Acórdão nº 5533/18.0T8GMR.G2 de Tribunal da Relação de Guimarães, 03 de Novembro de 2022

Magistrado ResponsávelANIZABEL SOUSA PEREIRA
Data da Resolução03 de Novembro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES:*I. Relatório (que se transcreve): A. R., J. S., A. F. e S. C. propuseram a presente ação declarativa sob a forma de processo comum contra A. M. e A. C., todos melhor id. nos autos, peticionando a condenação destes a reconhecerem o seu direito de (com)propriedade sobre determinada parcela de terreno, a absterem-se da pratica de atos lesivos desse direito, a restituir a parcela ao estado anterior à construção do muro e a pagarem uma indemnização pelos prejuízos sofridos com tal construção, a liquidar posteriormente. Subsidiariamente e para além deste pedido indemnizatório, peticionaram o reconhecimento de uma servidão de passagem (a pé, carrinho de mão, veículo agrícola e automóvel) sobre tal parcela de terreno e a favor dos prédios de cada AA, por destinação de pai de família ou por usucapião, e a condenação dos RR à destruição do muro impeditivo da fruição das utilidades da servidão.

Para o efeito, alegam existir uma parcela de terreno com 50mx2,54 entre os muros/portões que delimitam o logradouro dos seus prédios e as traseiras do prédio dos RR, que integrava aqueles logradouros e que o seu dono decidiu ceder a todos os moradores da Rua ... e do Bairro da ... para colocação de saneamento acesso de e para a via pública, o que acontece há mais de 30 anos, de forma contínua, sem oposição de ninguém, à vista de todos e com ânimo de quem exerce direito próprio. Que a 23.01.2017, os RR construíram um muro que ocupou quase a totalidade da largura da parcela de terreno de que todos são comproprietários, impedindo os AA de por ela circularem, o que lhes causa prejuízo equivalente à privação e/ou limitação de acesso e utilização dos seus logradouros.

Subsidiariamente, que tal parcela sempre foi utilizada pelos AA para acederem de e para os seus prédios da via pública, mesmo antes dos prédios terem sido vendidos pelo seu dono comum a cada AA, não havendo declaração contrária à constituição de servidão nos títulos de venda dos imóveis, e no mais, em tempo e caraterísticas que permitem a aquisição por usucapião.

Indicaram meios de prova.

*Os RR contestaram a ação, impugnando-a motivadamente: negaram os factos alegados quanto à compropriedade e quanto à servidão de passagem sobre a id. parcela de terreno e respetiva suficiência, contrapondo factos para a propriedade exclusiva dos Réus e demais moradores das casas da Travessa … e para a legitimidade do muro construído; e negaram a existência de prejuízos aos AA.

Os RR apresentaram reconvenção, peticionando a extinção de servidão de passagem, por desnecessidade, caso venha a ser aquela reconhecida a favor do prédio dos AA, na medida em que o prédio destes tem acesso direto à via pública e não é acrescentado com a passagem pela faixa de terreno, diminuindo o valor do prédio dos RR.

Indicaram meios de prova.

*Os AA replicaram, negando legalidade ao pedido reconvencional. * Os autos foram saneados, tendo sido julgada verificada a ineptidão da petição inicial por contradição da causa de pedir e, consequentemente, os RR absolvidos da instância.

Os AA interpuseram recurso desta decisão. O recurso obteve provimento.

*Os AA foram convidados a aperfeiçoar a pi., o que fizeram, apresentando nova p.i. a 16.03.2020.

Os RR ofereceram contestação, reiterando o conteúdo da que inicialmente apresentaram.

*Os autos foram saneados, tendo-se verificado, face ao alegado pelos AA e RR, a preterição de litisconsórcio necessário e convidado os AA a regularizarem a instância.

Os AA requereram a intervenção provocada de M. E. e de M. P. e mulher como associados dos RR e de M. C. como associado dos AA.

A intervenção não mereceu oposição e foi deferida. * Os Intervenientes M. E., M. P. e Maria aderiram expressamente à contestação apresentada pelos RR.

Indicaram prova.

M. C. nada disse ou requereu.

*Realizou-se audiência prévia, onde os AA liquidaram o seu pedido indemnizatório. Nesta, os autos foram saneados, o objeto do litígio e temas da prova delimitados e definidos os atos processuais subsequentes.

*Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, com observância do legal formalismo, conforme se alcança das respetivas atas.

*Após a competente audiência de julgamento, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo: “Pelo exposto, julga-se procedente a presente ação proposta pelos AA melhor id. e, por via disso, decide-se: a. reconhecer que os AA e Interveniente M. C. são comproprietários da faixa de terreno melhor id. em 15. dos factos provados; E, em consequência, b. condenar os RR e os demais Intervenientes a reconhecerem a. e a absterem-se de praticar atos que perturbem ou impeçam a utilização de tal faixa de terreno pelos AA e Interveniente M. C.; c. condenar os RR a demolirem o muro que construíram na id. faixa de terreno e a reporem a mesma no estado anterior a tal construção; d. condenar os RR no pagamento de indemnização aos AA no valor de €5,00/dia, na proporção de ½ desse valor aos 1.ºs e 2.ºs AA e calculada desde o dia 23.01.2017 e até à data do trânsito da decisão que decretou a providência cautelar e na proporção da outra ½ desse valor aos 3.ºs e 4.ºs AA e calculada desde o dia 01.10.2018 e até demolição efetiva do muro que construíram; e. julgar prejudicada a apreciação dos pedidos subsidiários formulados pelos AA; e f. julgar prejudicada a apreciação do pedido reconvencional.

Mais se decide condenar os RR e Intervenientes a estes associados no pagamento das custas processuais que sejam devidas pela presente instância, atento o seu total decaimento (sem prejuízo de isenção ou dispensa de que possam beneficiar).

Notifique e registe.”.

*É desta decisão que vem interposto recurso pelos RR., os quais terminaram o seu recurso formulando as seguintes conclusões (que se transcrevem): PRIMEIRA: O Tribunal a quo, considerou como facto provado que “21. Com o ânimo de quem exerce e frui um direito próprio, de domínio (compropriedade).” SEGUNDO: E quanto a essa decisão de considerar o art. 21 como um dos factos provados, importa atender ao disposto no artigo 1251º do Código Civil, que dispõe que a “Posse é o poder que se manifesta quando alguém atua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real”.

TERCEIRO: Os autores fundamentam e alicerçam a sua pretensão na presente ação na cedência da faixa de terreno sobre a qual vieram a reclamar o direito de compropriedade.

QUARTA: Os AA., em todas as suas peças, incluindo na providência cautelar apensa, sempre referiram expressamente que o anterior proprietário e eles próprios, na altura na qualidade de arrendatários, cederam uma faixa de terreno do logradouro que integra as casas de habitação de que hoje são proprietários, para permitirem o acesso de veículos ao logradouro dos seus prédios.

QUINTA: Tal alegação é, objetivamente, incompatível com o pedido principal (compropriedade) formulado pelos autores.

SEXTA: Quem cede não pode mais arrogar-se proprietário ou comproprietário daquilo que cede, sendo tal conclusão o que de mais elementar existe na noção do direito de posse.

SÉTIMA: Jamais o Tribunal de 1ª Instância poderia dar como provado que os atos que os autores passaram a praticar na faixa de terreno que cederam, o fossem com ânimo de quem exerce e frui um direito próprio, de domínio (compropriedade).

OITAVA: São os próprios Autores que alegam, no requerimento inicial de providência cautelar, que a faixa de terreno em causa nos autos foi cedida ao domínio público.

NONA: São os autores quem, subsidiariamente, peticionam a seu favor e a onerar os prédios dos réus, a verificação de uma servidão de passagem para o logradouro dos seus prédios.

DÉCIMA: A cedência que os autores alegam terem feito sobre aquela concreta parcela de terreno dos autos tem, como consequência, a inevitabilidade de ter que se reconhecer que todos os atos que estes continuaram a praticar nessa parcela nunca podia ter sido com a convicção de serem os seus proprietários ou comproprietários.

DÉCIMA PRIMEIRA: O Tribunal a quo tinha, obrigatoriamente, de julgar como não provada a factualidade que verteu no artigo 21º dos factos provados.

DÉCIMA SEGUNDA: Os Autores não lograram fazer qualquer prova sobre os ânimos de verdadeiros proprietários ou comproprietários relativamente aos atos que os mesmos continuaram a praticar, após ter sido cedida, na aludida parcela de terreno.

DÉCIMA SEGUNDA: O Tribunal a quo deu como provado a factualidade, que ora se impugna, apenas com base na presunção que a Mm. Juiz diz decorrer do n.º 2 do artigo 1252 do Código Civil, “presunção (essa) não afastada, pela prova testemunhal e documental referida”, DÉCIMA TERCEIRA: A posse prevista no referido artigo 1252 do Código Civil refere-se ao exercício da posse por intermediário, não tendo aplicação ao caso dos autos.

DÉCIMA QUARTA: A aplicar a presunção de posse a todos aqueles que exercem o poder de facto sobre qualquer prédio, teria de ser abolido a figura de mera detenção precária.

DÉCIMA QUINTA: O que distingue a posse da detenção precária é o ânimos de quem está a praticar tais atos de modo correspondente ao exercício de um direito de propriedade ou de um direito real equivalente, e este ânimos, ao contrário do que erradamente vem dito na sentença de que se recorre, não se presume, antes tem que ser demonstrado por quem dele se arroga.

DÉCIMA SEXTA: Por este motivo se impunha tivesse sido julgado improcedente o pedido principal formulado pelos autores.

DÉCIMA SÉTIMA: Os autores não lograram demonstrar que os atos que vinham praticando na faixa de terreno em causa, o fossem como se de verdadeiro coproprietários se tratassem.

DÉCIMA OITAVA: Nenhuma das testemunhas indicadas pelos Autores foi capaz de demonstrar de que forma ou a que título estes vinham praticando os atos que o Tribunal levou à restante matéria dos factos provados.

DÉCIMA NONA: Os prédios dos réus sempre tiveram na sua descrição uma área descoberta de mais de 20,00 m2 em cada um dos prédios, conforme bem resulta das respetivas...

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