Acórdão nº 5242/21.2T8GMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 15 de Junho de 2022

Magistrado ResponsávelMARIA JOÃO MATOS
Data da Resolução15 de Junho de 2022
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência (após corridos os vistos legais) os Juízes da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, sendo Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos; 1.º Adjunto - José Alberto Martins Moreira Dias; 2.ª Adjunta - Alexandra Maria Viana Parente Lopes.

*ACÓRDÃO I - RELATÓRIO 1.1.

Decisão impugnada 1.1.1.

F. F.

(aqui Recorrente), residente na Rua …, em …, Guimarães, propôs a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra M. B.

(aqui Recorrida), residente na Rua …, em …, Guimarães, pedindo que: · a Ré fosse condenada a pagar-lhe a quantia de € 107.703,95, acrescida de juros de mora, calculados à taxa supletiva legal, contados desde a citação até integral pagamento.

Alegou para o efeito, em síntese, que, tendo-lhe movido uma outra e prévia acção, pedindo a sua condenação a restituir-lhe a quantia de € 113.423,95, que lhe emprestara, viu aí ficar provada a transferência a favor da Ré (M. B.) do montante que agora e aqui peticiona; mas não a prévia celebração de qualquer contrato de mútuo que a justificasse (conforme igualmente invocara).

Mais alegou que, tendo ainda ficado provado, numa outra acção que pendeu entre ele e a aqui Ré (M. B.), que viveram em união de facto, tendo as entregas de dinheiro havidas entre ambos ocorrido no seu decurso, viu-se nessa medida empobrecido e ela enriquecida; e, cessada a dita união de facto, esse enriquecimento deixou de ter causa justificativa.

Defendeu, por isso, ter direito à devolução do montante que aqui peticiona, ao abrigo do instituto do enriquecimento sem causa.

1.1.2.

Regular e pessoalmente citada, a Ré (M. B.) contestou, pedindo que a acção fosse julgada improcedente; e deduzindo reconvenção, onde pediu que: · o Autor fosse condenado a pagar-lhe a quantia de € 116.650,00, acrescida de juros de mora, calculados à taxa supletiva legal, contados desde a notificação da contestação/reconvenção até integral pagamento.

Alegou para o efeito, em síntese, que, tendo a união de facto havida entre ela e o Autor (F. F.) sido judicialmente declarada dissolvida, com efeitos a partir de 31 de Dezembro de 2014, já se encontraria prescrito o direito que aquele aqui invoca, uma vez que não a demandou para o seu reconhecimento nos três anos seguintes àquela data.

Mais alegou que, tendo já estado pendentes, entre as mesmas partes, quatro outras acções, a presente repete parcialmente as respectivas causas de pedir (consequências patrimoniais da união de facto havida) e os respectivos pedidos (a condenação da contraparte a reconhecer direitos, ou pretensos direitos, decorrentes da vida que tiveram em comum); e, por isso, estaria verificada nos autos a excepção de autoridade de caso julgado (conforme discriminação que fez da factualidade provada em cada um daqueles outros autos).

Alegou ainda que foi o Autor (F. F.) quem beneficiou patrimonialmente da união de facto mantida entre ambos desde 1996, locupletando-se com o valor global de € 116.650,00, que lhe pertencia exclusivamente, conforme vários negócios e actos jurídicos, que discriminou.

Pediu, por isso, em sede de reconvenção, a condenação do mesmo no seu pagamento.

1.1.3.

O Autor (F. F.) replicou, pedindo que se julgassem improcedentes as excepções deduzidas; e inadmissível a reconvenção ou, subsidiariamente (prevenindo a hipótese inversa), improcedente a mesma.

Alegou para o efeito, sempre em síntese, contar-se o prazo de três anos de prescrição do seu direito do momento em que deixou de ter à sua disposição outro meio de o fazer reconhecer; e isso apenas teria sucedido em 10 de Maio de 2019, com o trânsito em julgado da sentença que não reconheceu a existência dos contratos de mútuo que alegara como causa da restituição, pela Ré (M. B.), da quantia monetária que aqui reclama.

Mais alegou não se verificar ainda a excepção de autoridade de caso julgado, já que a causa de pedir aqui invocada (enriquecimento sem causa) seria distinta de todas as outras alegadas nas prévias acções judiciais.

Alegou ainda ser a reconvenção legalmente inadmissível, uma vez que extravasaria o disposto no art. 266.º, n.º 2, do CPC; e, se assim não fosse, verificar-se quanto a ela a excepção de autoridade de caso julgado (uma vez que assentaria em factos já julgados em prévios autos pendentes entre as mesmas partes), bem como a excepção de prescrição (já que a Ré tê-la-ia deduzido depois de terem decorridos três anos desde a última sentença que julgara improcedente idêntica pretensão sua contra ele próprio).

Por fim, o Autor (F. F.) alegou serem falsos os factos alegados pela Ré (M. B.) para fundar as respectivas defesa e reconvenção, reiterando a sua alegação e pedido iniciais.

1.1.4.

Foi proferido despacho: dispensando a realização de uma audiência prévia; e saneador, certificando a validade e a regularidade da instância, e julgando procedente a excepção de prescrição, invocada pela Ré (M. B.), lendo-se nomeadamente no mesmo: «(…) No caso sub judice a petição inicial entrou em Juízo 11 de Outubro de 2021, tendo a R. sido citada em 14 de Outubro de 2021.

A união de facto foi declarada cessada com efeitos a partir de 31 de Dezembro de 2014.

Decorreram assim cerca de sete anos, ultrapassando em muito o prazo fixado no artigo 482º do C. Civil.

Sustenta o A. que o prazo de prescrição não começa a correr enquanto não transitar em julgado a decisão que puser termo ao processo que anteriormente instaurou para receber a quantia alegadamente emprestada, que não pode lançar mão da acção de enriquecimento quando tiver outro meio de ser indemnizado ou restituído.

A questão consiste em saber se a primeira acção intentada pelo A. (com fundamento nos contratos de mútuo) contra a R. teve a virtualidade de interromper o prazo da prescrição.

(…) Efectivamente, o A. intentou a acção com fundamento nos contratos de mútuo em 2016 (o que decorre da identificação do processo). A R. foi citada para os termos dessa acção.

Quando ocorreu a citação, não teria ainda decorrido o prazo da prescrição.

A ter existido interrupção esta inutilizaria para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do acto interruptivo. E se a interrupção resultar da citação, notificação ou acto equiparado o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo (artigos 326º, nº 1, e 327º, nº 1, do CC).

Na acção inicialmente intentada o A. pretendia a condenação da R. no pagamento de determinada quantia, com fundamento na celebração de vários contratos de mútuo, tese que não conseguiu provar.

Voltando ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25/06/2002, “Nesta acção o A. socorre-se do enriquecimento sem causa. São conhecidos os requisitos da figura: existência de um enriquecimento sem causa justificativa; enriquecimento obtido à custa do empobrecimento de quem pede a restituição; não facultar a lei ao empobrecimento outro meio de ser indemnizado ou restituído”.

Ora, nem a citação nem a notificação levadas a cabo exprimiram à R., directa ou indirectamente, a intenção de o A. exercer o direito que aqui pretende fazer valer.

O fundamento da primeira acção, a causa de pedir, ou seja, o facto concreto de onde emerge o pedido, não é aquele que o A. aqui invoca.

Uma coisa é a responsabilidade civil contratual, que advém da violação de uma obrigação em sentido técnico, maxime de um contrato, e outra é o recurso à figura do enriquecimento sem causa.

Estando-se nas duas acções perante diferentes institutos, a citação e a notificação não interromperam o prazo prescricional.

Nem se pode sustentar que atenta a natureza subsidiária do enriquecimento sem causa só é possível recorrer a este instituto após esgotar outras vias.

Não é possível o recurso à figura se já tiver decorrido o prazo de prescrição que a lei indica para o enriquecimento sem causa, como já decorre do que atrás se referiu a propósito do artigo 498º nº 4 do C. Civil.

É certo que o artigo 474º do C. Civil consagra a subsidiariedade do recurso ao enriquecimento sem causa, mas isso não impede que as partes articulem o recurso à figura com eventuais outras fontes de obrigações, até porque só em face das diversas categorias de enriquecimento sem causa é que é possível averiguar quais as pretensões que excluem e quais as que concorrem com a pretensão de enriquecimento - Prof. Menezes Leitão - "O Enriquecimento sem Causa no Direito Civil", págs. 702 e 992; Ac. STJ de 23.03.1999, CJ I, pág. 172”.

Concluindo, não tendo sido interrompido o prazo da prescrição, que se iniciou na data em que cessou a união de facto entre o A. e a R., à data da instauração da presente acção já há muito havia decorrido o prazo de prescrição de três anos.

A prescrição transforma o direito de exigir em direito de pretender, impedindo assim o exercício do direito pelo credor e, nessa medida constitui uma excepção peremptória – neste sentido vide Heinrich Ewald Hörster (A parte geral do Código Civil Português, Almedina, 1992, pág. 214).

Como decorre do disposto no art. 576º, n.º 3, do Cód. Proc. Civil, a verificação de excepção peremptória implica a absolvição da R. do pedido.

*Fica prejudicado o conhecimento das excepções dilatórias invocadas na contestação (ineptidão da petição inicial - arts. 31º e 32º -, e excepção de caso julgado - arts. 33º a 50º).

*Por tudo o supra exposto, decide-se: a) julgar procedente a excepção de prescrição invocada pela R. e, assim; b) absolver a R. do pedido.

Custas pelo A. (art. 527º, n.ºs 1 e 2, do CPC).

Registe e notifique.

(…)» 1.1.5.

Inconformado com esta decisão, o Autor (F. F.) interpôs o presente recurso de apelação, pedindo que fosse provido, julgando-se improcedente a excepção de prescrição e ordenando-se o prosseguimento dos autos.

1.1.6.

Foi proferida decisão sumária pelo Tribunal da Relação de Guimarães (nos termos dos arts. 652.º, n.º 1, al. c), e 656.º, ambos do CPC (1)), julgando procedente o recurso de apelação interposto; e, por isso, revogando a decisão recorrida e...

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