Acórdão nº 190/08-2 de Tribunal da Relação de Guimarães, 25 de Fevereiro de 2008

Magistrado ResponsávelGOUVEIA BARROS
Data da Resolução25 de Fevereiro de 2008
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães: L. – Têxteis, Lda, com sede na Travessa Capitão Martins, Ermesinde, propôs a presente acção declarativa com processo sumário contra B. – Empresa de B., S.A., com sede em Creixomil, Guimarães, pedindo a sua condenação a pagar-lhe a quantia de €14.871,89 (catorze mil oitocentos e setenta e um euros e oitenta e nove cêntimos), referentes a indemnização por incumprimento pela ré de um contrato de agência entre ambas celebrado e que vigorou de 1998 a 2003, sendo então por si resolvido, por carta datada de 19/8/03 (fls 69) a coberto do disposto na alínea a) do artigo 30º do D.L. nº178/86, de 3 de Julho.

Contestou a ré para pugnar pela improcedência da acção e pela condenação da autora como litigante de má fé, alegando em síntese que nunca celebrou qualquer contrato de agência com a autora, dizendo que esta sempre agiu em nome de uma sociedade holandesa à qual forneceu artigos têxteis por si produzidos, não obstante tivesse pago à autora uma comissão a título de compensação pela preferência em canalizar para si os contratos da sociedade que representava.

Saneado o processo e elaborada a base instrutória, prosseguiram os autos seus termos, vindo a realizar-se a audiência de discussão e julgamento na sequência do que foi proferida sentença julgando a acção parcialmente procedente e condenando a ré a pagar a quantia de €8.971,89 e juros desde a citação.

Inconformada com o decidido, recorreu a ré pretendendo a revogação da sentença e a sua absolvição total do pedido, alinhando para tal as seguintes razões com que encerra a pertinente alegação apresentada: “1ª) A menos que se faça tábua rasa do que foi dito na audiência de julgamento, nunca poderia o Tribunal recorrido ter dado como provado que a Autora organizou a sua actividade e o seu próprio trabalho por tempo indeterminado (cfr. ponto 10 dos factos provados), considerando consequentemente que “afigura-se indubitável que entre Autora e ré foi celebrado um contrato nos termos do qual a primeira se obrigou a desenvolver determinada actividade, em termos estáveis e autónomos”.

  1. ) Efectivamente, considerando todos os depoimentos prestados em sede de audiência de julgamento (incluindo os das testemunhas arroladas pela Autora) nenhuma testemunha afirmou que a Autora estava obrigada a fazer encomendas à Ré.

  2. ) O que sucedia (e isso é uma situação completamente distinta da existência de um contrato duradouro) é que sempre que a Autora colocava as encomendas da “V. & D.” na Ré, esta efectuava o pagamento de uma contrapartida (ou uma gratificação, se quisermos) pela preferência demonstrada.

  3. ) Foi unanimemente afirmado pelo representante legal da Ré, Reinaldo F., pela testemunha Carlos M..., pela testemunha Ângela, pela testemunha Américo e pela testemunha Rosa, que existiam várias empresas directamente concorrentes da aqui Ré, empresas essas que facilmente produziriam o mesmo tipo de bens fabricados pela Ré e a quem a Autora – se quisesse – poderia a qualquer momento recorrer para fazer as encomendas pretendidas pela V & D.

    5) Atendendo a esta possibilidade de iminente mudança de fornecedor, não pode falar-se num único contrato que se prolongou por tempo indeterminado, mas antes em vários contratos sucessivos, ou seja, diversos contratos que se iniciavam e concluíam a cada venda que era feita pela Ré à “V. & D.” (por intermédio da Autora).

  4. ) Não havia um vínculo contratual que interligasse cada uma das vendas ou que garantisse que a uma (venda) se seguiria outra.

  5. ) Houve, antes pelo contrário, diversas vendas consecutivas efectuadas pela Ré àquela “V & D.” por intermédio da Autora e porque a Autora assim o quis, e essa preferência foi premiada/gratificada pela Ré.

  6. ) Se não havia para a Ré a garantia de que tais vendas (ou contratos) se repetissem, não existindo da parte da Autora a obrigação de as repetir, não poderá obviamente falar-se em contrato estável e duradouro, nem na sua alegada cessação por motivos imputáveis à Ré, e não existindo um contrato nesses termos estáveis e duradouros, também não se poderá obviamente falar em dever de lealdade ou em indemnização de clientela.

  7. ) Parece-nos estarmos no âmbito do princípio da liberdade contratual, segundo o qual são os particulares que determinam o conteúdo e os efeitos dos negócios jurídicos.

  8. ) Aplicando esta componente teórica ao caso em apreço, dir-se-á que as partes optaram por não celebrar um contrato de agência ou qualquer outro de forma estável e duradoura (ou ‘’por tempo indeterminado”).

  9. ) O que se verifica na realidade é que não se pode falar de um único contrato que se prolongou no tempo, mas antes em vários contratos sucessivos, ou seja, diversos contratos que se iniciaram e concluíram em cada venda realizada pela Ré à “V. & D.” (por intermédio da Autora).

  10. ) Assim, a cada venda que era concretizada, cada uma das partes cumpria integralmente as suas obrigações, nada ficando a dever à contraparte, e sempre na dúvida se tal negócio se repetiria (dada a liberdade negocial que as partes sempre mantiveram).

  11. ) Daí a expressão freelancer reiteradamente repetida ao longo de toda a audiência de julgamento para descrever a Autora, nomeadamente pela testemunha Américo que afirmou de forma sucinta e conceptual que freelancer é alguém que não tem a incumbência ou o ónus de levar exclusivamente a um fabricante um determinado cliente, ou seja, que pode trabalhar com vários clientes, mas sem obrigatoriedade de ser exclusivo com um determinado fornecedor.

  12. ) Porque não havia qualquer vínculo contratual que obrigasse reciprocamente as partes a manter (ou repetir) a descrita relação profissional, obviamente não poderia haver lugar ao pagamento de uma qualquer indemnização no caso de tal relação cessar, já que este era um risco (ou possibilidade) previamente concebido/previsto por ambas as partes.

  13. ) Assim, esteve bem o Tribunal a quo ao considerar que entre Autora e Ré não foi celebrado um contrato de agência (tal como alegado pela Autora), o mesmo já não sucedendo ao considerar a existência de um contrato de natureza estável (contrato misto) entre Autora e Ré, ou ao considerar que a cessação do mesmo (porque ele nunca existiu) deve dar lugar ao pagamento de uma indemnização de clientela nos termos peticionados pela Autora.

  14. ) Além disso, esta ideia ainda poderá ser reforçada pelo papel verdadeiramente activo desempenhado pela Autora no que concerne à verificação e controle da mercadoria produzida pela Ré e vendida à V. & D.

  15. ) De facto, sempre que era concluída a fase produtiva de cada uma das encomendas, a representante legal da A. deslocava-se de propósito às instalações da Ré para aí verificar minuciosamente toda a mercadoria, e só após tal controle é que a mesma mercadoria podia “seguir destino” para a Holanda.

  16. ) Tal verificação e controle só vêm também demonstrar que a Autora actuava no interesse do cliente V. & D., sendo a este que, no fundo, “prestava contas”, enfatizando-se ainda a ideia de que as relações comerciais com a Ré só se repetiriam quando e se aquele cliente holandês assim o pretendesse, pelo que igualmente por este aspecto fica também posta em causa a existência de um contrato de natureza estável (contrato misto) entre Autora e Ré, ou o direito ao pagamento de uma indemnização de clientela nos termos peticionados pela Autora.

  17. ) O princípio dispositivo é um princípio que domina o processo cível, segundo o qual cabe às partes iniciar o processo, dar-lhe o conteúdo que entendam (formulando o pedido e a causa de pedir)...

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