Acórdão nº 2297/09.1TBGMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 27 de Março de 2012
Magistrado Responsável | MARIA CATARINA RAMALHO GONÇALVES |
Data da Resolução | 27 de Março de 2012 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães: I.
B.. e mulher, M.., residentes na Rua..., Oliveira do Castelo, Guimarães, intentaram a presente acção, com processo sumário, contra C.. e marido, D.., residentes na Rua..., Creixomil, Guimarães, alegando, em suma, que: São proprietários de dois prédios urbanos que foram adjudicados ao A. marido no âmbito do inventário que, sob o n.º 1404/07.3TBGMR, correu termos no 3º Juízo Cível de Guimarães e que fazem parte do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 44349; os Réus, por seu turno, são proprietários de três prédios urbanos, que foram adjudicados à R. mulher no âmbito dos mesmos autos de inventário, que também fazem parte do prédio descrito na Conservatória sob o nº 44349; os Réus são ainda proprietários de um outro prédio urbano, adjudicado à R. mulher no âmbito da partilha da herança aberta por óbito da mãe do Autor e Ré, que foi desanexado da aludida descrição predial nº 44349; todos esses prédios são contíguos entre si e construídos em banda, sendo que nas traseiras deles existe um terreno cuja área não correspondia à real, o que levou a que a aquando do inventário n.º 1404/07.3TBGMR se tenha efectuado uma medição do terreno, constatando-se que o mesmo tinha uma área total de 800 m2; esse terreno foi então dividido entre AA. e RR. na proporção dos imóveis que lhes pertenciam, ficando afecta aos Autores uma área de 333,50 m2, que se situa sensivelmente nas traseiras dos prédios que lhe foram adjudicados; até às referidas partilhas, todos os prédios em causa e respectivos logradouros haviam sido pertença dos pais do A. marido e da R. mulher; o acesso às traseiras dos prédios, onde existem umas escadas que conduzem ao logradouro, era feito pelo terreno existente a poente do prédio inscrito na matriz sob o art. 516º que foi adjudicado ao Autor e que, após a construção de um prédio a poente desse (que veio a ser adjudicado à Ré mulher), passou a fazer-se por uma viela que fazia uma espécie de túnel entre os dois referidos prédios e que conduzia às escadas supra referidas que dão acesso ao logradouro; mais tarde o falecido pai do Autor aprofundou o referido túnel e colocou aí uma porta de correr; sucede que, no dia 12/03/2009, os Autores acederam ao seu terreno através da referida porta, da qual tinham a chave, e, quando pretenderam sair, verificaram que o Réu havia encravado a fechadura com umas lascas de madeira e, a partir de então, os Réus mantiveram a fechadura encravada, impedindo os Autores de aceder ao seu terreno.
Com estes fundamentos, pedem que os Réus sejam condenados: a) A reconhecerem o seu direito de propriedade sobre os prédios identificados no art. 1º da petição inicial; b) A reconhecerem que, sobre o seu prédio identificado no art. 9º da petição, se encontra constituída por usucapião e por destinação do antigo proprietário uma servidão de passagem a ser exercida nos termos e condições que descrevem na petição inicial; c) A absterem-se de, por qualquer modo, impedirem a passagem dos Autores pela porta acima mencionada, para acederem ao seu terreno de logradouro.
Os Réus contestaram, negando a existência da servidão de passagem e alegando que tal passagem foi eliminada e deixou de ser utilizada a partir do momento em que o pai da Ré e do Autor aí construiu uma garagem, o que aconteceu em 1977 ou 1978; só em Maio de 2006, o Autor decidiu mudar a fechadura da garagem (que até aí estava avariada) e arrogar-se o direito de utilizar a garagem em causa para passagem.
Com estes fundamentos, concluem pela improcedência da acção e, para a hipótese de se reconhecer a existência do direito de servidão invocado pelos Autores, pedem, em reconvenção, que os Autores sejam condenados a reconhecer que tal direito se extinguiu, pelo não uso.
Os Autores responderam, mantendo a sua posição inicial.
Foi proferido despacho saneador e foi efectuada a selecção da matéria de facto assente e base instrutória.
Após realização da audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que, julgando a acção parcialmente procedente e julgando improcedente a reconvenção, absolveu os Autores do pedido reconvencional e condenou os Réus a: • reconhecerem o direito de propriedade dos AA. sobre o prédio urbano de rés-do-chão, com a área coberta de 45 m2 e dependência com a área de 2 m2 e logradouro com a área de 194,50 m2, inscrito na respectiva matriz sob o art. 516.º e sobre o prédio urbano de rés-do-chão e andar, com a área coberta de 70 m2, dependência com a área de 21 m2 e logradouro com a área de 194,50 m2, inscrito na respectiva matriz sob o art. 559, ambos sitos no lugar.., actual Rua.., da freguesia de Azurém, desta Comarca, e descritos na Conservatória do Registo Predial de Guimarães sob n.º 44349; • reconhecerem que sobre o seu prédio urbano, situado na mesma freguesia e lugar, e desanexado da aludida descrição predial n.º 44349, composto de casa de rés-do-chão e andar, com a área coberta de 78 m2 e logradouro com a área de 194,50 m2, inscrito na matriz urbana sob o art. 880.º e que hoje corresponde a descrição n.º 158/130788 – Azurém, se encontra constituída uma servidão de passagem, através de uma porta de entrada com três folhas, uma delas de correr, que dá acesso a um espaço criado em 1969, formando uma “viela”, uma espécie de túnel entre os prédios actualmente inscritos na matriz sob os arts. 880.º e 516.º, que permite o acesso às escadas que conduzem ao terreno de logradouro desses prédios - espaço esse que na década de 70 do séc. XX veio a ser objecto de alargamento, com a demolição da antiga parede, absolvendo os Réus do mais peticionado.
Inconformados com essa decisão, os Réus interpuseram o presente recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões: 1 - Discordam os Apelantes da douta sentença em crise, por entenderem, salvo o devido respeito, que em face dos elementos de prova constantes dos autos, outra deveria ter sido a decisão sobre a matéria de facto, bem como a aplicação dos comandos legais a ela atinentes, sendo a improcedência da acção e a total procedência do pedido reconvencional o desfecho certo e justo do pleito.
2 – Na douta decisão sobre a matéria de facto, a Meritíssimo Juiz “a quo” incorreu em flagrante erro na apreciação das provas.
3 – Com efeito, das respostas aos pontos da base instrutória, quanto a nós e com todo o respeito, ressaltam evidentes contradições e, atendendo à prova produzida nos presentes autos, tais respostas evidenciam igualmente uma errada apreciação da prova.
4 - Assim e em nosso entender, os pontos 15º, 16º, 17º, 20º, 21º, 22º e 23º, deviam ter obtido uma resposta negativa, ao passo que os pontos 26º, 27º, 28º e 29º deveriam ter sido considerados provados.
5 – Isto porque, na fundamentação da douta decisão da matéria de facto, a Meritíssima Juiz “a quo” desvalorizou e interpretou os depoimentos das testemunhas arroladas pelos Apelantes, justificando a sua opção pela versão dos factos apresentada pelos Apelados, com base em premissas falsas que geraram conclusões erradas.
6 – Foram duas, essencialmente, as alegadas circunstâncias que, tudo leva a crer, influenciaram decisivamente a Meritíssima Julgadora “a quo” na formação da sua convicção relativamente à decisão sobre a matéria de facto, a saber, o facto o pai dos litigantes possuir uma oficina a que acedia pelo espaço transformado em garagem e que não seria plausível que os Apelados utilizassem o interior da sua casa para acederem ao terreno que cultivavam.
7 – Ora, o primeiro dos factos não nos parece minimamente significativo, posto que o pai das partes, nessa ocasião era proprietário de todos os prédios e circulava como bem entendia, sendo óbvio que quando pretendia colocar bens na oficina, não estacionaria veículos na garagem e vice-versa, situação esta que não perdurou porque tal oficina nem sequer foi referenciada nos autos como constitutiva dos direitos invocados, designadamente de passagem.
8 – Quanto ao segundo desses aspectos a Meritíssima Julgadora “a quo”, nessa apreciação, fez tábua rasa do seu comentário vertido na própria douta decisão em crise, de que o terreno alegadamente agricultado pelos Apelados nem sequer lhe pertencia na totalidade, o que sendo as servidões prediais, como o nome diz, constituídas a favor de prédios e não de pessoas, nos parece bastante significativo.
9 – Por outro lado, não estranhou a Meritíssima Juiz “a quo” o facto dos Apelados, andando a agricultar, tivessem desde sempre esse acesso através de uma garagem que, como resultou demonstrado, até se destinava a guardar dois automóveis, o que logo à partida inviabilizava qualquer passagem e, com todas estas contingências, tivessem cedido a fruição do seu prédio a terceiros, prédio esse que, esqueceu na douta decisão recorrida de se atentar, até tem dois pisos, por ser de rés-do-chão e andar, conforme resulta da respectiva descrição e permitiria, assim, aos Apelados, acederem às traseiras daquele conjunto predial a partir do seu próprio prédio e do nível inferior.
10 – Sendo tais considerações, como decorre da fundamentação da douta decisão sobre a matéria de facto, que levaram a Meritíssima Julgadora “a quo” a não atribuir credibilidade aos depoimentos das testemunhas dos Apelantes, que foram declaradamente nesse sentido, outra poderia e deveria ter sido essa decisão, designadamente na medida em que, reconhecendo tal credibilidade, em face das regras do ónus da prova, poderia a pretensão dos Apelados ter soçobrado.
11 - Donde, se conclui ter havido erro na apreciação das provas, por parte da Meritíssima Juiz “a quo”, uma vez que na decisão proferida sobre a fixação da matéria de facto, respeitante àquelas matérias, o Tribunal recorrido não valorizou, correctamente, o depoimento prestado pelas referidas testemunhas arroladas pelos Apelados, nos aspectos apontados, fazendo uma interpretação desses e dos demais depoimentos, que terá sustentado essa douta decisão, de modo que se nos afigura incorrecto, por as respectivas premissas não conduzirem...
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