Acórdão nº 2170/21.5T8BRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 15 de Junho de 2022

Magistrado ResponsávelELISABETE COELHO DE MOURA ALVES
Data da Resolução15 de Junho de 2022
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 3ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES I. Relatório J. J. e outros intentaram a presente acção comum contra Construções X, Irmãos Lda., pedindo a condenação da ré a restituir-lhes o dobro das quantias que lhe pagaram até 1989 – ascendendo essas quantias ao valor, convertido em euros, de 132.462,75 €, o qual, por aplicação do coeficiente de desvalorização da moeda fixado para o ano de 1989, hoje corresponde a 340.429,26 € –, num total de 680.858,52 €, a que devem acrescer juros de mora à taxa legal e anual de 4%.

Alegaram para tanto, em síntese, o seguinte: - Mediante acordo escrito celebrado em 10.01.1989, a ré prometeu vender aos autores e este prometerem comprar-lhe metade indivisa de um prédio misto, pelo preço de 25 milhões de escudos, correspondentes a 124.699,47 €, a pagar em prestações, o qual já se encontra integralmente pago; - Mais estipularam que a ré poderia ocupar o referido prédio com a construção de edifícios, para venda no regime de propriedade horizontal, caso em que deveria aos autores uma compensação correspondente a uma percentagem da construção – 10% das fracções do rés-do-chão e dos andares e, por cada um dos apartamentos assim calculados, uma garagem individual na cave do respectivo edifício; - Acordaram ainda que as despesas a suportar até que a totalidade do prédio misto ficasse apto para nele se iniciar qualquer edificação, nomeadamente com a desocupação do caseiro, projectos, encargos fiscais, infraestruturas urbanísticas, etc., seriam suportadas por ambas as ambas e na proporção de 50%; - A este título os autores pagaram um total de 1.556.400$00, correspondente a 7.763,28 €; - O valor total de 132.462,75 € despendido pelos autores corresponde hoje, por aplicação do coeficiente de desvalorização da moeda fixado para o ano de 1989, a 340.429,26 €; - Dadas as relações de amizade e familiares entre os autores e os representantes da ré, foi-se protelando a realização da escritura ou escrituras, bem como a execução do empreendimento nos termos projectados; - Em 14.07.2004, sem o conhecimento ou o consentimento dos autores, a ré transmitiu para a sociedade comercial Y – Construção Civil e Compra e Venda de Propriedades, Lda. a posse e a propriedade do prédio misto objecto do contrato promessa, conforme escritura pública de permuta que juntam, actuando de modo consciente e voluntário, com a vontade objectiva de deixarem de cumprir o contrato promessa outorgado com os Autores, em virtude de terem deixado de ser os proprietários do prédio misto prometido vender, faltaram definitiva e culposamente ao cumprimento do mesmo, pelo que lhe é imputável o incumprimento definitivo do referido contrato promessa; - Deste modo, deve devolver aos autores o dobro dos valores entregues a título de sinal, como tal se presumindo todas as quantias entregues pelos promitentes compradores, tudo acrescido de juros de mora a contar da citação.

*A ré, após citação, ocorrida em 28.04.2021, apresentou contestação, pugnando pela improcedência da acção e pela condenação dos autores como litigantes de má-fé.

Alegou para tanto, em síntese, o seguinte: - Os autores, alegando dificuldades financeiras, não pagaram a totalidade dos valores referidos no contrato promessa, mas antes um total de 21.500.000$00, correspondentes a 107.241,51 €; - A ré iniciou a construção de um edifício no prédio em causa no ano de 1991, que terminou no ano de 1999, tendo então instado os autores para indicarem a parte da construção que pretendiam, os quais responderam não pretender a construção, mas antes o valor correspondente, visto atravessarem uma grave crise económica e necessitarem de dinheiro para liquidarem responsabilidades pessoais; - A ré fez saber que não tinha disponibilidade financeira para efectuar qualquer pagamento, replicando os autores que, nesse caso, se daria o contrato por finalizado, sem mais responsabilidade de parte a parte; - A ré recorreu a um empréstimo, de forma a satisfazer os autores, começando por lhes entregar a quantia de 12 milhões de escudos, após o que entregou mais 6 milhões de escudos em 15 de Abril e outros 6 milhões de escudos em 15 de Dezembro de 1999, ficando assim o contrato promessa dado sem efeito por acordo de ambas as partes, apesar de nada ter ficado escrito; - A ré ficou convicta de tal facto, razão pela qual em 2004, procedeu à alienação do imóvel, convicta que lhe pertencia por inteiro e assim induzida pelo comportamento dos autores; - Não foi estipulado qualquer prazo para o cumprimento do contrato promessa em causa nestes autos, pelo que o mesmo podia ser exigido a todo o tempo; - No caso de uma obrigação pura ou com prazo em benefício do credor, o prazo de prescrição – que começa a correr quando o direito puder ser exercido – tem início na data da celebração do contrato de que emerge a obrigação; - Tendo decorrido mais de 20 anos desde a celebração do contrato promessa em questão nestes autos, bem como desde a data do último pagamento efectuado pela ré (1999), prescreveu o direito que os autores pretendem exercer; - Caso se entenda que não ocorreu a prescrição, o exercício desse direito sempre se traduziria num abuso de direito, nos termos previstos no artigo 334.º do Código Civil.

- Os AA. agem de má-fé pois é falso que nada tenham recebido por conta do contrato, conforme recibos que junta, e apesar de estarem cientes do acordado quanto ao fim do contrato com o pagamento efectuado, não se coibiram de vir exigir o sinal em dobro, factos que são do seu conhecimento pessoal, aduzindo, assim, factos que sabem ser falsos procurando exercer um direito a que sabem não ter direito, pelo que devem ser condenados em multa e indemnização a favor da ré de montante não inferior a 6.000,00€, bem como no pagamento dos honorários do mandatário.

*Os autores pronunciaram-se por escrito sobre as excepções da prescrição e do abuso de direito, pugnando pela sua improcedência, pedindo também a condenação da ré como litigante de má-fé.

Sustentam, em súmula, depois de reiterarem que pagaram integralmente o preço acordado e de negarem os pagamentos que a ré afirma ter efectuado em 1999 – o seguinte: - As obrigações assumidas pelas partes são contratuais e nunca houve qualquer acordo no sentido de alterar as condições contratuais, sendo certo que, tanto o negócio como qualquer aditamento, alteração ou revogação teriam de fazer-se por documento escrito e assinado pelas partes; - As relações contratuais vinham-se desenvolvendo normalmente com a construção do edifício e os autores não tinham que estabelecer nenhum prazo para completar o empreendimento, pois isso era da única responsabilidade da ré, não foram notificados para qualquer fim e nunca mostraram desinteresse pelo negócio nem dele desistiram.

- A ré sempre escondeu dos AA. as negociações para venda ou permuta do prédio com terceiros e também escondeu que o tivesse feito, tendo sido com surpresa que recentemente tomaram conhecimento da outorga da escritura de permuta celebrada pela ré com terceiros sobre o prédio objecto do contrato promessa.

- Assim a Ré e os seus representantes, atuando de modo consciente e voluntário, com a vontade objetiva de deixarem de cumprir o contrato promessa outorgado com os Autores, em virtude de terem deixado de ser os proprietários do prédio misto prometido vender, faltaram definitiva e culposamente ao cumprimento do mesmo, pelo que é antes a Ré quem litiga de má fé e por isso deverá ser condenada em multa e indemnização por litigância de mé fé, a fixar pelo Tribunal, atenta a gravidade do seu comportamento.

*Com data de 26 de Junho de 2021, foi designada audiência prévia, consignando-se no despacho, para além do mais, que: «Afigurando-se possível conhecer imediatamente da excepção peremptória de prescrição invocada, julga-se indispensável a realização de audiência prévia, com as finalidades previstas no artigo 591.º, n.º 1, alíneas a) e b) do CPC: realizar tentativa de conciliação, nos termos previstas no artigo 594.º do CPC; frustrando-se esta, facultar às partes a discussão de facto e de direito.

» Em 12 de julho de 2021 foi realizada audiência prévia, na qual, se consignou em acta respectiva: «Frustrada a conciliação, pelo Meritíssimo Juiz foi facultada às partes a discussão de facto e direito, para os efeitos do disposto no artigo 591.º, n.º 1, alínea b), do Cód. Proc. Civil, tendo designadamente em vista a excepção de prescrição invocada pela ré, tendo os ilustres mandatários das partes reiterado, na sua essência, as posições já expressas nos respectivos articulados.

Finda o debate, o Mm. Juiz determinou que sejam os autos conclusos para ser proferido despacho saneador por escrito.»*Conclusos os autos, em 6.09.2021, foi proferido despacho saneador, no qual se consignou, para além do mais e para o que ora reporta: «Da prescrição da obrigação da ré: Atenta a matéria de facto controvertida, relega-se para final o conhecimento da exceção da prescrição invocada pela ré.

**Não existem outras exceções ou questões prévias que cumpra conhecer e obstem à apreciação do mérito da causa.» Mais foram fixados, o objecto do litígio e os temas de prova, nos termos que se passam a transcrever: «Objeto do litígio: - Obrigação da ré pagar o valor reclamado pelos autores na sequência do incumprimento culposo dos termos do contrato promessa celebrado entre autores e ré no passado dia 10 de janeiro de 1989.

**Temas de prova: - Incumprimento culposo do contrato promessa por parte da ré.

- Data em que ocorreu esse incumprimento.

- Impossibilidade de cumprimento desse contrato por parte da ré.

- Data em que ocorreu essa impossibilidade objetiva de cumprimento do contrato promessa por parte da ré.

- Resolução contratual e data em que a mesma ocorreu.

- Valores pagos pelos autores à ré a título de sinal.

- Data dos pagamentos efetuados pelos autores à ré a título de sinal.

- Valor atual do sinal pago pelos autores à ré na sequência da celebração desse contrato promessa.

- Valor das despesas...

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