Acórdão nº 207/21.7T8FAF.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 13 de Julho de 2022
Magistrado Responsável | SANDRA MELO |
Data da Resolução | 13 de Julho de 2022 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I - Relatório Autora e apelante: M. L.
Réus e apelados: J. M. e cônjuge M. O.
Apelação: ação declarativa de condenação sob a forma de processo comum Pedido A Autora peticionou: a) que seja declarado e reconhecido o direito de propriedade da Autora sobre o prédio identificado no art.º 1º da p.i.; b) que os RR sejam condenados a reconhecer o direito da Autora referido na alínea anterior; c) que os RR sejam condenados a absterem-se da prática de quaisquer atos que atentem contra o direito da Autora; d) que os RR sejam condenados a remover do prédio da Autora todos os materiais que ali depositaram; e) que os RR sejam condenados a pagar uma indemnização à Autora pela ocupação indevida do seu prédio, de valor não inferior a 1.500,00 €; f) que os RR sejam condenados a pagar à Autora uma sanção pecuniária compulsória por cada dia que continuem a ocupar indevidamente o prédio da Autora, cujo montante não poderá ser inferior a 5,00 €/dia.
Causa de pedir Alegou para tanto, no que aqui releva: - É dona de um terreno de construção com a área de 750 m2, inscrito na matriz sob o artigo ... e aí inscrito a favor da Autora descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º .../20180504, cuja propriedade se encontra registada a seu favor pela Ap. 1936 de 2018/05/04; sobre o qual sua mãe e depois a autora exercem atos de posse pública; - Este terreno fazia parte de um outro prédio urbano com a área de 2.336 m2, inscrito na matriz urbana respetiva sob o art.º ..., que era pertença de sua mãe, que o adquirira, juntamente com seu pai, por escritura de permuta, desintegrado do prédio inscrito na matriz sob o art.º … da freguesia de ..., em 28 de março de 1968.
-- Esse terreno correspondia á sua parte norte, após a cedência que de parte para alargamento de um caminho de terra batida, transformado em estradão municipal, o qual dividiu o prédio.
-- Após a venda aos Réus do prédio denominado Bouça …, estes tentaram apoderar-se do terreno da Autora, tento esta obtido sentença que declarou que o mesmo não pertence aos Réus, ordenando o cancelamento do registo que estes lograram obter sobre o mesmo.
-- A autora vedou o seu terreno, mas os Réus removeram essa vedação e fizeram nova vedação junto do caminho, tendo a Autora feito queixa criminal que foi arquivada, por se entender que a questão era de natureza cível.
Contestação Os Réus contestaram, alegando em súmula, que desde a compra da Sorte de Mato do …, estão na posse, uso e fruição daquele prédio, há mais de 15 e 20 anos, em toda a sua área e extensão, que a sul vai até ao caminho público e a nascente até ao caminho de servidão; o pretenso prédio da A. em causa, e que esta identifica no artigo 1º da petição inicial, faz parte integrante daquele prédio dos RR., pelo que o prédio não existe, e nem nunca existiu. “Assim, mesmo que de outro título não dispusessem, sempre e até por usucapião, que expressamente invocam” seriam seus proprietários.
Decisão Recorrida Após a realização de audiência final, foi proferida sentença, que julgou a ação improcedente, por não provada e absolveu os Réus dos pedidos.
É desta sentença que a Recorrente interpõe recurso, com as seguintes conclusões: “I- Do depoimento das testemunhas e demais prova documental abundante não aceita a Recorrente que o tribunal tenha dado por assente os pontos 1), 16), 17) e 18) nem como não provado o ponto d), o que constitui erros de julgamento da matéria de facto.
II- Da prova documental, abundante, aliás, como reconhece o tribunal a quo, resulta inequivocamente que o prédio em discussão nos autos provém do artigo ....º, que pertencia aos pais da Autora, que por sua vez o haviam adquirido por permuta, nessa data como parte do artigo ...º.
III- O prédio em discussão surge da divisão do prédio mãe, artigo ....º, situando-se na parte mais a norte deste, acima da estrada.
IV- Em todos os documentos, estes artigos surgem a confrontar de nascente com caminho de servidão, caminho esse que não existe na parte de baixo da estrada mas apenas na parte de cima, onde se situa o prédio que a Recorrente reivindica.
V- Este prédio, confronta a norte com J. G. e não com qualquer prédio que fosse da Autora/Recorrente, o que significa que que o prédio que a Recorrente vendeu aos Recorridos não confrontava com o prédio mãe do que aqui está a ser discutido.
VI- O tribunal a quo ignorou a dimensão e configuração reiais do prédio dos Réus, o qual se prolonga ainda para norte do prédio em discussão, confrontando também, para lá do prédio da Autora, com o dito caminho de servidão e com J. L. nesse parte mais a norte.
VII- Não podia, portanto, o tribunal a quo retirar a conclusão que retirou do depoimento da testemunha A. C., filho daquele J. L., porque o prédio vendido confronta, efetivamente, com aquele, mas apenas em parte e mais a norte do que aqui se discute.
VIII- O ponto 1) dos factos provados enferma de erro de julgamento da matéria de facto, o qual não poderia dar como provado que o prédio dos Réus denominado “Sorte do …”, confronta de nascente com caminho de servidão, pelo menos em toda a sua extensão, mas apenas em parte.
IX- Já quanto aos pontos 16), 17) e 18) dos factos assentes, o que se logrou demonstrar foi que os Recorridos fizeram a casa de habitação na parcela que a Autora/Recorrente vendeu aos Réus/Recorridos, não tendo sido efectuada qualquer prova, muito menos documental, que os Recorridos pagaram impostos sobre a parcela de terreno em discussão nos autos ou mesmo sobre o prédio que adquiriram à Recorrente.
X- O tribunal a quo não pode também dar como assente que os Recorridos tudo têm feito na firme convicção de que estão a no seu uso pleno e exclusivo do seu direito de propriedade sobre a parcela de terreno em discussão nos autos.
XI- Tal afirmação e contrariada mesmo por outros factos assentes: impugnação da escritura de justificação (facto 28.º), colocação de esteios para dividir aquele prédio (facto 25.º), apresentação de queixa crime contra os Réus, pagamento dos respetivos impostos (factos 22.º, 23.º e 24.º) e até mesmo a existência da presente ação.
XII- O tribunal a quo não podia, portanto, dar como assentes os factos 1), 17) e 18), os quais se encontram, aliás, em contradição com os factos 22.º, 23.º, 24.º 25.º, 26.º, 27.º, 28.º e 29.º.
XIII- Já o ponto d) dos factos não provados deveria ter sido dado como assente, o que resulta inequivocamente dos documentos juntos aos autos, o que constitui também erro de julgamento da matéria de facto.
XIV- Factualidade assente pela profusa documentação comprovativa de que a parcela referida em 21) dos factos provados fazia parte do prédio dos pais da Autora.
XV- Apesar da inscrição do prédio da Autora ser recente, a verdade é que já desde tempos imemoriais confrontava com o caminho de servidão a nascente.
XVI- A testemunha A. F., que foi caseiro da mãe da Recorrente, a D. E. R., afirmou ter pleno conhecimento da realidade física dos terrenos e que o prédio em discussão fazia parte do prédio da D. E. R., tendo mesmo já limpado o mesmo a mando daquela, já depois de os Recorridos terem adquirido o seu prédio à Autora, o que demonstra que são realidades distintas.
XVII- Aliás, esta testemunha refere a existência de uma “bordasinha” no limite ponte do prédio em discussão, que separa o prédio que a Recorrente reclama do prédio dos Recorridos.
XVIII- Face às plantas juntas aos autos, às áreas dos prédios, às confrontações, à existência da dita borda a separar o prédio que a Recorrente vendeu aos Recorridos do que aqui se discute nestes autos, deveria o tribunal a quo dar como provado o ponto d) dos factos não provados.
XIX- Face aos pedidos formulados, estamos perante uma acção de reivindicação, na qual o proprietário pode exigir judicialmente de qualquer possuidor ou detentor das coisas o reconhecimento do seu direito de propriedade e a consequente restituição do que lhe pertence.
XX- Ao Autor cabe apontar o facto jurídico aquisitivo do direito real que invoca como fundamento do pedido de entrega da coisa e deve alegar que o Réu tem a coisa em seu poder.
XXI- A procedência deste tipo de acções encontra-se sujeita à demonstração cumulativa de três condições: titularidade do direito real de gozo por parte da Autora, posse da coisa por parte dos Réus e falta de prova dos Réus da titularidade de um direito que lhes confira a posse.
XXII- O tribunal a quo fundamenta a sua decisão de improcedência da ação precisamente com os atos de posse praticados pelos Recorridos, quando esta é uma das condições para a sua procedência.
XXIII- Atos de posse que, embora mais tímidos devido ao seu afastamento do local, também foram praticados pela Recorrente: impugnou a escritura de justificação outorgada pelos Réus (facto 28.º), colocou esteios para dividir aquele prédio (facto 25.º); apresentou queixa crime contra os Réus, pagou os respetivos impostos (factos 22.º, 23.º e 24.º) e intentou a presente acção.
XXIV- A Autora deve beneficiar da presunção derivada do registo e, mesmo que assim não fosse, alegou e demonstrou a aquisição derivada por um título e que esse direito de propriedade já existia na pessoa do transmitente, seus pais e antes destes as pessoas que permutaram a parcela de terreno.
XXV- É falacioso o que diz o tribunal a quo, quando refere que o prédio em discussão se encontra registado a favor da Autora apenas a partir de 04/05/2018. Essa foi a data em que se procedeu à desanexação da parcela em discussão do art.º ....º, que por sua vez proveio do art.º … da freguesia de ..., estes já registados há muito tempo.
XXVI- O registo da parcela de terreno existe e a Recorrente deve beneficiar da presunção desse registo. Tal presunção apenas poderia ser colocada em causa mediante prova em contrário, designadamente, a invalidade do acto substantivo inscrito, a nulidade do próprio registo ou a aquisição originária de direito total ou parcialmente incompatível o que não ocorre.
XXVII- E são os Réus quem invocam a aquisição derivada e não...
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