Acórdão nº 396/17.5T8AVV-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 30 de Junho de 2022

Magistrado ResponsávelMARIA EUGÉNIA PEDRO
Data da Resolução30 de Junho de 2022
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam os Juízes da 1ª Secção do Tribunal da Relação de Guimarães: I. Relatório M. C. intentou em 20 de Novembro de 2018 acção de alimentos definitivos contra o ex-cônjuge J. A..

A fundamentar a sua pretensão alegou, em síntese, que: - Está desempregada, não tendo qualquer fonte de rendimentos que lhe permita suportar as suas despesas mensais e sofre de problemas depressivos desde os últimos anos do casamento, necessitando de, pelo menos, € 2.500,00 mensais para viver com um mínimo de dignidade em França.

- A falta de conhecimentos técnicos e o facto de estar afastada do mercado laboral há vários anos constituem um grave entrave para obter trabalho, o que tem comprovado nas entrevistas de emprego a que se submeteu na esperança de reorganizar a sua vida - O R. aufere o ordenado mensal de cerca de € 8.000,00 e beneficia dos dividendos e lucros da empresa de que é sócio gerente, pelo que tem possibilidade de lhe prestar alimentos.

*O R. contestou, aduzindo, em síntese: - A A. só não exerce actividade remunerada por decisão sua, já que tem competências e experiência que lhe permitiriam dedicar-se a diversas actividades.

- Suporta elevadas despesas com a administração do património comum do casal, ainda não partilhado.

- Por recomendação clínica está a diminuir progressivamente a sua actividade laboral. Já instruiu o pedido de reforma e é sua intenção dividir o tempo entre França e Portugal, ficando cada vez mais tempo em Portugal.

Concluiu afirmando que a A. o persegue judicialmente para obter proveitos pecuniários perenes, sem qualquer fundamento, e finaliza pugnando pela improcedência da acção.

*Realizou-se audiência prévia, conforme acta de 12 de Junho de 2019, na qual foi proferido despacho saneador.

*A Autora apresentou articulado superveniente, a 1 de Julho de 2019, que motivou resposta do Réu, por requerimento de 14 de Agosto de 2019. O articulado superveniente foi admitido por despacho de 30 de Outubro de 2019.

*Também o Réu apresentou articulado superveniente, a 7 de Dezembro de 2019, que foi admitido a 10 de Dezembro de 2019 e motivou resposta da Autora, a 6 de Janeiro de 2020.

*Realizou-se o julgamento, conforme actas de 10 de Dezembro de 2019 e 30 de Janeiro de 2020.

As partes apresentaram alegações por escrito em 22 e 23 de Junho de 2020, conforme lhes foi deferido por despacho de 5 de Junho de 2020.

*Foi proferida sentença, em 18.1.2021, com o seguinte teor, na parte dispositiva: “Por todo o exposto, condena-se o Réu a pagar alimentos à Autora no valor de € 500,00 (quinhentos euros) mensais, devidos desde o mês de Dezembro de 2018.

Custas por ambas as partes, na proporção de metade para cada um.

Notifique.” Inconformado o R. interpôs o presente recurso terminando as suas alegações, com as seguintes conclusões, que se transcrevem: 1. O que o presente processo demonstrou, pela parca matéria de facto obtida a partir dos depoimentos testemunhais, é que a recorrida continua a viver, remediadamente, embora menos abonada do que outrora, não se vislumbrando carências económico-financeiras tais de sua banda, que justifiquem qualquer amparo através de uma prestação alimentícia; 2. A situação económico-financeira da recorrida em apreço é completamente expectável, já que a recorrida não pode perspectivar a manutenção, ad aeternum, do status quo económico-financeiro conjugal que outrora desfrutou com o seu ex-marido, e que nem este mesmo já sequer possui, nestes tempos hodiernos de carestia, como facilmente comprovado por toda a documentação de despesas e dívidas do ex-casal por este carreada aos autos (cf. relação de bens do inventario), o que corroborado foi pelo depoimento da filha do ex-casal, A. P.; 3. Uma das leis da vida é, pois, o trabalho, e os cidadãos de hoje em idade activa devem obtemperar humildemente essa lei até uma faixa etária maior, não sendo ao acaso que, actualmente, já se fala de uma quarta idade, para além da terceira, sendo que nos tempos obscuros hodiernos com que nos deparamos, a expectativa de uma condigna reforma não será algo de manter, com a mesma convicção de outrora; 4. Neste conspecto, e propugnando-se aqui uma visão que combata um usual etarismo que pretende anacronicamente prevalecer na nossa sociedade, diremos, parcimoniosamente, que a recorrida não se encontra numa faixa etária (54 anos de idade) irremediavelmente comprometida para a perspectivação de continuar a trabalhar e de, efectivamente, ocupar um posto de trabalho, sendo que, se poucos descontos efectuou para a Segurança Social ao longo da sua carreira contributiva (que não é curta, mesmo assim), só de si se pode queixar, pois em momento algum do matrimónio o recorrente a instigou a não trabalhar, antes pelo contrário !!!! 5. Com efeito, a perspectivação da recorrida é, isso sim, a prossecução do cenário idílico e alcandorado duma antiga vida lauta, desiderato não consentido pelo artigo 2016.º, n.º 1, do CC; 6. A recorrida mantém, desde 2017, voluntaria e conscientemente, permita-se-nos dizê-lo aqui sem pejo, uma situação de procrastinação do estado de indefinição do seu futuro, a nível profissional, sendo que, à luz das regras da experiência comum, em concatenação com a conduta processual omissiva que manteve desde o início do processo de divórcio, relativamente à revelação dos seus rendimentos, não se antolha como possa subsistir perenemente nessa situação, com veículos registados a seu favor, litigando sem apoio judiciário, continuando a pagar as rendas e as despesas da sua habitação e da sua vida quotidiana em França, pelo é que legítimo inferir que terá, muito certamente, uma latente fonte de rendimento estável que esconde, a todo o transe, do conhecimento do Tribunal a quo, o que é óbvio!!!! 7. Em detrimento do dever de verdade e da boa fé processual, a recorrida não pode, pois, ser premiada pela sua conduta omissiva, oclusiva e desleal perante o Tribunal a quo, em termos de esclarecimento cabal da sua vida económico-financeira, documentalmente comprovada; 8. Desta feita, violou o Tribunal a quo o disposto no artigo 342.º, n.º 1 do CC e no 414.º, n.º 1, do CPC, pois a incerteza e falta de informação acerca do estado financeiro da recorrida, traduz a falta de preenchimento da fattispecie relativa à necessidade de alimentos, prevista no artigo 2004.º, n.º 1, do CC (preceito assim também violado pelo Tribunal a quo), sendo que essa falta de prova da sua situação de necessidade contra si, ora recorrida, deverá ser valorada; 9. Resulta à saciedade dos autos que a recorrida continuou a enveredar, até ao presente, por uma melíflua estratégia, com o fito de obnubilar quaisquer rendimentos seus, ao contrário da sincera e recta postura processual levada a cabo pelo recorrente, desde os primórdios desta contenda, e que sempre cooperou com o Tribunal a quo, nada escondendo, sendo que, quanto a este aspecto, só lhe poderão ser dirigidos encómios pela prolixa, mas pertinente, informação documental por lançada aos autos; 10. Por isso, enfatiza o recorrente que a recorrida não forneceu aos autos, como lhe competia, as suas declarações de rendimentos anuais obtidos desde a data da separação, devendo essa omissão ser contra si valorada; 11. A recorrida tem veículos registados a seu favor; litiga sem benefício de apoio judiciário em vários processo (sendo que o ex-cunhado J. M. disse não lhe custear os processos); paga, a título de renda, € 396,00 por um estúdio em França, onde vive; suporta ainda a recorrida despesas com: electricidade (cerca de € 60,00 mensais); seguro da habitação e do veículo automóvel; telefone; alimentação; vestuário; produtos de higiene e limpeza, combustível, estas últimas em montante não concretamente apurado; possui certificado de qualificações emitido pela Escola Profissional ..., a 21 de Junho de 2016, pelo qual obteve o 3º Ciclo do Ensino Básico e ainda certificado emitido a 30 de Dezembro de 2016, pelo qual obteve o grau de Ensino Secundário; tem experiência profissional na área da restauração e de escritório, na empresa de transportes da família, em cujos primórdios de existência coadjuvou como secretária, com a sua cunhada; 12. A recorrida preparou, cuidadosamente, com o seu irmão A. C., e cunhados C. M. e J. M., uma ínvia estratégia processual, no sentido de preconizar a sua vitimização em julgamento, mas tal estratégia foi prontamente desmontada pelo recorrente; 13. Até à data de prolação da sentença de que se recorre aqui, M. C. conta um período de 37 meses de putativa incapacidade para o trabalho, sendo que a sua situação de doença não foi minimamente explicada ao Tribunal; 14. Desta forma, existe um erro de julgamento do Tribunal recorrido, ao ter dado como provado o ponto n.º 22 dos factos dados como provados, pois, este facto teria de ser objecto de melhor escalpelização pelo Tribunal a quo, em termos de indagação; 15. Como corolário, tão pouco pode o Tribunal a quo, perfunctoriamente, concluir que a recorrida se encontra numa situação de doença que a impeça de trabalhar, à míngua de uma premissa de facto, cientificamente comprovada, que lhe permita extrair essa ilação; 16. O Tribunal afirma que desde Dezembro de 2017 que a recorrida se encontra de baixa médica, mas esta questão não foi esmiuçada, não se sabendo se a recorrida fez alguma coisa para debelar esta situação, procurando qualquer trabalho compatível com essa suposta situação, não sendo despiciendo observar que já que nos encontramos em 2021, ano de prolação da sentença em primeira instância; 17. O estado de saúde da recorrida é ainda um verdadeiro tabu, uma questão essencial controvertida a decidir-se no presente processo; 18. Não se apurou, pois, qual o concreto estado de saúde física e psíquica da recorrida, para se aferir, com a mínima segurança decisória, se está apta para o trabalho, ou não; 19. Não se logrou sequer provar que se encontra a recorrida, na realidade, num estado de depressão clinicamente comprovado, ou que, a existir tal hipotético estado, qual a sua extensão, de molde a toldar ou impedir...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT