Acórdão nº 1890/21.9T8GMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 02 de Junho de 2022

Magistrado ResponsávelJORGE SANTOS
Data da Resolução02 de Junho de 2022
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães I – RELATÓRIO O Ministério Público intentou contra D. J.

, casado, residente à data da propositura da acção na Rua …, n.º …, …, Guimarães, a presente acção especial de acompanhamento de maior, alegando, em síntese, que o requerido sofre de estenose aórtica severa, insuficiência cardíaca, hipertiroidismo e alterações de memória e de equilíbrio, o que o impossibilita de sozinho, governar a sua pessoa, necessitando de alguma orientação nas rotinas e actividades da vida diária. Porém, admite que o beneficiário alimenta-se, veste-se e trata da sua higiene sozinho, sabe o seu nome e encontra-se espácio-temporalmente orientado, sabe ler, escrever e assinar e mantém intocada a capacidade de conversação.

Ordenou-se a citação do beneficiário por contacto pessoal, que não se logrou por não ter sido possível aferir da capacidade deste em receber a citação.

Foi nomeada patrona ao interditando, que apresentou o requerimento de 14.07.2021.

Foi realizado exame pericial ao beneficiário e procedeu-se à sua audição.

Instruída a causa, foi proferida sentença que decidiu julgar a presente acção improcedente e, em consequência absolveu o beneficiário do pedido.

Inconformado com a sentença dela veio recorrer o Ministério Público formulando as seguintes conclusões: 1- O Ministério Público não se conforma com os factos dados como provados nas alíneas c), d), e), supra referidos, os quais entende que, nos termos do disposto no artigo 640.º n.º1 alínea a) do CPC, foram incorretamente julgados, pois foram dados como provados apenas com base no “auto de audição”, não sendo conjugado tal meio de prova com os demais elementos de prova recolhidos; 2- O Tribunal não achou pertinente a realização de qualquer outra prova, nos termos do artigo 897.º n.º1 do CPC, ou mesmo nos termos do artigo 899.º n.º2 do CPC, pelo que cremos que não ficou com dúvidas sobre o teor do exame pericial, tendo aceite as respectivas conclusões; 3- Nos termos do artigo 640.º n.º1 alínea b) do CPC, o relatório do exame pericial realizado ao beneficiário (ref. n.º12314065 de 6-12-2021), bem como a informação clínica da UCCI “A. F.” da Santa Casa da Misericórdia de ..., de 22/10/2019, junta com a Petição Inicial, e o próprio teor do “auto de audição” de 14 de março de 2022, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; 4- Nos termos do artigo 640.º n.º1 alínea c) do CPC, da conjugação dos elementos de prova recolhida nos autos, nomeadamente da prova documental supra referida, do exame pericial cujas conclusões não fora sequer postas em causa, nos termos do 899.º n.º2 do CPC, deverá ser dado como provado, com relevância para a boa decisão da causa, o seguinte: As alíneas c) d) e e) da matéria de facto deverão passar a ter a seguinte redação: c) No dia 14-3-2022, o requerido identificou o local onde residia e as razões pelas quais ali passou a residir e identificou a sua data de nascimento, data da realização da audição e idade (auto de audição); d) No dia 14-3-2022,o beneficiário reconheceu a moeda com curso legal em Portugal, soube nomear o valor da sua pensão (auto de audição); e) O beneficiário sabe escrever, ler e efectuar cálculos simples (auto de audição); 5- Deverá ainda ser dado como provado, nos termos do artigo 640.º n.º1 alínea c) do CPC, em face do teor do relatório do exame pericial realizado ao beneficiário (ref. n.º12314065 de 6-12-2021), do teor da informação clínica da UCCI “A. F.” da Santa Casa da Misericórdia de ..., de 22/10/2019, junta com a Petição Inicial, e do próprio teor do “auto de audição” de 14 de março de 2022 que: - O requerido beneficiário apresenta períodos de confusão mental com discurso pouco estruturado e sem encadeamento lógico e défice de atenção; - O requerido beneficiário apesar de conhecer o valor facial do dinheiro e conseguir fazer cálculos simples, não consegue avaliar o montante das suas despesas, nem o custo dos mais elementares bens de consumo, remetendo essa gestão para o seu sobrinho A. S.; - O requerido beneficiário encontra-se em situação de dependência física e psíquica, por grave insuficiência cardíaca e respiratória, com deterioração cognitiva associada; - O requerido beneficiário apresenta critérios clínicos que sustentam a necessidade de acompanhamento e representação especial para gestão dos seus bens e património, interacção com as instituições públicas, sociais e bancárias e apoio, provimento e supervisão no cumprimento dos cuidados diários básicos imprescindíveis à sobrevivência, cuidados de saúde, segurança e bem-estar; - O início da sua incapacidade pode ser fixado em Outubro de 2019, altura em que a sua incapacidade se passou a registar.

6- Desta forma, salvo melhor opinião, estão verificados os pressupostos para que seja decretado o acompanhamento do requerido beneficiário, nos termos do artigo 138.º e 140.º do C.C., dado que este está impossibilitado por razões de saúde, nomeadamente pela deterioração cognitiva, de exercer de forma plena, pessoal e conscientemente os seus direitos; 7- Foi incorretamente aplicado o artigo 140.º n.º2 do C.C., desde logo porque não foi dado como provado que as filhas estivessem a prestar qualquer auxílio ou assistência ao requerido beneficiário, até porque o mesmo está, tal como a sua mulher, integrado no “Centro de Solidariedade Humana Professor ...” da Santa Casa da Misericórdia de ..., sendo que duas das suas filhas residem em França e outra reside em ..., Tábua; 8- O requerido beneficiário foi claro ao indicar o seu sobrinho A. S. para exercer as funções de acompanhante, pessoa em quem confia e “que foi sempre quem o ajudou”, como consta do auto de audição e como é referido no requerimento apresentado pela Ilustre Advogada nomeada defensora do beneficiário, em 10-11-2021, com a referência n.º12200957; 9- As medidas de acompanhamento devem cingir-se ao necessário, sendo decretadas de acordo com o caso concreto; 10- No caso em apreço, deverá ser decretado o acompanhamento do beneficiário requerido, sendo que, face ao seu estado de saúde, crê-se que o exercício dos seus direitos e o cumprimento dos seus deveres ficarão salvaguardados com a aplicação das seguintes medidas de acompanhamento: - Representação especial, devendo o beneficiário ser representado pelo acompanhante em quaisquer actos de aquisição, disposição ou oneração de bens imóveis (art. 145.º, n.º2 al. b) do C.C.); - Assistência do acompanhante no tratamento de todos os assuntos do beneficiário junto de quaisquer entidades/repartições públicas e instituições bancárias (art. 145.º, n.º2 al. e) do C.C.); - Assistência do acompanhante na deslocação a consultas médicas.

11- O início da sua incapacidade deve ser fixado em Outubro de 2019.

12- Deverá designar-se, como acompanhante do beneficiário, nos termos do artigo 143.º n.º1 do C.C., o seu sobrinho, A. S., residente na Rua de …, nº … Guimarães.

13- Deverá ser constituído conselho de família, indicando-se, para esse efeito: - A. B., nascida a - de março de 1962, residente na Travessada ...; - e C. B., nascida a - de agosto de 1964, residente em Rue …, França, ambas filhas do requerido.

14- A publicidade ao termo do presente processo deverá promover-se através de anúncio em sítio oficial e Conservatória do Registo Civil respetiva.

15- Nos termos do artigo 155.º do CC, atendendo ao actual estado de saúde e idade do beneficiário, a referida medida de acompanhamento deverá ser revista no prazo de 2 anos.

Nestes termos e noutros que Vossas Excelências doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a sentença recorrida, substituindo-a por douto Acórdão...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT