Acórdão nº 900/10.0TBGMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 09 de Fevereiro de 2012
Magistrado Responsável | HELENA MELO |
Data da Resolução | 09 de Fevereiro de 2012 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam os juízes da 1ª Secção do Tribunal da Relação de Guimarães: I - Relatório C.- Comércio de Calçado e Peles, Lda. veio interpor acção declarativa de condenação sob a forma sumária contra Banco, S.A. alegando , em síntese, que: A sociedade comercial R., Unipessoal, Lda. era titular de uma conta de depósito à ordem no Réu e emitiu sobre esta conta em nome e no interesse da A. os cheques nºs 8278241512 e 7378241513 nos montantes de 6.405,00 e 6.000,00 euros, cheques estes onde foram traçadas duas linhas paralelas e onde foi feita a menção no verso de “não endossável” que depositou na sua conta. Apresentados a pagamento nos dias 16 de Setembro de 2009 e 1 de Outubro de 2009, não foram pagos por ordem da sacadora e foram devolvidos, com os seguintes dizeres manuscritos no verso de cada um dos cheques – “CHQ VER. Justa causa-Extravio”.
A A. convidou o R. a pagar-lhe as importâncias inscritas nos referidos cheques, acrescidas das despesas com a sua devolução e dos juros de mora, o que este recusou, alegando que os cheques não foram pagos pelo motivo da cliente lhe ter solicitado o seu não pagamento, alegando que os cheques se extraviaram no correio.
Acontece que esses factos são falsos porque os cheques foram entregues à A. em mão.
O R. ao não pagar os cheques à A. violou o disposto na 1ª parte do artº 32º da LUCH.
Pede, consequentemente, que o R. seja condenado a pagar-lhe a quantia de 12.462,20, acrescida dos juros vencidos no montante de 214,41 e dos juros vincendos, à taxa legal até integral pagamento.
O R. contestou, alegando que procedeu à devolução obedecendo a instruções expressas e escritas dadas ao Banco R. pela entidade sacadora. Contactada a sacadora a mesma confirmou que os dois cheques se tinham extraviado no correio, não tendo à data qualquer motivo para duvidar da versão que lhe foi apresentada.
A ordem de não pagamento emanada pela sacadora do cheque ao banco sacado constitui justa causa de não pagamento e não uma revogação simples e arbritária de um cheque, conforme consta do anexo ao Regulamento do Sistema de Compensação Interbancária – SICOI (Parte II., nº1, al a) sob a epígrafe “cheque revogado – por justa causa” – Instrução do Banco de Portugal nº 25/2003, entretanto alterada nesta matéria pela Instrução nº 5/2008 que entrou em vigor em 15.05.2008 e pela Instrução 3/2009, em vigor desde 02.03.2009.
Acresce que, ainda que não tivesse acatado a ordem directa do seu cliente, anterior à apresentação dos cheques a pagamento, ainda assim o pagamento dos cheques não teria ocorrido por a conta não se encontrar provisionada nas datas da apresentação a pagamento.
Conclui pela sua absolvição do pedido.
Foi elaborado despacho saneador com a selecção da matéria de facto assente e controvertida, do qual não houve reclamação.
Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, tendo a final sido proferida sentença que julgou a acção procedente, condenando o Banco Réu BPI, SA, a pagar à Autora C.-Comércio de Calçado e Peles, Ldª, a quantia de € 12.462,20 (doze mil quatrocentos e sessenta e dois euros e vinte cêntimos), acrescida dos juros de mora vencidos sobre as quantias € 6.433,60, desde 16/09/2009, e € 6.028,60, desde e 01/10/2009, e vincendos até integral pagamento, à taxa legal de 4%, sem prejuízo de posterior alteração legislativa.
O R. não se conformou, tendo interposto o presente recurso e oferecido as seguintes conclusões: 1. As questões que se colocam na presente Apelação são as de saber se a recusa de pagamento, por parte do Apelante, dos dois cheques melhor identificados nos autos é, ou não, legítima; se existe, ou não, justa causa de não pagamento dos aludidos cheques e, por último – mas não menos importante –, se se encontram preenchidos, no caso dos autos, os pressupostos legais do instituto da responsabilidade civil extracontratual.
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Com todo o respeito pela decisão proferida pelo Tribunal a quo, o Banco Apelante entende que a sentença em análise fez incorrecta interpretação e aplicação do direito aos factos em discussão nos presentes autos, mais concretamente, das previsões dos arts. 29º, 32º, nº 1 da LUCH, no art. 14º, 2ª parte do Decreto nº 13004, de 12 de Janeiro de 1927 e do art. 483º do CC.
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Na verdade, atenta a matéria de facto dada como provada nos autos, transcritos no corpo da presente alegação e os quais aqui se dão por integralmente reproduzidos, afigura–se ao Apelante que a decisão final teria necessariamente que absolver o Banco dos pedidos formulados, contrariamente ao decidido.
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Os cheques em questão nos autos foram apresentados a pagamento nos dias 16.09.2009 e 01.10.2009 e devolvidos, respectivamente, em 17.09.2009 e em 01.10.2009, por motivo de “Extravio”, como expressamente consta dos seus versos.
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Essa devolução obedeceu a instruções expressas e escritas dadas ao Banco R. pela sacadora dos cheques, datadas de 15.09.2009, conforme resulta do teor dos documentos de fls. 42 a 43 juntos com a contestação do ora Apelante, assinadas pelo legal representante da sacadora.
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A ordem de não pagamento emanada pela sacadora do cheque ao banco sacado, motivada numa falta ou vício da vontade, constitui justa causa de não pagamento e não uma revogação simples e arbitrária de cheques.
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Pelo que, os aludidos cheques foram devolvidos por justa causa, sendo o motivo invocado pela sacadora razão válida para a devolução de qualquer cheque, como expressamente se prevê no Anexo ao Regulamento do Sistema de Compensação Interbancária –SICOI (Parte II., nº 1, al. a), sob a epígrafe “Cheque revogado – por justa causa”) – Instrução do Banco de Portugal nº 25/2003, (entretanto alterada nesta matéria pela Instrução nº 5/2008, que entrou em vigor em 15.05.2008 e pela Instrução nº 3/2009, em vigor desde 02.03.2009 (tudo in www.bportugal.pt).
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A actuação do Banco Apelante resulta de ordens de não pagamento motivadas no extravio (e não de mera revogação), que lhe foram dadas de forma expressa e escrita pela sacadora e está em total conformidade com as instruções que lhe são impostas pelo Regulamento do Banco de Portugal (SICOI).
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Está demonstrado nos autos que o Banco Apelante acatou e cumpriu a ordem de não pagamento, fundada no “extravio” invocado pelo legal representante da sociedade sacadora e declarou o motivo da falta de pagamento de cheque – extravio –, nos precisos termos em que o mesmo lhe foi expressamente declarado pela sacadora, sua cliente.
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O Banco R. deu cumprimento à previsão dos arts. 40º da LUCH, 2º e 8º, nºs 2 e 3 do DL nº 454/91 (na redacção introduzida pelo DL nº 316/97), na medida em que a recusa de pagamento foi verificada “… por uma declaração do sacado, datada e escrita sobre o cheque, com a indicação do dia em que este for apresentado…”, como melhor resulta da informação registada no verso do cheque.
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A actuação do Banco Apelante é lícita, legítima e a única possível face à ordem de não pagamento da sacadora do cheque; aliás, incorreria em eventual responsabilidade civil contratual se não cumprisse tal ordem, por violação do mandato conferido pela sacadora.
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A sentença recorrida, cita o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência nº 4/2008, de 28.02.2008, referindo que o mesmo diferencia “(…) o conceito de justa causa de revogação do cheques das situações de extravio, furto e outros, de emissão ou apropriação fraudulentas do cheque, concluindo que, embora estas sejam muitas vezes referenciadas como justificando a respectiva revogação, exorbitam do âmbito da previsão do art. 32º da LUC, não decorrendo desta norma qualquer obstáculo à recusa do pagamento de tais cheques pelo sacado.” 13. No entanto, fundamenta a decisão de condenação do Banco, em sede de responsabilidade civil extracontratual, por entender que o Banco sacado não encetou as diligências necessárias com vista a apurar, “senão a prova exaustiva do extravio, no mínimo, a circunstanciação em que tal ocorreu e a demonstração, ainda que indiciária ou perfunctória, da veracidade dessa alegação (o que é feito, por exemplo, no caso de roubo, com a anexação da participação criminal).
E no que respeita à culpa, o Tribunal a quo fundamenta a sua decisão nos seguintes termos: “Na situação submetida a juízo, a sacadora dos cheques – cliente do Banco Réu – alegou, sem mais, que os cheques não chegaram ao seu destino. Em nosso entender, era ao Réu exigível, para acatar a ordem da sacadora, que procurasse inteirar-se do circunstancialismo desse extravio e sobre se aquela havia efectuado a competente participação/reclamação aos serviços de correio”.
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Com todo o respeito pela fundamentação da decisão sob recurso, a mesma não deve proceder: – A data de emissão dos dois cheques em causa nos autos é de, respectivamente, 15.09.2009 e de 30.09.2009.
– As ordens de não pagamento de cada...
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