Acórdão nº 1728/21.7T8BRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 30 de Junho de 2022

Magistrado ResponsávelRAQUEL REGO
Data da Resolução30 de Junho de 2022
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordão no Tribunal da Relação de Guimarães I – RELATÓRIO X – Unipessoal, Lda. intentou a presente acção declarativa comum contra Y, S. M. e D. S.-, pedindo a condenação solidária destes a pagar à autora a quantia de €52.971,75, acrescida de juros de mora.

Para tanto, alegou que os 2.º e 3.º réus lhe solicitaram o fornecimento de portas, portões e janelas para um edifício que a 1.ª ré, da qual são representantes legais, pretendia construir em ..., França.

O valor global foi de €124.612,25, a pagar 30% no momento da adjudicação da obra, 50% aquando da entrega do material e 20% no momento da conclusão da obra e a 1.ª ré pagou apenas 34.332,60 € no momento da adjudicação.

A autora remeteu parte do material para as instalações da 1.ª ré em 27.10.2018, outra parte no dia 03.11.2018, remetendo igualmente uma factura do material já entregue, no valor de 32.184,02 €, e a parte restante em 14.11.2018, remetendo então nova factura no valor de 30.122,07 €; devido a um erro do fornecedor da autora e dos próprios réus, os 8 portões seccionados entregues à 1.ª ré não possuíam as características (a textura e a cor) pretendias pelos réus; a autora propôs a sua substituição, o que os réus recusaram, por pretenderem terminar a obra rapidamente, de forma a obter os certificados a emitir pela autora, que lhes eram exigidos pelas entidades licenciadora e financiadora do projecto; os trabalhos ficaram concluídos em finais de Novembro de 2018, altura em que a autora emitiu a última das facturas, remetendo também à ré uma ficha para que os 2.º e 3.º réus apontassem eventuais anomalias nos trabalhos, nada tendo sido apontado por estes; interpelados os réus para fazer o pagamento em falta, a 1.ª ré exigiu a substituição dos 8 portões seccionados que tinha recusado anteriormente; mediante promessa dos réus de que pagariam os valores em falta se a autora substituísse os portões e lhes entregasse o certificado do material já instalado, a autora, no cumprimento do que foi então acordado, encomendou novos portões, colocou-os e assumiu o custo da pintura dos novos portões, para além de ter procedido à reparação de danos na caixilharia causados por terceiros; os réus apenas pagaram 10.000,00 € em 24.01.2019 e 22.184,08 € seis meses depois, nada mais tendo pago, apesar das diversas interpelações para esse efeito.

Ao exigirem a substituição dos portões, cuja instalação em obra haviam aceitado com o fito de obterem os certificados necessários para se financiarem e licenciarem a obra, sem procederem ao pagamento das quantias em dívida, os réus agiram clamorosamente contra os ditamos da boa-fé.

Os réus nunca tiveram intenção de proceder ao pagamento das quantias devidas, não passando as promessas de que o iriam fazer de um artifício para se locupletarem à custa da autora, levando-a a praticar actos lesivos dos seus interesses económicos, o que levou a autora a apesentar queixa criminal junto das autoridades francesas.

A personalidade jurídica da 1.ª ré, que detém um capital social diminuto e não deposita anualmente as suas contas, em contraste com o vasto património dos restantes réus, foi usada de forma ilícita com o claro intuito de estes se locupletarem com grave prejuízo para os interesses financeiros da autora, o que justifica a desconsideração da personalidade jurídica da 1.ª ré e a responsabilização solidária dos restantes réus pelo pagamento da quantia de 52.971,75 € devida pelos trabalhos realizados e que estavam previstos no orçamento, bem como da quantia de 2.900,00 € correspondente aos trabalhos extra realizados pela autora a pedido dos réus, tudo acrescido de juros de mora.

Citados, contestaram todos os RR, arguindo a incompetência internacional do tribunal português, com os seguintes fundamentos: Os presentes autos têm origem num contrato de fornecimento e instalação de caixilharias em ..., França, sendo demandadas uma pessoa colectiva e duas pessoas singulares com domicílio naquela cidade francesa.

Nos termos do disposto nos artigos 4.º, n.º 1, e 7.º, n.º 1, al. a) e b), do Regulamento (UE) n.º 1215/2012, de 12 de Dezembro, a acção devia ter sido proposta no tribunal do domicílio dos demandados ou, em alternativa, no tribunal do lugar do cumprimento da obrigação, ou seja, no lugar onde os serviços foram ou devam ser prestados, o que no presente caso corresponde, em qualquer dos casos, aos tribunas franceses, mais concretamente o Tribunal de Bourg-en-Bresse.

Respondeu a autora à excepção deduzida, pugnando pela competência internacional dos tribunais portugueses, alegando que alicerçou o pedido por si formulado em factos que importam a desconsideração da personalidade jurídica da ré sociedade, pelo que se discute não apenas o incumprimento por parte da 1.ª ré da obrigação de pagamento do preço acordado com a autora, mas também a responsabilidade por factos ilícitos dos restantes réus e, consequentemente, a sua obrigação de indemnizar a autora pelos prejuízos a esta causados.

Acrescentou que, nos termos do artigo 7.º, n.º 2, al. b), do Regulamento (UE) n.º 1512/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, em matéria extracontratual as pessoas domiciliadas num Estado-membro podem ser demandadas noutro Estado-membro, designadamente perante o tribunal do lugar onde ocorreu ou poderá ocorrer o facto danoso, sendo certo que tem sido entendimento da jurisprudência nacional e do TJUE que, quando o facto gerador de responsabilidade extracontratual e o lugar onde esse facto causou prejuízos não coincidam, deve ser entendido que a expressão lugar onde ocorreu o facto danoso se refere tanto o lugar onde o prejuízo teve lugar como ao local onde ocorreu o facto produtor de danos.

No conhecimento desta excepção, o tribunal a quo proferiu a seguinte decisão: «As regras de competência internacional aqui aplicáveis são as previstas no Regulamento (UE) n.º 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Dezembro e 2012, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, conhecido como Regulamento Bruxelas I (reformulado), invocado por ambas as partes (devendo-se referência feira pela autora ao “Regulamento (UE) n.º 1512/2012” a um manifesto lapso de escrita).

A regra geral aí consagrada encontra-se descrita no seu artigo 4.º, n.º 1, nos seguintes termos: «Sem prejuízo do disposto no presente regulamento, as pessoas domiciliadas num Estado-Membro devem ser demandadas, independentemente da sua nacionalidade, nos tribunais desses Estado-Membro», acrescentando-se no n.º 1 do artigo seguinte que «[a]s pessoas domiciliadas num Estado-Membro só podem ser demandadas nos tribunais de outro Estado-Membro nos termos das regras enunciadas nas secções 2 a 7 do presente capítulo».

A determinação do domicílio das partes deve fazer-se nos termos previstos nos artigos 62.º e 63.º do mesmo Regulamento.

No caso vertente, não se suscita qualquer dúvida sobre o domicílio da ré sociedade, visto que se trata de uma sociedade com sede em ..., França (cfr. artigo 63.º, n.º 1, al.

a), do Regulamento Bruxelas I reformulado), local onde foi citada para a presente acção.

Quanto aos demais réus, pessoas singulares, estes alegaram ter igualmente domicílio em ..., França, onde nasceram, onde sempre residiram e onde os seus filhos frequentam a escola, como é corroborado pelos seus documentos de identificação e pelos registos escolares dos seus filhos, cuja cópia juntam, mais esclarecendo que, embora sejam proprietários de bens imóveis em Portugal, não possuem qualquer residência habitual neste país, tendo indicado a sua morada em França às autoridades portuguesas, como resulta da correspondência remetida pela Autoridade Tributária e Aduaneira, cujas cópias também juntam.

Sem questionar estes factos, a autora veio alegar que os referidos réus (a referência aos 1.º e 2.º réus deve-se, mais uma vez, a um manifesto lapso de escrita) também têm residência em Portugal, como demonstra o registo da fração onde os mesmos residem quando estão em território nacional.

Perante a prova assim produzida, não restam quaisquer dúvidas de que os réus pessoas singulares residem habitualmente em França: para além de constar uma morada francesa nos seus documentos de...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT