Acórdão nº 725/17.1T8VCT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 13 de Julho de 2022

Magistrado ResponsávelJOSÉ FLORES
Data da Resolução13 de Julho de 2022
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

ACORDAM OS JUÍZES NA 3ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES: 1.

RELATÓRIO Recorrente(s): J. C.; - Recorrido/a(s): X Distribuição – Energia, S.A.

*J. C. veio propor contra X Distribuição – Energia, S.A. a presente acção declarativa de condenação, peticionando que a Ré: (i) seja condenada a reconhecer o direito de propriedade do Autor; (ii) a retirar os fios, cabos e postes de condução eléctrica de alta tensão que atravessam e ocupam o prédio do Autor; (iii) a pagar ao Autor uma indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais em quantia nunca inferior a € 327.000,00, em virtude da ocupação ilegal do referido prédio, do locupletamento às custas do Autor e dos prejuízos e danos a este causados, acrescidos de juros vincendos à taxa legal em vigor desde a data da citação até integral e efectivo pagamento; (iv) que se declare que a Ré está a violar os direitos de personalidade dos autores, seus familiares, nomeadamente, o direito à vida, o direito ao bem-estar, e segurança, o direito ao respeito pela vida privada, familiar e domicílio, bem como o seu direito de propriedade; sem prescindir, e caso assim não se entenda, por deter a Ré título que legitime a ocupação supra referida, (v) seja a Ré condenada a indemnizar o Autor pela oneração da servidão administrativa constituída no seu prédio, bem como pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pelo Autor, em quantia nunca inferior a € 345.000,00, acrescido de juros vincendos à taxa legal em vigor desde a data da citação até efectivo e integral pagamento; caso não se entenda ser de retirar na íntegra os fios e cabos de condução eléctrica e respectivos cabos de condução eléctrica e respectivos postes de suporte, (vi) seja a Ré condenada a alterar a passagem aérea e postes de suporte existentes na propriedade do Autor, colocando a mesma a uma distância nunca inferior a 20 metros da residência do Autor, junto à estrema da propriedade, e (vii) a condenação da Ré numa sanção pecuniária compulsória não inferior a € 1.000,00, por cada dia de atraso relativamente ao peticionado em (ii) e (vi), desde a data da citação ou, subsidiariamente, desde a data da sentença até efectiva alteração/remoção dos fios, cabos e postes de condução de energia eléctrica que atravessam o prédio do Autor.

Regularmente citada, contestou a Ré, invocando a constituição de uma servidão administrativa sobre o prédio do Autor, a ilegitimidade do Autor, a prescrição do direito invocado e impugnando motivadamente os factos alegados na petição inicial.

Em sede de audiência prévia, o Autor respondeu às excepções invocadas, foi proferido despacho saneador, julgou-se improcedente a excepção de ilegitimidade invocada, relegou-se para final o conhecimento da demais matéria de excepção.

A final foi proferida decisão “Em face do exposto, julgo a acção proposta por J. C. contra X Distribuição – Energia, S.A. parcialmente procedente, por parcialmente provada, e, consequentemente, declaro o Autor dono e legítimo proprietário do prédio descrito na alínea a), do ponto II.1..

Absolvo a Ré do demais peticionado Custas pelo Autor (atenta a irrelevância tributária do decaimento), sem prejuízo do decidido administrativamente quanto ao apoio judiciário.” *Inconformado com tal decisão, dela interpôs Demandante o presente recurso de apelação, em cujas alegações formula as seguintes conclusões: 1 - Atentos os factos provados, nomeadamente os factos provados em v), w) e y) resulta que o prédio do Autor sofreu uma desvalorização e que o Autor nunca recebeu o pagamento de qualquer indemnização da Ré por essa desvalorização.

2 - É entendimento do Tribunal de Primeira Instância que, uma vez que o Autor não era o proprietário do prédio aquando da emissão da licença de estabelecimento e constituição da servidão administrativa, não é credor da indemnização prevista no artigo 37.º do DL 43335 de 19/11/1960.

3 - A interpretação e fundamentação do Tribunal a quo quanto ao titular do direito de crédito à indemnização baseou-se na errada interpretação do artigo 37.º do citado diploma legal, posição com a qual se discorda.

4 - Tendo sido dado como provado que o prédio do Autor desvalorizou com o atravessamento da linha de condução eléctrica de média tensão, daqui resulta a verificação de um dano – a própria desvalorização e sendo certo que, a desvalorização é actual, ocorre no mesmo prédio, é um dano que que urge indemnizar e quem tem legitimidade a reclamar o pagamento da indemnização pela verificação desse prejuízo é o proprietário actual e sendo o ora Recorrente o proprietário actual do prédio, é aquele que pode reclamar e ser o credor da indemnização a que tem direito pela desvalorização, já que esta se verifica na sua esfera jurídica.

5 - Resultando dos factos dados como provados que se encontram reunidos os pressupostos previstos no artigo 37.º do DL 43335 de 19/11/1960, deveria a Ré ter sido condenada na obrigação de reparar o dano mediante o pagamento de uma indemnização ao Autor que é o dono e legítimo proprietário do imóvel descrito em a) – cfr. alínea b) dos factos provados.

6 - Verificando-se a existência de uma licença de estabelecimento para o atravessamento da linha média tensão tal ocupação é licita, o que não impede da obrigação por parte da Ré de reparar o dano e sendo a ocupação do espaço aéreo uma servidão administrativa, o artigo 37.º do DL 43335 de 19/11/1960 impõe a reparação dos prejuízos causados e a indemnização deve ser calculada.

7 - Tendo sido dado como provado que houve uma diminuição do valor de mercado do prédio com o atravessamento da linha eléctrica pelo prédio do ora Recorrente verifica-se a existência de um dano e está preenchido o requisito do artigo 37.º do DL 43335 de 19/11/1960 e daí reunidos os pressupostos para que seja paga a indemnização, a calcular com as necessárias adaptações de acordo com as normas do Código das Expropriações.

8 - O artigo 37.º do DL 43335 de 19/11/1960, fala de quaisquer prejuízos provenientes de construção, sejam eles directos e imediatos, sejam quaisquer outros que possam advir do simples facto da sua existência.

9 - Isto leva a que se considere, como se escreveu no Acórdão do STJ de 03/07/2014 “que o citado artigo 37.º do Decreto Lei n.º 43 335 de 19 de Novembro de 1960, ao prever quaisquer prejuízos provenientes da construção das linhas quis estabelecer um direito indemnizatório geral decorrente não só do facto de existirem prejuízos directos advindos do acto de construção mas de todos os prejuízos actuais e futuros decorrentes de uma diminuição do valor do imóvel pela construção ou passagem de linhas… ”.

10 - In casu tendo ficado provado que após a instalação da linha de média tensão o prédio do Recorrente ficou desvalorizado, não se vê como ao Autor não lhe assiste o direito de ser indemnizado pelo valor de uma tal desvalorização, sendo, assim, irrelevante que tenha adquirido o imóvel após a emissão da licença de estabelecimento.

11 – Aqui tem, por isso, aplicação um ensinamento de Pires de Lima e Antunes Varela, segundo o qual, “nos casos em que a lei permite a ocupação do espaço aéreo correspondente ao prédio para a satisfação de certos interesses de carácter colectivo (passagem de linhas de altas tensão para transporte de electricidade, instalação de fios telegráficos ou telefónicos, etc) há, em regra, a atribuição de um direito de indemnização ao proprietário pelo...

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