Acórdão nº 5481/19.6T8VNF.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 30 de Junho de 2022

Magistrado ResponsávelSANDRA MELO
Data da Resolução30 de Junho de 2022
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Recorrente e Autora: --- X - TÊXTEIS E IMÓVEIS, S.A Recorridos e Réus: --- Y – Unipessoal, Lda --- J. P.

--- M. L.

, --- Banco ..., S.A.

Apelação (em ação declarativa de condenação sob a forma de processo comum) Relatório A Autora pediu que:

  1. Seja declarada a nulidade da venda judicial efetuada a favor da 1.ª Ré a respeito da fração designada pelas letras “..”; B) Seja declarada a nulidade do contrato de compra e venda da referida fração celebrado entre a 1.ª Ré e os 2.ºs Réus; C) Seja declarada a nulidade da hipoteca constituída a favor do 3.º Banco Réu; D) Seja cancelado o registo da aquisição a favor da 1.ª Ré, designadamente a AP. 23112007; E) Seja cancelado o registo de aquisição a favor dos 2.ºs Réus, designadamente a AP. 27 de 2008/07/15; F) Sejam cancelados os registos de hipoteca a favor do 3.º Banco Réu pela AP. 28 de 2008/07/15 e AP. 29 de 2008/07/15; G). Sejam os 2.ºs Réus condenados a entregar o imóvel, livre de pessoas e bens, por inexistência de qualquer título que legitime a sua ocupação.

Tudo em súmula, para fundar esse pedido, a Autora alegou que: -- adquiriu, em venda judicial operada em 27/05/1997, uma fração autónoma que identifica, em execução que foi movida por Companhia Geral de ...

, S.A. contra M. H. e M. R.

.

-- em 06/11/2007, teve lugar a venda judicial da fração penhorada, tendo sido adjudicada à 1ª R., no âmbito do processo executivo movido contra M. H., M. R. e “R. & S. – Construção Civil e Obras Públicas, Lda.” e essa aquisição foi registada sob a inscrição G-3, Ap. 23112007 -- a Autora registou a sua aquisição em 13/12/2007, registo que foi lavrado, provisoriamente, por dúvidas, com fundamento na existência da inscrição G-3 Ap. 47/23112007, em vigor a favor da 1ª R -- em 15/07/2008, a 1ª R. vendeu a fração autónoma aos 2ºs RR., através de escritura de compra e venda, aquisição que foi registada sob a Ap. 27 de 2008/07/15.

-- o 3º Réu financiou a aquisição para o que se garantiu através da constituição de duas hipotecas sob a fração autónoma, registadas na mesma data.

-- no âmbito do processo nº 1118/09.0TJVNF foi reconhecido o direito de propriedade pleno da A. sobre a aludida fração autónoma, referindo-se na sentença que “a autora não está impedida de opor a nulidade da venda aos subadquirentes de boa fé, uma vez que a cadeia de negócios não tem origem no verdadeiro titular da fracção autónoma”.

-- os RR. não estão protegidos pelo disposto no artigo 291º do Código Civil, porque que a Autora fez registar essa ação judicial no prazo de 3 (três) anos a que se alude no n.º 2, do referido artigo 291º e a cadeia de negócios não teve origem no verdadeiro titular da fração autónoma O 3.º Réu apresentou contestação, sustentando, em resumo, que a aquisição a favor da 1.ª Ré prevalece sobre a compra realizada pela Autora em processo executivo, por ter obtido a propriedade de um transmitente comum e ter inscrito no registo a sua aquisição e, em segundo, que deve ser tutelada a confiança na aparência do registo, com base na qual os 2.ºs Réus compraram a fração e o Banco concedeu financiamento.

A 2.ª Ré, por seu turno, invocou a usucapião e o registo a seu favor, afirmando que se encontra de boa-fé. Deduziu reconvenção pedindo que seja reconhecido o seu direito de propriedade.

O 2º Réu sustentou a inoponibilidade da sentença que reconheceu à Autora o direito de propriedade, por ali não ter tido intervenção nessa qualidade e a inoponibilidade da compra realizada pela Autora, quer por força do regime previsto no artigo 291º, do Código Civil, quer por força do regime dos artigos , e 17º, do Código do Registo Predial. Também deduziu reconvenção, pedindo o reconhecimento do direito de propriedade, reportado a julho de 2008, com base na usucapião, em comum com a cor-Ré, seu cônjuge.

A Autora replicou, pugnando pela inadmissibilidade processual da reconvenção e, subsidiariamente, a sua improcedência visto que os Réus foram chamado à ação que intentou, cessando a sua boa-fé com a citação.

Foi proferido saneador-sentença, que julgou improcedentes a ação e as reconvenções, absolvendo do pedido os Réus e os reconvindos.

É desta decisão que a demandante apela, com as seguintes conclusões: “1.- A douta sentença proferida, sem que tenha ocorrido produção de prova, julgou, sem fundamento legal bastante, não provada e improcedente a Ação, com base em que o que está em causa é um conflito entre os adquirentes em DUAS VENDAS EM DUAS ACÇÕES EXECUTIVAS, a primeira, a favor da demandante, X TÊXTEIS & IMÓVEIS, em 27/05/1997 e a segunda, a favor de Y - UNIPESSOAL Lda, em 06/11/2007, 10 anos, 5 meses e 15 dias mais tarde, da fracção autónoma designada pelas letras “..”, destinada a habitação, no 9º piso do bloco 2, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito no lugar do ...

, freguesia de ...

, ...

, inscrita na matriz sob o artigo .../... e descrita na Conservatória do Registo Predial sob o nº ../..., sem que a primeira aquisição se mostrasse registada, contrariamente à segunda, o que implicava a PREVALÊNCIA desta.

  1. - Estamos perante atos nulos decorrentes de venda de coisa alheia, que afetam e atingem as duas seguintes transmissões POSTERIORES à aquisição da demandante em 27/05/1997 - sendo que a VENDA efetuada, no dia 29/01/2007 pelos titulares inscritos, mas não proprietários, M. H. e mulher, M. R., à sociedade W IMOBILIÁRIA Lda, já foi anulada por douta sentença transitada em julgado, proferida no Processo nº 1118/09.0TJVNF, instaurado pela demandante, que correu termos na extinta Secção Cível - J 1, da Instância Local de ...

    , do Tribunal Judicial da Comarca de Braga -: I.- VENDA EXECUTIVA efetuada no dia 06/11/2007, na Execução nº 2984/04.0TJVNF do extinto 5º juízo cível do Tribunal Judicial da Comarca de ...

    , em que eram executados os aludidos titulares inscritos, não proprietários, M. H. e mulher, M. R., à sociedade Y - UNIPESSOAL Lda; II.- VENDA, efetuada no dia 15/07/2008, por esta sociedade, a favor de M. L. e marido, J. P., que por sua vez, no mesmo momento, deram de HIPOTECA ao BANCO ..., S.A., negócios que foram e se mantém inscritos no registo.

  2. - É ilegítimo e infundado o exame crítico da fatualidade dada como provada, que é feito na sentença ao compartimentar essas duas vendas, como se fossem alheias e autónomas uma em relação à outra.

  3. - Na segunda venda judicial estamos perante uma venda de coisa alheia, nula, ao abrigo do disposto no artigo 892 do Códico Civil, pois o bem era e é propriedade da demandante apesar de não levado a registo e não dos executados/titulares inscritos.

  4. - Esta nulidade não pode deixar de atingir os negócios jurídicos subsequentes e ùltimos, concretamente uma venda e uma hipoteca a favor de um banco, de 15/07/2008, ambos registados.

  5. - Em 10 anos os executados M. H. e mulher, estiveram no centro de 3 transferências de propriedade: venda judicial, venda já anulada, por sentença transitada em julgado e venda judicial, situação que, caso não seja corrigida, atenta nomeadamente contra o respeito e o prestígio do próprio estado de Direito.

  6. - A questão em causa nos autos, na jurisprudência, é versada, que se conheça, em dois acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 07/02/2013 e de 30/09/2014 respetivamente, sendo que no primeiro, no processo nº 3326/09.4TBVRF.P1.S1, fazem-se as seguintes considerações, que demonstram a complexidade da questão: “(...) “se é evidente e inquestionável que o exequente que se limitou a inscrever a penhora obtida a seu favor no registo não é terceiro em relação ao proprietário do bem (já que obviamente a faculdade, legalmente reconhecida ao credor, de unilateralmente penhorar bens do seu devedor/executado não é um negócio jurídico que seja susceptível de conduzir a uma aquisição derivada de direitos, provenientes de um mesmo autor ou transmitente), já se configura como muito mais discutível a posição do adquirente do bem no termo da acção executiva, tudo dependendo essencialmente do modo como se configurar a venda executiva (no caso dos autos, no âmbito de execução fiscal: quem é verdadeiramente o vendedor do bem - o Estado, ao exercer um poder coercitivo autónomo, que envolveu uma espécie de expropriação do direito objecto da execução; ou, pelo contrário, o transmitente do bem vendido judicialmente será ainda o devedor/executado, actuando o Estado em verdadeira subrogação deste, no exercício de um poder coercitivo que lhe permite dispor de direitos alheios no interesse da realização dos créditos fiscais?); e, muito em particular, o entendimento a adoptar depende decisivamente do juízo que se faça sobre as necessidades de tutela da confiança e segurança jurídica no domínio da venda executiva: deverá prevalecer sobre o interesse do verdadeiro proprietário que omitiu o registo da sua aquisição o interesse do adquirente em venda executiva que confiou inteiramente no registo nessa data existente e tratou de imediatamente consolidar a sua aquisição com a imediata feitura de registo a seu favor? Merecerá, porventura, menor protecção a confiança de quem adquire um bem imóvel em venda executiva, confiando justificadamente no teor de registo existente, do que a confiança de quem, em situação paralela, adquire direitos reais no comércio ou tráfico jurídico, em negócio voluntariamente celebrado pelo próprio proprietário aparente? (...)” 8.- Está em causa a natureza jurídica da venda judicial em acção executiva, cuja discussão não se mostra encerrada.

  7. - Deve considerar-se que o autor da transmissão da propriedade é o próprio executado e não o Estado, daí que a natureza de venda de coisa alheia seja inequívoca.

  8. - A nulidade que se verifica não pode deixar de ter consequências legais nas esferas jurídicas das partes, nomeadamente de um adquirente que, não fora essa desconformidade entre duas realidades, viria a sê-lo e do próprio proprietário.

  9. - Deve prevalecer a verdade substantiva sobre a verdade registral, sob pena de se infligirem danos patrimoniais importantes aos verdadeiros proprietários e estar em...

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