Acórdão nº 6413/21.7T8GMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 24 de Novembro de 2022

Magistrado ResponsávelANA CRISTINA DUARTE
Data da Resolução24 de Novembro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I. RELATÓRIO AA deduziu ação declarativa contra Banco 1..., SA, pedindo que o réu seja condenado a pagar-lhe o capital e juros vencidos e garantidos que, na data da petição, perfaziam a quantia de € 57.000,00, bem como os juros vincendos desde a citação até efetivo e integral pagamento ou, assim não se entendendo, que seja declarado nulo qualquer eventual contrato de adesão que o réu invoque para ter aplicado os € 50.000,00 que o autor lhe entregou em obrigações subordinadas ..., seja declarado ineficaz em relação ao autor a aplicação que o réu tenha feito desses montantes, condenando-se o réu a restituir-lhe € 57.000,00 que ainda não recebeu dos montantes que entregou ao réu e de juros vencidos à taxa contratada, acrescidos de juros legais vincendos, desde a data da citação até efetivo e integral pagamento e, sempre, ser o réu condenado a pagar-lhe a quantia de e 3.000,00 a título de danos não patrimoniais.

Para tanto, alegou, em síntese, que: o Autor era titular de uma conta bancária no então designado Banco 2... (que corresponde ao Réu), na agência de .... Em 13.04.2006, o gerente do Réu transmitiu-lhe que tinha uma aplicação financeira, em tudo igual a um depósito a prazo, sendo o montante do capital garantido e com juros semestrais. O Autor, como era do conhecimento do seu gerente, não possuía qualificação ou formação técnica que lhe permitisse diferenciar os diferentes produtos financeiros, sem que lhos explicassem, e sempre quis fazer aplicações seguras e sem risco. O Autor apenas acedeu por estar convicto de que estava a colocar o seu dinheiro numa aplicação segura e com as características de um depósito a prazo, sucedendo que, sem o seu conhecimento, o capital de € 50.000,00 foi aplicado na subscrição do produto Obrigações .... Nunca foi informado de que o capital destinava-se à compra de Obrigações ... e apenas em novembro de 2015, data em que o Banco Réu deixou de pagar os juros respetivos, é que veio a saber o destino do seu dinheiro. Na data do vencimento, o Réu não restituiu o capital aplicado ao Autor, o que o impediu de lhe dar o destino que entendesse e ao não efetuar o reembolso do capital, o Réu colocou o Autor num estado de preocupação e ansiedade.

Contestou o réu, excecionando a prescrição do eventual direito do autor, por este ter conhecimento da subscrição de obrigações desde a data da ordem de compra, pois sempre recebeu os extratos periódicos onde eram mencionadas as aplicações financeiras, sendo que o prazo aplicável é de dois anos (por se tratar de responsabilidade do intermediário financeiro). Sustentou ainda que, na sua atuação, o Banco Réu informou das características do produto e que se tratava de um produto seguro, como efetivamente o era, e que, para além disso, o Autor, antes da subscrição das obrigações, já tinha demonstrado apetência por investimentos em aplicações financeiras, ainda que de baixo risco. Contestou, bem assim, que na base da aplicação do capital tenha estado um contrato de adesão (regulado por cláusulas contratuais gerais), mas antes, e tão-só, uma proposta formulada pela sociedade Obrigações ... e a aceitação do Autor, corporizada na ordem de subscrição.

Respondeu o autor, pugnando pela improcedência da matéria excecional.

Em sede de audiência prévia foi definido o objeto do litígio e elencados os temas da prova.

Teve lugar a audiência de julgamento, após o que foi proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente, condenando o réu a pagar ao autor a quantia de € 50.000,00, acrescida de juros vencidos e vincendos desde 09/05/2016, à taxa legal, até integral pagamento e a quantia de € 1.000,00, a título de danos não patrimoniais.

O réu interpôs recurso, tendo finalizado a sua alegação com as seguintes Conclusões: 1. Por muito respeito que mereça o vertido na decisão a quo, com a mesma não se pode de modo algum concordar, sendo que a presente decisão veio surpreender sobremaneira o aqui Recorrente, pois que, considerando o Tribunal Recorrido a presente ação parcialmente procedente, não julgou corretamente.

2. Com tal decisão, a Mma. Juiz a quo violou e fez errada aplicação e interpretação do disposto nos arts. 7º, 290º nº 1 alínea a), 304º-A e 312º a 314º-D e 323º a 323º-D do CdVM; 4º, 12º, 17º e 19º do D.L. 69/2004 de 25/02 e da Directiva 2004/39/CE; 220º, 232º e 236º, 483º e ss., 595º e 615º do C.C; 615.º, n.º 1, al. e) do CPC.

3. O Apelante entende, por um lado, que os factos dados como provados nas alíneas “b), g), h), i), j) e n)” não deveriam constar do corpo da Sentença nos termos ali propostos, em face da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento. Nestes termos, é o Banco Apelante de pugnar pela alteração de tais alíneas, de acordo com a redação adiante proposta. Por outro lado, entende o Recorrente que o facto dado como provado na alínea n) deveria ter sido considerado como não provado! 4. Não podemos de deixar de começar as presentes alegações referindo que a prova em julgamento tem de ser feita de forma objetiva e concreta. Vale isto por dizer que, independentemente da forma geral como os produtos pudessem ser colocados à data da aquisição dos mesmos, era necessário saber, em concreto, quais as informações foram prestadas ao A. E isto não sucedeu!!! 5. De facto, o que resultou do depoimento da testemunha que terá colocado o produto, a BB, foi que a mesma não tinha qualquer tipo de recordação de ter colocado o produto ao A. E ainda que admitisse que tivesse sido a própria a vender o produto (pela aposição da sua assinatura no impresso de subscrição), a verdade é que não se recordava que tipo de informações tinha prestado.

6. Aliás, é o próprio A. que refere não se recordava como lhe tinham vendido o produto, apenas tendo ideia que seria um depósito a prazo!! 7. E isto não pode ser descurado, (como foi) nomeadamente para efeitos de prova dos factos que constituem ónus probatório do A. – nomeadamente os que consubstanciem os requisitos da responsabilidade civil do intermediário financeiro, nomeadamente no âmbito da putativa ilicitude da informação prestada.

8. A convicção que se extrai da globalidade dos depoimentos é que o produto Obrigações ... seria vendido (à data da colocação do mesmo – leia-se, 2006) como um produto com capital e taxas garantidas, no sentido em que o investidor colocava o seu dinheiro e, no fim do prazo, receberia de volta. Característica esta, aliás, que levava a que o mesmo fosse até comparado aos regulares depósitos a prazo, ainda que não fosse dito que não se tratava de depósitos a prazo! Mais concretizavam que o produto seriam Obrigações ..., que a Obrigações ... era a empresa dona do Banco 2..., daí a confusão entre as duas.

9. E de toda esta convicção irradiam alterações em relação a vários dos factos impugnados, devendo os pontos b), g), h), i) e j) dos factos provados da sentença recorrida passar a ter, em função do que se referiu, as seguintes redações: b) Em 13.04.2006, o funcionário do Banco Réu da agência de ... disse ao Autor que tinha uma aplicação com capital garantido e com rentabilidade assegurada.

  1. O Autor atuou convicto de que estava a colocar o seu dinheiro numa aplicação segura e com as características semelhantes a um depósito a prazo.

  2. Se o Autor tivesse percebido que poderia estar a dar ordem de compra de Obrigações ... e que o capital não era garantido, não o autorizaria.

  3. Nunca foi intenção do Autor investir em produtos de risco, como era do conhecimento dos funcionários do Réu.

  4. O Réu assegurou que a aplicação em causa tinha características semelhantes às de um depósito a prazo.

    10. Da mesma forma, com o mesmo fundamento, mas pela notória falta de prova nesse sentido – e que apenas poderias ser feita por recurso ou às declarações de parte, ou ao depoimento da testemunha que vendeu o produto, deveria a o facto considerado como provado na alínea n) – Foi omitido o processo informativo quanto à liquidez do capital, vencimento de retribuição, prazos de reembolso, que o Autor nunca aceitaria se acaso o Réu lhe tivesse explicado que o dinheiro era para investir em Obrigações ... e sem que o capital fosse garantido pelo Banco Réu. – ser considerado como não provado! 11. Os contratos de intermediação financeira implicam relações jurídicas que se estabelecem em níveis diferentes. O negócio de cobertura é o concreto contrato de intermediação financeira celebrado entre o intermediário e o cliente e que tem por objeto imediato conceder ao intermediário os poderes necessários para celebrar o negócio de execução. O negócio de execução, por seu turno, é o contrato celebrado entre o intermediário e o terceiro, no interesse e por conta do cliente (ou também o negócio celebrado diretamente entre o terceiro e o cliente, com a intermediação do intermediário financeiro), e tem a maioria das vezes por objeto a aquisição, alienação ou qualquer outro negócio sobre valores mobiliários.

    12. Claro está, que o dever de informação relativo ao negócio de cobertura deve ser prestado em momento anterior ao contrato de intermediação e o dever de informação relativo ao negócio de execução será cumprido já na vigência daquele, tal como sucederá, aliás, com os deveres de informação relativos aos instrumentos financeiros escolhidos! Os deveres de informação a prestar pelo intermediário financeiro, previstos no art. 312º nº 1 do CdVM, são os deveres de informação relativos ao próprio contrato de intermediação financeira, v.g., ao negócio de cobertura! 13. Já os art. 323º, 323º-A, 323º-B e 323º-C do CdVM tratam dos deveres de informação próprios, relativos, inerentes ou decorrentes dos negócios de execução, levados a cabo ao abrigo dos negócios de cobertura, como aliás decorre das epígrafes dos artigos.

    14. Daí que não se possa retirar qualquer consequência jurídica da afirmação do incumprimento dos deveres previstos no art. 312º do CdVM, tendo antes que se buscar na densificação desses preceitos o conteúdo do dever de informação aí genericamente...

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