados não convencem uma alteração à resposta dada no sentido da proposta pelos réus. Assim não iremos alterar a resposta ao artigo 17 da base instrutória, porque não vislumbramos fundamentos para tal.

1.2 – Os réus pretendem que seja dada uma resposta positiva ao artigo 15 da base instrutória, que obteve uma resposta restritiva. A redacção deste quesito era no sentido de “ O prédio de ... ou Campo de ... são muito próximos e tanto são conhecidos por um como por outro nome”, que veio a ter a seguinte resposta “ Provado apenas que o prédio de ... e o Campo de ... são próximos”. Invoca como fundamento o depoimento das testemunhas que foram preponderantes na formação da convicção do julgador (D, E e F ) que para além de aludirem “ aqui ou ali que conhecem o prédio em causa como Campo de ..., também admitem que outras pessoas o conheçam por Campo de ..., sendo que nenhuma das referidas testemunhas é capaz de situar exactamente onde começa ou acaba o sítio de ...”. E alude ao depoimento das testemunhas G e H que referiram que não sabiam distinguir onde começava e acabava o sítio das ... e o prédio em causa era conhecido pela família dos réus como de ..., para além da testemunha I, proprietário do campo onde ocorreu o acidente, o identificar como o “ campo”.

O juiz, no seu despacho motivador, no que tange ao fundamento da resposta ao quesito em questão, assentou a sua convicção nos depoimentos das testemunhas D, J, E e F .. que foram todos no sentido de que o acidente ocorreu no “ campo ...”, que os RR. trabalhavam e haviam arrendado, e que a zona da “ ... “, onde os RR. possuem um prédio, fica situada a 200/300 metros desse campo, e do outro lado do rio aí existente, sendo os campos aí situados e, designadamente, o dos RR, que é conhecido como “ campo das ...”, as quais demonstraram conhecimento directo destes factos, sendo os seus depoimentos prestados de uma forma objectiva, coerente e segura, e que o tribunal considerou sincera e merecedora de credibilidade”.

A fundamentação em causa é racional e crítica, enquanto deu crédito a determinados depoimentos em detrimento de outros, e traduziu a sua escolha na objectividade, coerência, segurança, sinceridade e conhecimento directo dos factos.

Resta-nos saber se os fundamentos invocados correspondem à prova produzida.

Revisamos a prova gravada em três cassetes áudio. E depois da sua análise, temos a destacar, essencialmente, a razão de ciência das testemunhas e a forma como depuseram em audiência de julgamento. A testemunha D, revelou, ao longo do seu depoimento, ser conhecedor dos vários sítios onde se encontram os prédios rústicos e a forma como as pessoas os conhecem, isto é, como os identificam. Explicou, pormenorizadamente, os vários sítios, e a localização dos prédios e alguns elementos que separam os sítios uns dos outros, não sendo, neste caso, muito elucidativo, porque por vezes não existem elementos físicos concretos. Porém, é um homem que trabalha na agricultura, explora vários campos nessa zona onde se situam os campos da exploração dos réus...

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