Acórdão nº 2866/20.9T8VNF-B.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 21 de Abril de 2022

Magistrado ResponsávelJOSÉ CARLOS DUARTE
Data da Resolução21 de Abril de 2022
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

ACORDAM OS JUÍZES DA 1ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES 1. Relatório Por sentença de 17/09/2020, transitada em julgado, foi declarada a insolvência da X - Construção Civil e Obras Públicas, Lda.

A 02/11/2020 a Sra. AI veio requerer fosse ordenada a abertura do Incidente da Qualificação da Insolvência, devendo ser afectado por essa qualificação o devedor, requerendo ainda prazo para juntar aos autos o seu Parecer.

Alegou para tanto ter encontrado indícios de que a situação em que a insolvente se encontra, foi criada ou agravada em consequência de actuação culposa ou com culpa grave da devedora e/ou legais representantes.

*Por despacho de 14/12/2020 foi proferido o seguinte despacho: “Perante os factos reportados pela senhora administradora no seu relatório a que se reporta o artigo 155º do CIRE, a fls 42 e ss dos autos, considero haver motivo para apurar da qualificação da insolvência, pelo que declaro aberto o incidente da respetiva qualificação.

Concedo o prazo de 30 dias à sra administradora para apresentar parecer devidamente fundamentado e documentado, sobre os factos que considera relevantes e pessoas eventualmente a serem afetadas.

Publique nos termos do artigo 188º, nº2 CIRE. “*A 09/04/2’21 e após várias prorrogações de prazo, veio a Sra. AI juntar aos autos Parecer sobre o Incidente de Qualificação de Insolvência em que concluiu da seguinte forma: “Da aplicação do direito conclui-se ser a insolvência “Culposa” porquanto o gerente A. G. por total falta de colaboração com a AI e o Tribunal e na pessoa do sócio gerente L. F., I. Dissipou, ocultou e fez desaparecer, parte do património da insolvente, com o intuito de fazer desaparecer o ativo da sociedade, beneficiando-se a si próprios e a pessoa especialmente relacionada e prejudicando os demais credores, ao abrigo do disposto na alínea a), do n.º 2 do art.º 186.º do CIRE; II. Criou passivos ou prejuízos ou reduziu lucros, causando, nomeadamente, a celebração pela devedora de negócios ruinosos em seu proveito ou no de pessoas com eles especialmente relacionadas, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 2 do art.º 186.º do CIRE; III. Incumpriu em termos substanciais a obrigação de manter contabilidade organizada, com prejuízo relevante para a compreensão da situação patrimonial e financeira do devedor ao abrigo do disposto na alínea h) do n.º 2 do art.º 186.º do CIRE; IV. Disposto dos bens da devedora em proveito pessoal ou de terceiros, ao abrigo do disposto na alínea d) do n.º 2 do art.º 186.º do CIRE; V. Feito do crédito ou dos bens da devedora uso contrário ao interesse desta, em proveito pessoal ou de terceiros, designadamente, para se favorecer a si próprio e pessoas e empresas com quem esta mantinha relações de proximidade, ao abrigo do disposto na alínea f) do n.º 2 do art.º 186.º do CIRE; VI. Atento o incumprimento da obrigação de elaborar as contas anuais, no prazo legal, de submetê-las à devida fiscalização ou de as depositar na conservatória do registo comercial ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 3 do art.º 186.º.

Assim, e face ao exposto, submetemos ao Tribunal e ao Meritíssimo Juiz o nosso parecer de que esta insolvência, deverá ser considerada naquilo a que os termos da lei designam como “CULPOSA”, responsabilizando o gerente A. G. e L. F., melhor identificado nos autos, e neste sentido se devendo proceder. “ *A 19/05/2021 o Ministério Público emitiu o seu Parecer quanto à qualificação da insolvência, tendo concluído, em essência, nos seguintes termos: “Ponderando tudo o expendido, o Ministério Público é de parecer que: 1. a insolvência da sociedade “X, Construção Civil e Obras Públicas, Ldª” deve ser considerada culposa, nos termos do artº 186º, nº 1, nº 2, als. a) e h), do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (artº 189º, nº 1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas); 2. deve ser afectado pela qualificação L. F. [artº 189º, nº 2, al. a), do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas]; (…)”*Foi ordenada a notificação da devedora e a citação pessoal de L. F. para se oporem, querendo, em 15 dias*Notificada a insolvente e citado o requerido, não deduziram oposição.

*Foi proferido despacho saneador em que para além de considerarem verificados os pressupostos processuais, foi consignado: “Objeto do litígio O objeto do litígio prende-se com a verificação dos pressupostos legais que permitam qualificar a insolvência de X- Construção Civil e obras Públicas- Lda, como culposa, afetando L. F. e, na positiva, saber o respetivo grau de culpa.

Temas da prova: Constituem temas da prova: - Apurar se as quantias monetárias de saldo devedor no montante global de € 785.246,15 constantes da conta 21 (clientes) foram devidamente recebidas, desconhecendo-se o seu paradeiro; - Apurar se o requerido foi o único gerente de facto da insolvente desde a data da sua constituição; - Apurar se o requerido desviou os recebimentos de clientes acima referidos e o saldo da conta bancária da insolvente que figurava na conta de depósito à ordem e lhes deu destino desconhecido; - Apurar se os recebimentos de clientes e o saldo da conta bancária constituíam a integralidade do património da insolvente.”*O requerido L. F. juntou procuração forense.

*A 14/10/2021 realizou-se o julgamento.

*A 26/10/2021 foi proferida sentença cujo decisório tem o seguinte teor: “Nestes termos e pelos fundamentos expostos, decido:

  1. Qualificar como culposa a insolvência de X- Construção Civil e obras Públicas, Lda, declarando afetado pela mesma L. F..

  2. Fixar em 7 (sete) anos o período da inibição de L. F. para o exercício do comércio, ocupação de cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de atividade económica, empresa pública ou cooperativa; c) Determinar a perda de quaisquer créditos sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente detidos por L. F. e condená-la na restituição de eventuais bens ou direitos já recebidos em pagamento desses créditos; d) Condenar, ainda, o requerido L. F. a pagar aos credores reconhecidos na lista apresentada pelo Administrador da Insolvência nos termos do art. 129º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas com as forças do seu património pessoal, indemnização pela totalidade dos seus créditos. “*Veio o requerido L. F. interpor recurso pedindo a) seja revogada a sentença recorrida e substituída por outra que declare o carácter fortuito da insolvência e subtraia o Recorrente às consequências da afetação ou, b) caso assim não se entenda, a sentença seja revista no que ao prazo de inibição previsto no artigo 189º do CIRE diz respeito tendo em consideração a reduzida culpa do Recorrente, tendo terminado as suas alegações com as seguintes CONCLUSÕES: I. Destina-se o recurso a impugnar a decisão proferida pelo Tribunal de Primeira Instância, o qual qualificou a insolvência como culposa.

    1. Salvo melhor opinião e o devido respeito, não andou bem a Mma. Juiz a quo, ao qualificar a insolvência como culposa, a qual deveria ser em sentido contrário, ou seja, fortuita.

    2. No que respeita à alínea a) do nº 2 do artigo 186.º do CIRE, esta não se encontra preenchida.

    3. A referida norma prevê que se considera “sempre culposa a insolvência quando o devedor tenha destruído, danificado, inutilizado, ocultado, ou feito desaparecer, no todo ou em parte considerável, o seu património”, mas resulta evidente que não existe qualquer facto provado que se subsuma a tal previsão normativa.

    4. O Tribunal a quo refere que resultou provado que desapareceu “todo” o património da insolvente.

    5. Tal não corresponde à verdade, conforme resulta do depoimento das testemunhas M. A., funcionário da Sra. Administradora de Insolvência, que afirmou ter feito a apreensão de bens.

    6. E pelas testemunhas D. R. e J. M., ambos trabalhadores da firma insolvente durante muitos anos, que afirmaram, perentoriamente, a existência de bens na empresa.

    7. A previsão que se encontra tipificada na referida alínea é, apenas, a de ações que incidam direta, e imediatamente, sobre bens que integram o património da empresa devedora, em consequência das quais esta sofre uma considerável afetação.

    8. Em nenhum ponto da Douta Sentença se menciona que qualquer prática de tais atos se tenha traduzido numa ocultação ou desaparecimento de bens ou, sequer, diminuído, frustrado, dificultado, posto em perigo ou retardado a satisfação dos credores da insolvente.

    9. O CIRE exige que a conduta culposa do gerente tenha por objeto todo, ou parte, do património do devedor, o que implicaria descortinar o valor a atribuir aos bens transmitidos, quando o são.

    10. O elenco factual é completamente omisso a este respeito, não possuindo a Mma. Juíza a quo elementos que lhe permitissem concluir, como fez, que todo o património da insolvente desapareceu, quando resulta da componente testemunhal precisamente o contrário.

    11. Portanto, não se encontram preenchidos os pressupostos da alínea a) do n.º 2 do art. 186º do CIRE.

    12. No que diz respeito ao vertido na alínea h) do nº 2 do artigo 186.º do CIRE, também esta não se encontra preenchida.

    13. Refere aquele ínsito legal que se considera sempre culposa a insolvência do devedor que tenha “incumprido em termos substanciais a obrigação de manter contabilidade organizada, mantido uma contabilidade fictícia ou uma dupla contabilidade ou praticado irregularidade com prejuízo relevante para a compreensão da situação patrimonial e financeira do devedor”.

    14. Ora, para que a presunção da alínea h) do n.º 2 do artigo 186º do CIRE se encontre preenchida, é necessário verificar-se que as irregularidades contabilísticas sejam propositadamente feitas para mascarar a realidade económica da empresa insolvente, não se considerando suficiente...

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