Acórdão nº 353017/10.7YIPRT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 26 de Fevereiro de 2012
Magistrado Responsável | ISABEL ROCHA |
Data da Resolução | 26 de Fevereiro de 2012 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
T…Ldª, com sede na Rua …, Guimarães, intentou contra R… com sede em 07, Av. …, França, procedimento de injunção, peticionando a condenação da R. no pagamento da quantia, de € 39.558.70 acrescida de juros vencidos no valor de €6.636,66, tudo no valor global de €46.195,36 e ainda no pagamento dos juros que se vencerem até efectivo e integral pagamento.
Alegou, em síntese, que: A A. é uma sociedade comercial por quotas cujo objecto social consiste na importação e exportação de calçado e seus acessórios. No exercício da sua actividade comercial, a A. vendeu à R. e esta comprou à A. os produtos descritos quanto à quantidade, qualidade e preço, nas seguintes facturas: - Factura n.º 20080135, emitida em 08-08-2008 e vencida 07-10-2008, no valor de €33.249,20; - Factura n.º 20080189, emitida em 19-09-2008 e vencida 18-11-2008, no valor de € 46.309,50.
Por conta do montante total em divida, a R. já efectuou os seguintes pagamentos parciais: - € 10.000,00, em 08-12-2008; - € 10.000,00, em 05-01-2009; - € 20.000,00, em 26-01-2009.
- € 20.000,00, em 26-01-2009, Assim, a R. está em dívida para com a A. no quantitativo de 39.558,70 [€79.558,70 - €40.000,00].
Ao quantitativo em dívida acrescem os juros de mora calculados às taxas supletivas legais aplicáveis, os quais perfazem na presente data o valor de €6.636,66 (seis mil seiscentos e trinta e seis euros e sessenta e seis cêntimos).
Apesar das diversas tentativas da A. em obter o pagamento do montante em divida, a requerida não pagou.
Por se afigurar ao Tribunal a quo que se poderia verificar a sua incompetência internacional atento o disposto no art.º 5.º n.º 1 al. b) do Regulamento (CE) n.º 44/2001, foi ordenada a notificação da Autora para que concretizasse a sua alegação inicial, especificando o lugar onde os bens lhe foram entregues.
Na sequência de tal notificação, a autora apresentou o articulado de fls 18 e 19, juntando com o mesmo cópias das facturas referidas no requerimento inicial.
Alegou então o seguinte: A autora obrigou-se a entregar a mercadoria nas instalações do transitário “ABREU…, LDA-” sito na Rua Vasconcelos,… Moreira da Maia, o qual transportaria, por sua vez, a mercadoria até à sede da ré em França.
A autora e a ré acordaram na modalidade de transporte FOB (free on board) isto é, a mercadoria foi entregue pela autora ao transitário “ABREU…”, escolhido pela Ré, tendo esta assumido a responsabilidade pelo transporte principal e custos do mesmo. Com a entrega da mercadoria nas instalações do transitário cessou a intervenção da autora enquanto exportadora.
O requerido foi notificado para no prazo de 15 dias contestar, apenas lhe tendo sido dado conhecimento do teor do requerimento inicial, omitindo-se a notificação do articulado de fls 18 e 19 e dos documentos que com o mesmo foram juntos aos autos.
O requerido veio aos autos manifestar a vontade de deduzir oposição, transmutando-se os autos para uma acção declarativa de condenação sobre a forma ordinária.
Foi então proferido novo despacho que relegou a decisão sobre a competência internacional para momento posterior. Mais se decidiu que a “peça apresentada pela requerida configurava uma oposição, ordenando-se então a notificação desta, com as advertências legais, para que apresentasse contestação devidamente aperfeiçoada, concretizando os termos concretos em que se opunha à pretensão da Autora e para que constituísse mandatário, atenta a obrigatoriedade imposta pelo art.º 32.º n.º 1 al. a) do CPC.
Notificado de tal despacho e também para pagar a taxa de justiça inicial e multa de igual montante, verificou-se que a Ré não constitui mandatário nem pagou a taxa de justiça, pelo que, por despacho judicial, considerou-se sem efeito a defesa e, em face da invalidade da contestação, consideraram-se confessados os factos articulados pela Autora.
A autora apresentou alegação por escrito.
Foi proferida sentença que, de forma tabelar, julgou verificados os pressupostos processuais, designadamente a competência do Tribunal em razão da nacionalidade, julgando a acção procedente e condenando a Ré no pedido.
Inconformada, a Ré interpôs recurso de apelação da sentença, apresentando alegações com as seguintes conclusões: 1ª – Pelas razões e fundamentos desenvolvidos de fls 3 a 5 das precedentes alegações, e concretamente por estarmos perante um “caso transfronteiriço” de natureza cível e comercial que tem como único objecto o pagamento de parte do preço de uma encomenda de calçado, directamente conexionado com dois Estados-Membros – Portugal e França - a requerente da injunção que está na origem da presente acção, no lugar do requerimento de injunção de que lançou mão, entre nós instituído pelo D.L. 269/98, de 1 de Setembro, devia obrigatória e necessariamente ter utilizado o PROCEDIMENTO EUROPEU DE INJUNÇÃO PARA PAGAMENTO INSTITUÍDO PELO REGULAMENTO (CE) Nº 1896/2006 DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO, no respeito pelo formulário do Tipo previsto no seu Artigo 7º, 1, no respectivo Anexo I, e com o conteúdo mencionado nos números 2 e 9 daquele artigo e concedendo à requerida, ora requerente, o prazo de 30 dias, previsto no seu artº 16º, nº 2, por ser procedimento/requerimento - e não o efectivamente utilizado - o legalmente imposto e o único admissível para o presente caso, dada a sua natureza do ponto de vista subjectivo e objectivo.
-
- Ao não ser utilizado o procedimento ou modelo de requerimento previsto e imposto por aquele REGULAMENTO EUROPEU, coarctaram-se ou limitaram-se substancialmente à requerida, ora recorrente, enquanto sociedade de direito Francês, com sede em França e sem nenhuma sucursal ou forma de representação em Portugal, como consequência e efeito desse não uso, as suas garantias de defesa, quer quanto ao conteúdo do procedimento imposto pelo nº 1 e pelas diversas alíneas do nº 2 do artº 7º daquele diploma de direito europeu, quer quanto ao prazo para o exercício do seu direito de defesa que deste modo viu reduzido e que de facto a impediu de organizar e apresentar a sua defesa a partir de um País estrangeiro.
-
- A não utilização, pela requerente T…, da forma do procedimento europeu, prevista e imposta pelo citado REGULAMENTO (CE), e a utilização no seu lugar do requerimento de injunção nacional previsto pelo D.L. 269/98, além de violar o princípio da forma expressa e obrigatoriamente imposta por aquele requerimento para casos transfronteiriços como o presente, traduziu a preterição de uma forma de processo – o referido procedimento europeu – obrigatoriamente imposta pelo direito comunitário supranacional e influiu na tramitação e da definição dos direitos e obrigações das partes com diminuição das garantias de defesa da requerida, sendo por isso nulo o requerimento de injunção utilizado e nulo todo o processo subsequente, nisso incluindo a sentença final condenatória.
Sem conceder, A INCONSTITUCIONALIDADE DO PRAZO DE OPOSIÇÃO CONCEDIDO À REQUERIDA: 4ª.- Pelas razões e fundamentos de fls 5 a 7 das precedentes alegações, o prazo de 15 dias concedido à requerida, ora recorrente, para, sem qualquer dilação, deduzir oposição à injunção, bem como o artigo 4º do Regime Preambular do Dec Lei nº 269/98, ao impor aquele prazo também “sem qualquer dilação”, considerando o princípio constitucional da igualdade dos cidadãos perante a lei e o livre e igual acesso de todos ao direito e à justiça, independentemente da sua nacionalidade ou origem, reconhecidos universalmente pela Constituição da República Portuguesa, considerando que a R., ora recorrente, tem a sua sede em França, muito distante do Tribunal onde corria a injunção, colocou-a numa situação de desigualdade perante a lei em relação aos cidadãos portugueses e não tomou em conta as suas dificuldades em deduzir a sua oposição considerando o facto de estar domiciliada em País estrangeiro e muito distante do tribunal onde corria o processo, são inconstitucionais e violam os princípios da igualdade dos cidadãos perante a lei e a liberdade de acesso ao direito e à Justiça consagrados nos artigos 2º, 13º, 1 e 2 e 20º, 1 da referida Constituição e, além disso, violam a jurisprudência do Tribunal de Justiça das Comunidades de que é exemplo o Acórdão citado na pag 6.
-
- Como consequência disso, se o processo não for nulo e ou anulado pelas razões das conclusões 1ª a 3ª, deve ser nulo pela razão alegada na conclusão 4ª, ordenando-se então a repetição da notificação da requerida para deduzir a sua oposição beneficiando da dilação justamente correspondente ao facto de ter a sua sede em França, designadamente a dilação que para situações semelhantes estabelece o artº 252º-A do CPC.
Ainda sem conceder, QUANTO AO DESPACHO DE FLS. 15: 6ª.- Pelas razões e fundamentos de fls 7 a 10 das precedentes alegações, o despacho de fls 15 dos autos não tem fundamento legal expresso e, ao conceder à requerente, a oportunidade de em requerimento autónomo vir alegar factos novos que não integram o núcleo estruturante da causa de pedir, mas relativos às condições de modo e local de entrega e pagamento do calçado objecto da compra e venda por ela alegada para com isso se pronunciar sobre a competência internacional do tribunal, concedeu à parte a possibilidade de na prática apresentar um articulado superveniente, e desse modo violou não só o disposto nos artigos 506º e 508º, nº 3 do CPC e a jurisprudência acolá invocada, mas também constituiu em si uma decisão surpresa que deu origem à modificação da instância estabilizada com a notificação da requerida que, com base nos factos alegados no requerimento inicial prefigurara a incompetência internacional do tribunal português, que, sendo obrigatoriamente do conhecimento oficioso, a dispensava de vir a juízo.
-
- Tal despacho é por isso ilegal e, como tal, nulo, dando lugar à nulidade do e ao desentranhamento do requerimento e dos dois documentos de fls 18/19 e à anulação da sentença que neles se baseou, ordenando-se a prolação de nova sentença que não tenha em consideração aquele requerimento e aqueles dois documentos...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO