Acórdão nº 5372/04.5TBGMR-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 08 de Março de 2012

Magistrado ResponsávelHELENA MELO
Data da Resolução08 de Março de 2012
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam os juízes da 1ª secção do Tribunal da Relação de Guimarães: I - Relatório M., por apenso aos autos de inventário para partilha subsequente a divórcio, instaurou contra M.J. acção especial de prestação de contas, pedindo que o R. seja condenado a prestar contas da administração do imóvel comum, identificado nos autos, desde 13.01.1999, data da instauração da acção de divórcio, alegando que o mesmo esteve sempre, desde essa data, na posse exclusiva do imóvel, o qual sempre utilizou sem nunca prestar contas nem pagar renda, bem como no pagamento do saldo verificado entre as receitas – valor da utilização do imóvel comum, habitação e garagem – e despesas que vier a apurar-se, acrescido dos respectivos juros.

O réu notificado do pedido da autora, não contestou a obrigação de apresentar contas e invocou que desde Janeiro de 1999 nunca habitou o prédio em causa, pois vive em França, apenas se deslocando a Portugal uma vez por ano, no mês de Agosto, para fazer a manutenção do apartamento. Quando se encontra em Portugal reside na freguesia de Gandarela e passa uns dias em Aveiro, onde tem família. Impugna o valor locativo de 450 euros mensais atribuído pela requerente. Requereu a final um prazo suplementar para apresentar contas.

A fls 138 e ss veio o R. apresentar contas, apresentando um total de despesas de 35.075,20, sendo que, em seu entender, a requerente deverá suportar metade.

As contas apresentadas pelo réu foram contestadas pela autora.

Foi realizada a audiência preliminar com elaboração de despacho saneador com selecção da matéria de facto.

Procedeu-se à audiência de discussão e julgamento.

A final foi proferida sentença que aprovou as contas apresentadas pelo réu e condenou o património comum do ex-casal a pagar-lhe a quantia de € 17.087,60.

A requerente interpôs recurso de apelação, tendo formulado as seguintes conclusões: 1ª – A sentença recorrida aprovou as contas apresentadas pelo apelado, condenando o património comum do ex-casal a pagar-lhe a quantia de €17.087,60.

  1. - O Tribunal a quo considerou como provados, entre outros, os seguintes factos: A) “Os autos principais de inventário para partilha subsequente a divórcio, foram instaurados na sequência da decisão de 7 de Maio de 2002, já transitada em julgado, que decretou o divórcio entre requerente e requerido, proferida pelo Cour D’Appel de Paris.

    1. A sentença referida em A) foi reconhecida em Portugal e o divórcio averbado no assento de casamento da requerente e requerido.

    2. Dos bens a partilhar nos autos de inventário, referidos em A) faz parte o prédio urbano, constituído por fracção autónoma, designada pela letra “G”, fazendo parte desta fracção uma garagem e uma arrecadação na cave, designada pela letra “G”, sito na Rua Vista Alegre, lote , freguesia de S. Miguel, Vizela, registado na Conservatória do Registo Predial sob o n.º xxx e inscrito na matriz urbana sob o artigo xxxx.

    3. A acção de divórcio entre requerido e requerente foi proposta no dia 13 de Janeiro de 1999.

      (…) G) O valor locativo do prédio em causa é de €450,00 mensais.

    4. O requerido só utiliza o prédio identificado em C) duas ou três vezes por ano – no mês de Agosto e Natal, e às vezes Páscoa – e para fazer a sua manutenção.

    5. O requerido suporta o pagamento das despesas de electricidade.

    6. No pagamento do aluguer de quadro eléctrico do imóvel referido em C), o requerido despendeu as seguintes quantias: 1999-------------------------------------------------------90,00€; 2000-----------------------------------------------------120,00€; 2001-----------------------------------------------------120,00€; 2002-----------------------------------------------------120,00€; 2003-----------------------------------------------------120,00€; 2004-----------------------------------------------------120,00€; 2005-----------------------------------------------------120,00€; 2006-----------------------------------------------------120,00€; 2007-----------------------------------------------------120,00€; No total de 1.050,00€.

    7. No pagamento da taxa de ligação de água do imóvel referido em C), o requerido despendeu as seguintes quantias: 1999-------------------------------------------------------81,00€; 2000-----------------------------------------------------108,00€; 2001-----------------------------------------------------108,00€; 2002-----------------------------------------------------108,00€; 2003-----------------------------------------------------108,00€; 2004-----------------------------------------------------108,00€; 2005-----------------------------------------------------108,00€; 2006-----------------------------------------------------108,00€; 2007-----------------------------------------------------108,00€; No total de 945,00€.

    8. No pagamento das despesas de electricidade do imóvel referido em C), despendeu o requerido a quantia de 360,54€.” 3ª – Reputando como não provados, entre outros, que: 1 - Desde 13/01/1999 que o requerido utilizou em exclusivo o prédio identificado em C), para habitação e garagem; 2 - Sem pagar qualquer contrapartida económica à requerente por tal utilização.

      3 A requerente consentiu na utilização do prédio identificado em C), pelo requerido sem contraprestação económica.

  2. - Entende a apelante que o Tribunal recorrido não devia ter dado como não provada a factualidade supra mencionada em 1 e 2, devendo ter dado resposta negativa ao quesito 3, uma vez que da sua própria motivação e convicção, alicerçada nos depoimentos das testemunhas Eva da Conceição Coutinho Pinheiro e Alberto Sousa Alves, se impõe uma decisão diferente.

  3. – O Tribunal a quo deveria ter dado como não provada a matéria de facto vertida em J, K e L, impugnada pela apelante e não provada pelo apelado.

  4. – Das declarações da testemunha Eva, resulta que a apelante e o apelado se desentenderam, o que levou o último a mudar as fechaduras de acesso ao apartamento, impedindo aquela de aceder e consequentemente usar e fruir do imóvel, bem comum do casal.

  5. – Facto corroborado pelas declarações da testemunha Alberto que reiterou o impedimento objectivo da apelante em usar e fruir do apartamento.

  6. – Da prova documental apresentada pelo apelado - documentos de fls. 31 a 40, 73 a 82, 113 a 131, 138 a 140, 204 a 244 e 246 a 282, apreciados pelo Tribunal recorrido – resulta não existir correspondência entre o valor constante dos aludidos documentos e as quantias alegadas por aquele, não logrando o apelado produzir qualquer prova que demonstrasse o pagamento das quantias invocadas.

  7. – A apelante não tem possibilidade de usar e fruir do imóvel aludido.

  8. – O apelado tem a posse e o uso exclusivo da referida fracção autónoma, independentemente do número de vezes que de facto o utiliza, considerando, como resulta dos factos dados como provados pela decisão recorrida, que aquele pagou as despesas concernentes com o aluguer do quadro eléctrico, de electricidade e taxa de ligação de água, essenciais para a utilização da fracção.

  9. -. A apelante não consentiu na utilização do prédio, pelo apelado.

  10. – A apelante não recebe qualquer contraprestação económica pela referida utilização.

  11. - Dissolvido o casamento por divórcio, o ex-cônjuge administrador que detenha a posse de bens comuns do casal e deles colha os frutos é obrigado a prestar contas ao outro ex-cônjuge, desde a data da instauração da respectiva acção de divórcio.

  12. - Nas contas deve ser considerado, como receita, o valor da utilização que cada um dos cônjuges faça dos bens comuns, desde que daí resultem vantagens económicas para o utilizador.

  13. - O valor de uso do aludido imóvel (valor locativo mensal), dada a utilização exclusiva pelo apelado, deve ser considerado, como receita, e como tal computado na prestação de contas, objecto dos presentes autos, a que aquele se encontra obrigado, desde a data da instauração da acção de divórcio.

  14. – A não considerar-se como receita o valor do uso do prédio referido, o que não se concebe ou concede, não podem, de igual forma, as despesas de aluguer do quadro eléctrico, de electricidade e taxa de ligação de água, ser consideradas para efeitos de prestação de contas.

  15. – O comportamento ilícito do apelado não pode ser desvalorizado pela conduta, correcta, da apelante, que pretendeu sempre ver a situação controvertida resolvida no âmbito do processo de inventário, onde tais questões devem ser resolvidas nos termos da lei.

  16. – Se assim não se entender, o que não se concebe ou concede sempre caberia à apelante o direito a ser indemnizada nos termos do disposto no art.º 483º do CC, pela privação de uso do bem imóvel, que constitui, por si, um dano traduzido na violação do direito real de propriedade previsto no art.º 1305º do CC, considerando o valor locativo, mensal do imóvel multiplicado pelo número de meses decorridos desde a data da instauração da acção de divórcio.

  17. - O Tribunal a quo violou entre outros o disposto nos artigos 1789º, n.º 1 e 483º do CC.

    Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente e em consequência revogada a decisão recorrida e proferido Acórdão que, reapreciando a matéria de facto que se requer, determine a consideração na prestação de contas, objecto do presente apenso, como receita, do valor da utilização, pelo apelado, do imóvel identificado supra, ou se assim não se entender, condene o apelado no pagamento de uma indemnização à apelante pela privação de uso do referido imóvel.

    O requerido contra-alegou, tendo apresentado as seguintes conclusões: a) — Tendo o Tribunal a quo formado a sua convicção na globalidade da prova produzida, não poderá o Tribunal ad quem, alterar a decisão sobre a matéria de facto com base em excertos descontextualizados de dois depoimentos.

    1. — O declarado pelas testemunhas Eva e Alberto na transcrição apresentada pela Recorrente é insuficiente para modificar a resposta dada aos quesitos 1°, 2° e 3° da base instrutória.

    2. — Para o Tribunal a quo dar como provado o vertido no ponto 1° da base instrutória seria necessário que...

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