Acórdão nº 1216/21.1T8VRL-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 30 de Junho de 2022

Magistrado ResponsávelJOSÉ AMARAL
Data da Resolução30 de Junho de 2022
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães I. RELATÓRIO [1] Os autores M. V., F. C., M. E., J. M., A. J. e J. C. intentaram, em 08-06-2021, acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra os réus (1ª) IMOBILIÁRIA X, SOCIEDADE DE MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA, LDA, (2ºs) E. C., L. T., J. T., M. B., A. B., E. R., A. G., I. G. e J. N..

Formularam assim o seu pedido: “Nestes termos e com o douto suprimento, deve a presente acção ser julgada provada e procedente, proferindo-se sentença pela qual deve ser declarado: a) que os aa. gozam do direito de preferência na compra do prédio identificado no art. 1.º da pi; b) o direito de os aa. haverem para si aquele prédio, decretando-se a substituição da 1.º r. pelos aa., enquanto preferentes, na posição de compradores no contrato de compra e venda identificado; c) o cancelamento do registo de aquisição do prédio identificado nos arts. 1 e 2 desta pi a favor da 1.ª ré e ordenado o registo da mesma aquisição a favor dos aqui aa.; d) a 1.ª ré reconhecer os aa. como legítimos donos e proprietários do prédio identificado nos arts. 1.º e 2.º da p.i. em sua substituição e por exercício do direito de preferência de que se arrogam e cujo exercício se traduz no depósito do preço do imóvel de € 45.000,00 e na procedência da presente acção.” Alegaram, para tanto, que, mediante contrato de arrendamento verbal feito há mais de 30 anos, são arrendatários “por si e pelo seu falecido pai” de um prédio urbano (id. no item, 1º da pi), sito em Vila Real. Em 18-12-2000, os 2ºs réus venderam-no à 1ª, pelo preço de 45.000€. Não lhes foi comunicada a intenção de vender, nem o respectivo projecto concreto nem os demais elementos, maxime a identificação do comprador, pelo que não tiveram conhecimento do negócio. Não foram, assim, interpelados para exercerem o direito de preferência de que são titulares, nem nunca ao mesmo renunciaram. Só em 08-01-2021, souberam da venda através de uma missiva da 1ª ré a comunicar-lhes um aditamento ao contrato de arrendamento.

Todos os réus contestaram.

O grupo composto pela 1ª (compradora) e pelos seis primeiros dos 2ºs, em longo articulado conjunto, invocaram excepções (itens 1 a 200), impugnaram (itens 201 a 204) e deduziram reconvenção (itens 205 a 259).

Entre aquelas, alegaram a ilegitimidade passiva (por preterição de duas heranças indivisas); nulidade do contrato para fins não habitacionais (por falta de redução a escrito); ilegitimidade substantiva dos 2ºs a 6ºs autores (só a 1ª é arrendatária, como sucessora do falecido marido); renúncia à preferência e caducidade – ao direito e à acção – e extinção do contrato por denúncia (os 2ºs réus enviaram à 1ª autora, em 17-01-2020, carta comunicando a intenção de vender e respectivo projecto, mas ela nada disse, nem exerceu o direito de preferência, pelo contrário; no local, o 2º autor informou o legal representante da 1ª ré, o qual ali se deslocou e lhe comunicou que a Sociedade estava interessada na compra e que iria receber carta para exercer a preferência e que caso a não exercesse tencionava demolir o prédio, reconstrui-lo para habitação e não manter o arrendamento, que a mãe não tinha interesse em preferir nem em desocupar o locado; em nova deslocação a este, o legal representante da 1ª ré informou o 2º autor que, uma vez que a mãe não exerceu a preferência iria ser marcada a escritura, tendo aquele dito que ela não pretendia preferir e que podiam avançar com a escritura e marcá-la; antes desta, o legal representante da 1ª ré foi ao prédio com um engenheiro e com um topógrafo e aí foram vistos pelos filhos da autora; depois da escritura, o legal representante da 1ª ré voltou ao local e aí informou o 2º autor que a escritura já se tinha realizado, que a mãe iria receber carta para abandonar o locado e receber a indemnização devida; em 08-01-2021, a Agente de Execução notificou a 1ª autora da comunicação da 1ª ré de que esta passava a ser a locadora e como deveria ela depositar as rendas; por carta subsequente, aquela pediu cópia da escritura à 1ª ré, reconhecendo-se como única arrendatária, e passou a pagar e pagou rendas através da conta bancária da 1ª ré, nada referindo quanto ao direito de preferência; entretanto, esta, por carta de 17-03-2021, denunciou o contrato por carta, para obras, pelo que aquando da citação, inesperada, para esta acção já ele não vigorava).

No âmbito exceptivo, alegaram ainda os réus que “confiaram e assim orientaram em conformidade a sua vida quanto à alienação do prédio” (item 167), pelo que, mesmo a não procederem aqueles outros fundamentos defensivos, “a 1ª A. incorre em manifesto e gritante abuso de direito, traduzido numa conduta contraditória (“venire contra factum proprium”), em combinação com o desrespeito pela tutela do princípio da confiança, que se invoca à luz do disposto no artº 334º, do CC)” (item 169).

Aditaram ainda que os autores litigam de má fé, pelo que deverão ser condenados em multa não inferior a 8 UC´s e em indemnização a favor dos réus não inferior a 1.000€ por cada um.

Globalmente, impugnaram, factos e documentos contrários à sua narrada versão, e concluíram, de tudo o exposto, que a acção deve ser julgada improcedente com total absolvição dos réus de todos os pedidos.

Em sede de reconvenção, deduzida “para o caso da acção obter acolhimento e o supra alegado em 1 a 200 não for julgado procedente …mais se alega a título subsidiário” (item 205) que a autora [2] “violou os princípios da boa fé e da confiança”, pois que que os réus celebraram a escritura “com a convicção que a 1ª A. não pretendida exercer o direito de preferência” (item 206); “com a confiança criada pelos AA.”, a 1ª ré fez deste o seu “grande projecto empresarial”, dedicando-se ao mesmo “com todas as suas forças, saber e trabalho” (itens 207 a 209), pelo que a ré viu frustradas as suas expectativas derivadas do comportamento dos autores (itens 201 e 211), o que deve relevar para certos efeitos, como neste caso, pois por referência à confiança, os autores “violaram o princípio da boa fé – artºs 562º, do CC” (itens 233 a 235).

Assim – num primeiro “segmento” –, a 1ª ré “com o negócio dos autos” suportou “diversas despesas”, no total de 1.032,30€ (item 240), a saber: “DPA, Depósito, Cópias Certificadas e Registo” (672,30€) e, ainda, o imposto de selo (360,00€) [3], pelo que deve a ré ser delas reembolsada pelos autores com base nas regras do enriquecimento sem causa nos termos dos artºs 473º e sgs., CC.

Além disso – “noutro segmento” –, a 1ª ré outorgou com um empreiteiro um contrato de empreitada para a execução da obra pretendida no imóvel e, segundo tal contrato, “ele tem a obrigatoriedade de ser cumprido” e, caso o dono da obra desista dele ou não o cumpra, “terá de pagar” àquela uma “penalização” no montante de 100.000,00€; e outorgou também, com um outro técnico, um contrato de prestação de serviços pelo preço de 50.000,00€ (mais IVA) a pagar na forma a acordar no final “ressalvando-se que caso não avance com a obra, a 1ª Ré terá de efetuar na mesma o pagamento”, o que significa que “terá de pagar” àquele a dita quantia (itens 251 e 256), pelo que “a 1ª ré tem direito a ser reembolsada pela 1ª A. por tais despesas” no valor de 150.000,00€ (item 258).

Formulou, portanto, o seguinte pedido reconvencional: “a) Deve a matéria de exceção ser julgada provada e procedente, e a acção ser julgada não provada e improcedente; b) Deve a acção ser julgada não provada e improcedente, com as legais consequências, designadamente a absolvição da 1ª Ré e dos 2ºs RR […] dos pedidos contra si formulados pelos AA; c) Subsidiariamente, para o caso da acção obter acolhimento e o supra alegado em 1º a 204º não for julgado procedente, mais deve a reconvenção ser julgada provada e procedente, e em consequência: c.1) Deve a 1ª A. ser condenada a pagar à 1ª R. a quantia de €1 032,30 relativo às despesas discriminadas nos artigos 237º a 245º da reconvenção, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação até integral pagamento; c.1.1) Subsidiariamente, devem os AA. ser condenados solidariamente a liquidar à 1ª R. a quantia de € 1 032,30 relativo às despesas discriminadas nos artigos 237º a 245º da reconvenção, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação até integral pagamento; c.2) Deve a 1ª A. ser condenada a pagar à 1ª R. a quantia de € 150 000,00 relativo às despesas discriminadas nos artigos 246º a 256º da reconvenção, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação até integral e efetivo pagamento; c.2.1) Subsidiariamente, devem os AA. ser condenados solidariamente a pagar à 1ª R. a quantia de € 150 000,00 relativo às despesas discriminadas nos artigos 246º a 256º da reconvenção, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação até integral e efetivo pagamento.”.

Também os últimos três réus contestaram separadamente.

Os autores replicaram impugnando todos os factos da reconvenção, maxime os relativos à má fé e violação da confiança.

Seguiu-se a prolação de despacho saneador, em cujo âmbito o Tribunal a quo, apreciando a reconvenção e depois de historiar o caso e de tecer algumas considerações teóricas sobre a matéria, designadamente a partir do Acórdão da Relação do Porto, de 10-02-2020 [4], concluiu que “fácil se torna assim ver que a causa de pedir formulada pela ré nada tem a ver com a formulada pelos autores; com efeito, os primeiros pretendem exercer um direito de preferência, ao passo que a segunda pretende que os primeiros a compensem por despesas que teve com terceiros, por sentir que o exercício da preferência defraudou as suas expectativas. O facto jurídico em que a reconvinte fundamenta o seu pedido assenta em relações contratuais com terceiros, as quais ficaram frustradas pelo o exercício do direito de preferência da autora.” Consequentemente, decidiu rejeitar a reconvenção, por legalmente inadmissível à luz da alínea a), do artº 266º, do CPC.

Os réus, irresignados, apelaram, em recurso, a que esta Relação revogue e substitua a...

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