Acórdão nº 419/08.9TCGMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 12 de Janeiro de 2012

Magistrado ResponsávelANTÓNIO SOBRINHO
Data da Resolução12 de Janeiro de 2012
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães: I – Relatório; Apelante(s):“C…S.A.”(Ré); M… (Chamado); Apelado(s): Ma… (autora); 2ª Vara Mista de Guimarães – acção ordinária.

***** A autora Ma… instaurou acção declarativa comum, sob a forma ordinária contra a C…, S.A., pedindo a sua condenação no pagamento da quantia de € 137.426,58.

Alegou, em síntese, que a ré possibilitou de forma negligente que o então seu marido, M…, procedesse ao levantamento da quantia em dinheiro que aí estava depositada, na sequência de arrolamento judicial, a qual só podia ser movimentada pelo respectivo solicitador de execução.

Na sua contestou, a ré contrapôs que não teve conhecimento atempado da ordem judicial de arrolamento desse dinheiro.

Pediu ainda a intervenção do aludido M…, o qual procedeu ao levantamento desse dinheiro, a título de direito de regresso.

Houve réplica.

O chamado defendeu-se, dizendo que o dinheiro levantado se destinou a pagar dívidas de jogo da autora e a reforçar a tesouraria das sociedades de que ambos eram sócios gerentes, com vista à salvaguarda do respectivo património.

A Ré impugnou tal versão dos factos.

Realizou-se a audiência de discussão e julgamento e respondeu-se à matéria da base instrutória.

Seguidamente foi proferida sentença, em que se julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência “se condenou a Ré C…, S.A., a pagar à Autora a quantia de € 137.426,58 (cento e trinta e sete mil, quatrocentos e vinte e seis euros e cinquenta e oito cêntimos), acrescida de juros moratórios, as taxas legais sucessivamente emergentes do disposto no artº. 559º/1 do Código Civil, desde 12 de Dezembro de 2008 e até integral pagamento, absolvendo-a do mais que vem peticionado”.

Inconformados com tal decisão, dela interpuseram recurso a autora e o interveniente, em cuja alegação formulam as seguintes conclusões: A – Apelação da Ré: 1) Estando em causa, nesta acção, uma obrigação de indemnizar com base em responsabilidade civil extra-contratual, a autora preencheu os respectivos pressupostos, considerando que o facto ilícito se traduziu na permissão, pela Ré, de o interveniente acessório, então marido da autora, proceder ao levantamento de elevadas quantias da conta arrolada e o dano traduziu-se na perda das mesmas quantias 2) Ao invés, a decisão recorrida considerou que o facto ilícito era integrado pela falta de informação da C… ao solicitador dando a conhecer a este os valores existentes em cada conta na data em que ocorreu a notificação do arrolamento e independentemente dos que tivessem sido levantados, posteriormente, pelo interveniente e o dano traduziu-se na não inclusão desse valor na partilha extrajudicial realizada entre a Autora e o aqui interveniente acessório.

3) Sem que se questione a bondade da decisão recorrida em termos de direito substantivo, todavia, a mesma douta decisão padece de nulidade, por violação do princípio do dispositivo consagrado designadamente no art 664 C P Civil, prevista no art 668, nº 1 d) do mesmo diploma o juiz conheça de questões de que não podia tomar conhecimento - e também por violação do disposto no art 3, nº 3 do mesmo diploma, nulidade que expressamente se invoca.

4) Essa nulidade implica que Este Tribunal conheça do mérito, nos termos do art 715, nº 1 do C P Civil o que, necessariamente, implicará que seja concedido provimento ao recurso e a Ré absolvida do pedido por dois fundamentos, qualquer deles bastante para o efeito.

5) Em primeiro lugar, traduzindo-se o alegado facto ilícito que a Autora imputa à Ré no facto de esta, nos primeiros dias úteis posteriores à recepção da notificação, ter permitido que o marido da Autora procedesse ao levantamento de elevadas quantias da conta bancária de que ambos eram titulares, tal facto não exibe qualquer ilicitude pois que o arrolamento apenas visa descrever as quantias que se encontram depositadas na data em que o mesmo foi decretado, não retirando disponibilidade dos mesmos ao possuidor 6) Em segundo lugar, não se presumindo a culpa em sede de responsabilidade extra- contratual, a mesma não decorre dos factos provados, sendo que incumbia à Autora a prova dos respectivos factos 7) A inexistência de culpa decorre dos factos provados nºs 12, 13, 14, 15, 16.

8) Para além disso, sempre se teria de concluir que tais levantamentos ocorreram por culpa de terceiros que executar o arrolamento de móveis antes, sequer, de a carta de notificação ter sido recebida pela C…, alertando o interveniente que tratou de levantar aqueles valores dessa conta bancária porque induziu, como qualquer um o faria, que o arrolamento iria recair também sobre contas bancárias, bem recheadas (vide 1º parágrafo da pág. 4 da decisão proferida em sede de resposta à matéria de facto da base instrutória!) 9) Era bem mais exigível ou à secção do tribunal ou à Autora ou à solicitadora de execução que, antes de executar o arrolamento dos móveis, aguardasse alguns dias até que a C… recebesse a carta e pudesse, em prazo razoável, cumprir o arrolamento das contas bancárias ou, quanto à autora e à solicitadora, que se deslocassem à agência da C… onde, como bem sabia a autora (facto provado 7) estavam sedeadas as contas, do que era exigível à C… que cumprisse, no mesmo dia ou no dia seguinte, essa e as outras centenas de ordens judiciais recebidas.

10) Se assim tivessem agido como agiria, no exercício daquelas funções qualquer pessoa medianamente preparada, apta, zelosa e experiente seguramente que nunca o interveniente teria levantado em três dias essas elevadas quantias, pois que o fez precisamente com o propósito de as retirar da partilha conjugal facto provado 17 e, como tal, apenas na medida em que soube do arrolamento aquando daquela diligência de arrolamento de móveis.

11) Finalmente, a partir desse alegado facto ilícito em causa (permissão de levantamento de quantias da conta arrolada já após o arrolamento) sempre se teria de concluir pela inexistência de nexo de causalidade adequada entre o mesmo e o alegado dano, pelos mesmos fundamentos que constam das conclusões 18 a 22 infra Subsidiariamente, para a hipótese de se decidir pela inexistência de qualquer nulidade na decisão recorrida 12) No domínio factual para que o Ex.mo Juiz a quo conduziu as partes, localizando o litígio à volta de um novo facto ilícito omissão da Ré quanto à obrigação de informar qual o saldo à data da notificação ter-se-á de concluir que a Ré agiu sem culpa, que a sua actuação omissiva não merece censura, na medida em que foi induzida em erro pela notificação da solicitadora.

13) Em face da sua redacção, a mesma notificação recebida pela ré e emanada do solicitador criou a convicção de que o objectivo da mesma era cativar o saldo existente e não limitar-se a relacionar esse saldo à data da notificação, sem impedir a sua normal movimentação! 14) Por ser essa também a convicção da solicitadora (e da autora) é que depois de receber a informação da C… de qual o valor do saldo de cada uma das contas que se mantinha cativo não foi solicitado à C… que enviasse o extracto das contas a partir de determinada data, fosse 1/10/2006 ou 1/10/2007.

15) Não se provando a culpa da Ré, na omissão que o Ex.mo Juiz a quo considerou integrar o facto ilícito, inexiste qualquer obrigação de indemnizar com base em responsabilidade civil extra-contratual, por falta de um dos requisitos substantivos de que depende tal obrigação: a imputação do facto ilícito ao agente a título mera culpa ou negligência (art 483, nº 1 C Civil).

16) É inaceitável recorrer-se ao disposto na primeira parte do nº 9 do artº 861-A do C P Civil para se concluir pela dispensa da culpa no caso de obrigação de indemnizar por falta de informação do saldo, porque, afinal, o que está em causa não é o cativo dos saldos a que alude aquele normativo - mas o relacionamento e descrição dos mesmos.

17) Além de que a norma do art 861-A nº 9 do C P Civil não cria nenhuma nova obrigação de indemnizar que pudesse dispensar os requisitos a que alude o art 483 C Civil, limitando-se antes a referir que a entidade bancária está obrigada a zelar pela manutenção do saldo penhorado e não que, independentemente de culpa (e ou da verificação dos demais requisitos da obrigação de indemnizar, v.g o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano) se fixe uma obrigação de indemnizar o exequente a cargo do banco! 18) A consequência normal e previsível da actuação da Ré ao não informar o solicitador de execução sobre o saldo da conta à data da notificação não é em regra ou por norma, nem o foi no caso concreto, a perda de qualquer direito da Autora, mas sim a não partilha desse direito na escritura que foi celebrada e cuja certidão se encontra junta aos autos; ou se quisermos, o atraso na partilha desse crédito.

19) Com efeito, ao levantar essas verbas da conta, o interveniente, titular da conta, tornou-se devedor ao património comum do casal do respectivo montante, já que este constituiria bem comum do casal 20) A circunstância de terem sido partilhados extra-judicialmente os demais bens do casal não obsta a uma partilha adicional (extra-judicial ou em inventário) pois que a simples partilha dos bens que se julgavam serem os únicos que integravam o património do casal não tem o condão de extinguir, ipso iure, qualquer outro direito a partilhar e que pudesse existir.

21) Em face disso ainda que a Ré tivesse cometido um acto ilícito, uma vez que não foi alegada nem provada a impossibilidade de o património comum do casal cobrar esse crédito, por falta de solvabilidade do interveniente ou qualquer outro motivo (e nem em teoria se vê qual), tal conduta da Ré não era, nem é, em condições de normalidade, nem o foi, no caso concreto, adequada a provocar o dano de que a Autora pretende ser ressarcida, porquanto o crédito do património comum do casal sobre o interveniente continua a existir e nada obsta à sua partilha judicial ou extra-judicial.

22)Assim na pior das hipóteses, para os interesses da Ré, a alegada conduta omissiva e ilícita desta...

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