Acórdão nº 5031/21.4T8GMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 10 de Novembro de 2022

Magistrado ResponsávelJOSÉ CRAVO
Data da Resolução10 de Novembro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães *1 – RELATÓRIO A. B.

, por si e na qualidade de cabeça de casal da herança aberta por óbito de A. S., intentou a presente acção declarativa comum (1) contra A. P.

, por si e na qualidade de cabeça de casal da herança aberta por óbito de A. J., filho da primeira, pedindo a condenação da R. a restituir à A.

metade do valor (capital e juros) cuja restituição nesta acção é pedida, e bem assim ser a ré igualmente condenada a restituir à autora a restante metade dos valores (capital e juros) pedidos na presente acção, na qualidade de cabeça de casal aberta por óbito do seu marido, A. S.

.

Para tanto e em suma alegou que no período compreendido entre 2002 e 2004, ainda no estado de casada com A. S., emprestou ao filho A. J., entretanto falecido e à data casado com a ora R., a quantia de € 55.000,00, a qual venceria juros, os quais totalizavam € 44.000,00 à data da propositura da acção.

O empréstimo foi do casal formado pelos pais do falecido marido da ora R., ao casal formado pela ora R. e pelo falecido filho da A., sendo a dívida, por conseguinte, comum.

Em Janeiro de 2021 a A., já viúva, reclamou o pagamento da quantia mutuada, o que a R., também já viúva, não satisfez.

Devidamente citada, a R. excepcionou, designadamente, com a ilegitimidade activa, alegando que não há risco de insolvência da herança e que a sua filha (da R.) também é herdeira, pelo que não se verifica a situação a que alude o art. 2089º do CC e a A. carece de legitimidade activa para propor a acção desacompanhada dos demais herdeiros.

A A., pronunciou-se quanto à matéria de excepção, pugnando pela improcedência.

Foi proferido, em 10-03-2022, despacho (2) a convidar a A. a fazer intervir os herdeiros do seu falecido cônjuge, a fim de assegurar a legitimidade activa, mas a mesma não o fez e defende que não tem de o fazer.

Pronunciando-se sobre a questão, em 27-04-2022, o Tribunal a quo decidiu nos seguintes termos: Como se referiu já em anterior despacho, a autora funda o seu pedido num contrato de mútuo que admite ser nulo nos termos do disposto no art. 220º do Código Civil.

De harmonia com o disposto no art. 286º do Código Civil, a nulidade pode ser invocada a todo o tempo por qualquer interessado ou oficiosamente declarada pelo tribunal e os efeitos da declaração de nulidade são os previstos no art. 289º do Código Civil – determinando a restituição de tudo o que tiver sido prestado ou, não sendo isso possível, do valor correspondente.

A autora é interessada, para estes efeitos.

No entanto, não é a única interessada e não pode agir em representação dos demais herdeiros.

Efectivamente, não está em causa uma herança jacente, mas sim indivisa, pois, como resulta da contestação, houve aceitação e a filha da ré representará o seu falecido pai na herança por morte do avô – de quem a autora é viúva.

Estando em causa um direito de crédito inserível no disposto no art. 2091º do CC, todos os herdeiros têm que intervir.

Como se refere no Ac. do TRC de 26.02.2019, Rel.: ANTÓNIO CARVALHO MARTINS, «[a] actuação em juízo de uma herança indivisa pressupõe a intervenção de todos os herdeiros, correspondendo a uma situação de litisconsórcio necessário, decorrente do artigo 2091º, nº 1 do CC».

Ademais, dispõe o art. 2089º do mesmo diploma que «[o] cabeça-de-casal pode cobrar as dívidas activas da herança quando a cobrança possa perigar com a demora ou o pagamento seja feito espontaneamente», acrescentando o nº 1 do art. 2091º que «[f]ora dos casos declarados nos artigos anteriores, e sem prejuízo do disposto no art. 2078º, os direitos relativos à herança só podem ser exercidos conjuntamente por todos os herdeiros ou contra todos os herdeiros» – vd., a este propósito, o Ac. do TRC de 26.02.2019, Rel. ANTÓNIO CARVALHO MARTINS, in: www.dgsi.pt.

Do exposto resulta que, quer se considere que estamos perante uma dívida activa da herança, quer se considere que está em causa o exercício de um direito de crédito, seria necessária a intervenção de todos os herdeiros.

Note-se que a autora não explica de modo atendível porque razão a cobrança da alegada dívida não se compadeceria com esse chamamento: a questão da prescrição colocar-se-ia nos mesmos termos, quer a mesma se apresentasse sozinha, como sucedeu; quer se apresentasse pedindo, concomitantemente, a intervenção que asseguraria a legitimidade activa, nos termos do nº 1 do art. 316º do CPC; quer ainda, se tivesse acedido ao convite formulado pelo tribunal – vd. art. 323º do CC. Na verdade, possibilitada que está, pela actual lei de processo, que a parte proponha a acção e peça, em simultâneo, a intervenção de outros sujeitos para o lado activo – nº 1 do art. 316º do CPC –, o argumento da prescrição afigura-se insuficiente, tanto mais que ela se interrompe com a citação, a qual, ademais, pode ser pedida com carácter urgente (vd. art. 561º, nº1, do CPC).

Como afirmam PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA na anotação ao artigo 2089º (Código Civil Anotado, Vol. VI, Coimbra Editora, 1998, p. 149), «[a] regra, neste capítulo, é, por conseguinte, a de que a cobrança dos créditos (dívidas activas) da herança não cabe no pelouro do cabeça-de-casal, atento o carácter temporário bastante limitado da sua função. Só nas circunstâncias especiais destacadas no art. 2089º é natural e legítima a sua intervenção nesse foro».

Pelo exposto, não sendo possível concluir pela verificação da situação a que alude a norma citada, a presente acção teria que ser interposta conjuntamente por todos os herdeiros, como impõe o art. 2091º do CC. Consequentemente, a cabeça-de-casal, desacompanhada dos demais herdeiros, não tem legitimidade para a presente acção (vd. Ac. cit.).

Esta excepção de ilegitimidade da cabeça de casal por preterição de litisconsórcio necessário era sanável por via do incidente de intervenção de terceiros, conforme decorre do art. 316º, nº 1, do actual CPC, “impondo-se mesmo ao juiz o dever de providenciar pela sanação dessa excepção, convidando as partes a deduzir o incidente adequado à intervenção dos herdeiros em falta (cfr. art. 6º, nº 2, do CPC)» (Cf. Ac. RC, de 24.02.2015, Proc. nº 1530/12.7TBPBL.C1, Relatora: Catarina Ramalho...

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