Acórdão nº 1536/21.5T8GMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 21 de Abril de 2022

Magistrado ResponsávelJOSÉ AMARAL
Data da Resolução21 de Abril de 2022
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães I. RELATÓRIO [1] A sociedade anónima X – Comércio de Calçado, SA, instaurou, em 19-03-2021, no Tribunal de Comércio de Guimarães, processo especial de revitalização.

No requerimento inicial, alegou que exerce, desde há cerca de 15 anos, a importação e comércio a retalho de calçado, vestuário e acessórios, designadamente da marca Y, tendo como público-alvo consumidores da classe “média alta”, possuindo 23 lojas e uma on-line e cerca de 120 empregados. Tem-se visto impedida de obter liquidez no imediato e curto-médio prazo. Foi afectada na sua actividade pela pandemia, nos respectivos constrangimentos tendo exclusiva origem a acumulação do passivo. É, no entanto, viável.

Com a petição, juntou cópia do registo comercial (do qual se vê que a sua constituição foi registada em 22-09-2003); declarações legalmente exigidas (nomeadamente a da credora comum condicional W—...

, SA, cujo crédito ascende a cerca de 15% do total); relação dos seus 206 credores (somando a dívida 20.192.274,31€); cópias das IES´s, de 2017 a 2019, em cujos Balanços se indicam passivos de 12.179.280,59€, 11.886.056,63€ e 12.451.391,16€); documento comprovativo da inexistência de imóveis e relações de cinco automóveis existentes no seu património; e a sua proposta de recuperação.

Por despacho de 29-03-2021, foi nomeado o AJP (Administrador Judicial Provisório).

Este, em 23-04-2021, apresentou nos autos a Lista Provisória de Credores, no total de 209, dos quais 1 é a Autoridade Tributária (354.724,04€), 1 é a Segurança Social (782.111,34€), 9 são Bancos (cujos créditos somam cerca de 9 milhões de euros), 1 é empresa de garantia financeira (632.607,94€), 72 são fornecedores (entre os quais, avultam a G – Y Group International AG, com 2.183.328,48€, a referida W – ...

, com 3.455.438,52€, a M. A., SA, com 2.063.054,84€, a S. Park Holding, com 2.393.665,74€, Método Garantido/W Part SA, com 651.750,00€ e I. T., Unip, Ldª, com 413.953,67€) e, os restantes, trabalhadores (33 dos quais, com créditos condicionais).

Foi prorrogado o prazo para as negociações, por acordo.

O Credor Banco ... juntou aos autos cópia de carta datada de 17-03-2021, recepcionada em 22 seguinte, dirigida à devedora, interpelando-a para, no prazo de 15 dias, lhe pagar, com referência ao Plano anteriormente aprovado no processo de revitalização nº 3663/12.0TBGMR, a quantia de 1.321.520,77€, já vencida.

Em 02-08-2021, pela devedora foi apresentada uma primeira versão do Plano por si proposto. Em 13-08-2021, apresentou outra, com alterações.

Por requerimento de 26-08-2021, o Credor Banco ...

, pediu que fosse recusada a homologação do Plano, alegando para tal o seguinte: “1. A dimensão e agressividade das medidas propostas pela empresa revelam a sua insustentabilidade económica e financeira e, consequentemente, a sua inviabilidade.

  1. A empresa devedora propõe o perdão de dívida de valor correspondente a 90% dos créditos comuns, o perdão total de juros de mora, e ainda, um prazo de carência de capital de 12 meses.

  2. Já aos credores privilegiados, Estado e trabalhadores, a Devedora propõe pagar 100% dos respetivos créditos.

  3. Deste modo, a forma de pagamento proposta aos credores comuns é demasiado gravosa, prejudicial e extremamente desproporcional comparativamente aos credores privilegiados.

  4. Ora, não obstante, os créditos privilegiados não estarem na disponibilidade de serem modificados pelo plano da Devedora e, consequentemente, não poderem ser objeto de perdão ou carências, não deixa de ser um tratamento totalmente desequilibrado.

  5. Na medida em que, o esforço que é exigido aos credores comuns é efetivamente desmedido e até desleal, tentando-se a revitalização da empresa unicamente à custa do sacrifício total dos credores comuns em detrimento dos privilegiados.

  6. A classe dos credores não pode servir, nem fundamentar tamanha desproporcionalidade! 8. É absurda e aberrante.

  7. Aliás, a dimensão do perdão em causa, juntamente com o montante do passivo, a necessidade de um segundo PER, revelam a insustentabilidade económica e financeira da empresa e, consequentemente, a sua inviabilidade e continuidade.

  8. Se a empresa não consegue planear a sua reestruturação e revitalização noutros termos, significa que está em situação de insolvência e, como tal, o PER em causa é um protelamento do inevitável.

  9. O que se retira do plano é que a Devedora apenas conseguirá e se propõe a pagar ao Estado e aos trabalhadores! 12. O que significa que a Devedora não consegue cumprir com as suas obrigações decorrentes da sua atividade normal junto dos outros intervenientes normais e necessários ao seu negócio, nomeadamente fornecedores, financiadores, investidores, entre outros.

  10. Sublinha-se que, a empresa apresenta resultados líquidos negativos em 2020 e capitais próprios negativos acentuados desde 2013, conforme resulta das demonstrações financeiras da empresa do anexo 7, o que denota uma situação de insolvência e não apenas de dificuldades económicas.

  11. O plano apresentado não se trata de um plano de continuidade, mas sim de eventual liberação de dividas mais gravosas, nomeadamente em termos de consequências patrimoniais pessoais para a sua administração.

  12. O que significa que o plano em causa é desleal para os outros credores, já que os credores privilegiados não podem ver os seus créditos modificados no plano, fora dos parâmetros legais.

  13. Assim, para a empresa será suficiente pagar a esta classe de credores e conseguir, assim, a aprovação do PER, presumindo que os privilegiados votam a favor.

  14. Existe um desequilíbrio e uma desproteção total de todas as outras classes de credores, nomeadamente dos comuns.

  15. O facto de serem de credores de natureza diferente não pode justificar um tratamento de tal forma desproporcional e desmesurada, sob pena de se estar perante, não um processo negocial que preside ao espírito do processo de revitalização, mas sim, de um processo em que apenas os credores garantidos/privilegiados recebem o seu crédito e, consequentemente, monopolizam todo o processo com desrespeito por todos os princípios orientadores do PER.

  16. Deste modo, salvo melhor opinião, o plano apresentado pela empresa Devedora, ofende os princípios da proporcionalidade e da igualdade dos credores e, por isso, contem uma violação não negligenciável e, consequentemente, causa fundada de recusa da sua homologação.

  17. Por fim, a empresa detém património de valor considerável, desconhecendo-se o real valor do mesmo, uma vez que no plano é referido um valor estimado em “best case csenario” de 473m, mas, na verdade, o valor do ativo da empresa resultante dos elementos contabilísticos é bastante superior.

  18. Face ao exposto, entende o Credor que o plano apresentado pela empresa Devedora é fortemente penalizador para os credores, desleal e desproporcional, sendo muito mais prejudicial do que se não existisse qualquer plano.

  19. Assim, entende o Credor que a única solução que melhor acomoda os interesses de todos os credores será a liquidação do património da Devedora no âmbito do processo de insolvência.

  20. O aqui credor entende também que se encontram preenchidos os pressupostos previstos no artigo 216º, nº1 do CIRE.

  21. Deve, assim, o Tribunal recusar a homologação do plano de revitalização apresentado pela devedora.

    Nestes termos, e nos demais de Direito, requer-se a V. Exa. A não homologação do plano de recuperação apresentado pela devedora, conforme previsto nos artigos 17.º-F, n.º 3 e 216º, nº1, ambos do CIRE.”.

    Por requerimento de 27-08-2021, o AJP juntou a acta de contagem dos votos e respectivo resultado, dela constando que votaram a favor 58,36%, votaram contra 41,64€ e abstiveram-se 0,85%.

    A devedora, por requerimento de 30-08-2021, exerceu o contraditório quanto àquela pretensão do BANCO ..., alegando o seguinte: “1. Veio o BANCO ... apresentar novo requerimento (sendo este uma repetição do que já tinha exposto a 10.08.2021), peticionando a não homologação do plano da Devedora, assente, essencialmente, em 3 grandes ordens de razão: a. Violação do princípio de Igualdade e da Proporcionalidade dos Credores; b. A Devedora encontra-se numa situação de insolvência e não de apenas de dificuldade económica; e c. A situação resultante do plano coloca os credores em pior situação que aquela que resultaria da sua ausência.

  22. Ora, não pode estar a Devedora mais em desacordo com o Credor BANCO ..., conforme espera poder demonstrar cabalmente ao longo do presente contraditório.

  23. Vejamos então detalhadamente das razões alegadas e porque as mesmas, à luz das regras do Direito, terão que obrigatoriamente (essas sim) falir.

    1. Da Violação do princípio de Igualdade e da Proporcionalidade dos credores 4. Das várias afirmações descontextualizadas e sem qualquer relevância jurídica que o BANCO ... teceu no seu pedido de não homologação, o BANCO ... refere que existe uma violação do princípio da igualdade e de proporcionalidade dos credores já que existe um tratamento desigual e desproporcional de tipos de créditos de classes distintas.

  24. Mais especificamente pelo facto de o plano não prever redução dos créditos (perdão de dívida) para os credores privilegiados (Estado e Trabalhadores), prevendo, apenas, tal medida para os credores comuns.

  25. Ora, a aqui Devedora não pode, de todo, concordar com o que o BANCO ... refere.

  26. Comecemos pela análise da afirmação vertida no ponto 1. do requerimento do BANCO ...

    .

  27. “A dimensão e agressividade das medidas propostas pela empresa revelam a sua insustentabilidade económica e financeira”. Certamente o Credor BANCO ... esteve pouco atento quando teceu tal afirmação.

    Vejamos, 9. A Devedora, alicerçada pelo Relatório de Revisão do Plano de Negócios e Proposta de Reestruturação elaborado por uma entidade independente (K), apresentou as medidas de reestruturação que melhor serviriam a sua revitalização, não esquecendo, naturalmente, o que igualmente melhor serviria aos seus Credores.

  28. Pois resultou claro dessa...

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