Acórdão nº 5692/20.1T8BRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 20 de Outubro de 2022

Magistrado ResponsávelFRANCISCO SOUSA PEREIRA
Data da Resolução20 de Outubro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães Apelantes: Universidade ... e M. F.

Apeladas: M. F. e Universidade ...

I – RELATÓRIO M. F., com os demais sinais nos autos, intentou a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum laboral, contra Universidade ... – doravante, designada, abreviadamente, por Universidade …, e também com os sinais dos autos -, pedindo seja esta condenada a: a). Reconhecer a existência de vínculo jurídico laboral entre ambas desde 01.04.2016; b). Pagar-lhe a retribuição mensal líquida de € 1.350,00, ou, caso assim não se entenda, a retribuição mensal líquida que totalize o valor líquido anual de € 16.200,00, ou, não se entendendo por qualquer dos indicados modos, e pelo menos, a retribuição base de € 1.479,89; c). Pagar-lhe os diferenciais de retribuição vencidos a partir de 01.02.2020 e os que vierem a vencer-se na pendência da acção, a totalizar já, à data da PI, o montante de € 4.489,12; d). Pagar-lhe os subsídios de férias e de Natal, vencidos entre 01.04.2016 e 31.01.2020, no valor de € 7.492,50; e). Pagar-lhe juros de mora vencidos, sobre as quantias mencionadas em c). e d), desde a data do respectivo vencimento e até integral pagamento.

Fundamentou as correspondentes pretensões, alegando, em síntese, que, sendo a ré uma instituição de ensino superior pública de natureza fundacional com regime de direito privado, foi admitida ao serviço da mesma no dia 01.04.2016, para exercer actividade, sob as respectivas ordens, direcção e fiscalização; que iniciou funções ao abrigo de contrato denominado “Contrato de Bolsa de Investigação”, que, contudo, correspondia, materialmente, a vínculo jurídico-laboral; que, nesse enquadramento, sempre desempenhou actividade nas instalações da ré e em horário de trabalho por esta definido, que, para além de encontrar subordinada a controlo de superiores hierárquicos, passou, a partir de 04.05.2016, a picar ponto, sendo que submetia a apreciação e aprovação daqueles seus superiores os períodos em que pretendia gozar férias, estando, também, dependente de validação por parte dos mesmos para ver justificadas das suas faltas; que no desempenho das respectivas tarefas utilizava, exclusivamente, materiais, equipamentos e instrumentos pertença da ré; que, como contrapartida da prestação a que se obrigou, recebeu, 12 vezes por ano, no período compreendido entre 01.04.2016 e 31.03.2018, a quantia mensal de € 745,00, tendo passado, a partir de 01.04.2018, a receber, o que se manteve até 31.03.2019, o valor mensal de € 980,00; que, em 01.04.2019, essa contrapartida passou a cifrar-se no valor mensal de € 1.350,00; que, para além disso, recebia mensalmente da ré o reembolso relativo ao pagamento que, mensalmente também, realizava à SS, a título de Seguro Social Voluntário e que, em Janeiro de 2020, se cifrava na importância de € 129,89; que, desde 01.04.2016 e até à actualidade, desempenhou funções administrativas e técnicas inerentes aos projectos de ensino pós-graduado da responsabilidade das Unidades de Investigação CTAC e ISISE, para além de outras previstas em planos de actividades, consistentes, tarefas essas que lhe foram atribuídas por superiores hierárquicos; que a relação mantida com a ré foi sendo, ininterrupta e sucessivamente, renovada, entidade para a qual vem trabalhando em regime de exclusividade, nisso assentando a sua única fonte de rendimento; que, tendo sido abrangida pelo Programa de Regularização Extraordinária dos Vínculos Precários – PREVPAP -, foi emitido pela CAB parecer favorável à regularização do seu vínculo, por ter essa entidade considerado que as funções que exercia satisfaziam necessidades permanentes da ré e que o vínculo com esta mantido era inadequado; que, na sequência disso, recebeu da ré proposta para a formalização do seu vínculo, com integração na carreira de técnico superior, mediante a remuneração mensal base de € 995,51, relativamente à qual, por pronúncia escrita, se manifestou em desacordo, designadamente, quanto ao valor da retribuição; que, não tendo sido atendida a posição que então manifestou, veio, sob protesto, a assinar contrato de trabalho individual por tempo indeterminado; que, por efeito da cláusula relativa à retribuição, passou a receber o valor líquido de € 771,00, que representou diminuição em € 579,00 do montante que antes auferia; que, excepcionalmente, de Fevereiro a Março de 2020, recebeu quantia a título de remanescente, que totalizou € 721,84; que, entre 01.04.2016 e 31.01.2020, nunca recebeu da ré qualquer quantia a título de subsídio de férias e de Natal; que a ré manifestou relativamente a si comportamento discriminatório, na medida em que integrou outros trabalhadores, ao abrigo do mesmo programa, em carreiras inferiores, pagando-lhes quantias superiores, sendo que, também quanto a alguns trabalhadores integrados, através de diversos despachos reitorais, autorizou a celebração de contratos por valores superiores, assim como contratou, posteriormente, novos trabalhadores para iniciarem carreiras de técnicos superiores por valores base superiores ao seu.

*Tendo-se realizado audiência de partes, malogrou-se a conciliação entre elas.

*A ré contestou as pretensões contra si formuladas, alegando, em síntese, que, não obstante tratar-se de fundação pública em regime de direito privado, encontra-se sujeita ao disposto nos artºs 47º, nº 2 e 266º, nº 2 da CPR, de que constitui concretização o estatuído no artº 134º, nºs 1 e 2 da L. nº 62/2007, de 10.09, contexto emque se encontra impossibilitada de reconhecer, motu proprio, a existência de contratos de trabalho, apenas podendo celebrá-los, de acordo com o respectivo Regulamento de Carreiras, Recrutamento e Contratação em Regime de Contrato de Trabalho de Pessoal não Docente e não Investigador, regulamento esse que demanda que, a preceder a contratação, tenham lugar processos de recrutamento e selecção prévios, em convergência com os princípios subjacentes à Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas; que o PREVPAP se apresenta como excepção ao regime a que ela, ré, se encontra subordinada, no que à contratação de trabalhadores concerne, regime esse que lhe permitiu contratar, directamente sem concurso prévio, os opositores ao procedimento do PREVPAP, cujas relações contratuais com ela, ré, cumprissem os requisitos para o efeito previstos; que a relação mantida entre ela, ré, e a autora, até à celebração de contrato de trabalho, assentou no exercício por esta de funções como Bolseira de Gestão de Ciência e Tecnologia, não passíveis de qualificação como laborais; que do regime do PREVPAP não emerge que toda a relação contratual existente fosse de natureza laboral; que o dever de reconhecimento da existência de contrato de trabalho apenas produziu efeitos imediatos, a partir da situação prevista no respectivo diploma, o que fez cumprir; que, de todo o modo, as funções exercidas pela autora sempre corresponderam ao plano de actividades inerente ao projecto que desenvolveu como bolseira, contra o pagamento da bolsa devida, para além de que a autora nunca esteve sujeita a poder disciplinar e a mobilidade; que, para além de o vínculo mantido com a autora, até à data da regularização, não ser laboral, ainda que viesse a entender-se de contrário, nunca isso teria por efeito que a retribuição devesse ter sido fixada pelo valor que a mesma propugna, posto que o vínculo não se encontrava, naquela data, nesses termos formalizado; que, de todo o modo, a considerar-se que a autora deveria beneficiar da aplicação do nº 2 do artº 14º da L. nº 112/2017, isso apenas poderia conduzir a que a respectiva retribuição se fixasse no valor mensal de € 1.157,14 e não no montante que reclama, sob pena de se sufragar o entendimento, desprovido de base legal, de que o regime do PREVPAP consente o aumento de retribuições; que, de todo o modo, vindo a entender-se que o valor da retribuição devida à autora é aquele que peticiona, sempre o mesmo deve ser tomado como ilíquido, por a bolsa passar a revestir natureza retributiva, com consequente dedução dos valores devidos a título de IRS e de quotizações para a SS; que o valor pago a título de seguro social voluntário não deve integrar o conceito retributivo, por se tratar de contribuição facultativa e não de contrapartida pela disponibilidade para o trabalho; que a interpretação proposta pela autora do regime do PREVPAP, e que o ultrapassa, é inconstitucional, por violação do que se dispõe no artº 47º, nº 2 da CRP, o que se estende às pretensões que formulou relativamente à condenação no pagamento dos subsídios de férias de Natal.

Concluiu, pugnando pela respectiva absolvição.

Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença cujo dispositivo é o seguinte: “a). Condenar a ré Universidade ... a: i. Reconhecer a existência de contrato de trabalho entre ela e a autora desde 01.04.2016, com efeitos, para além da antiguidade, reportados a essa data; ii. Fixar a retribuição base mensal da autora no montante ilíquido de € 1.350,00 – sujeito, portanto, ao tratamento fiscal e para a segurança social aplicável aos trabalhadores -, com efeitos a partir de 01.02.2020, e sem prejuízo da progressão salarial a que tiver direito; iii. Pagar à autora a diferença entre o valor da retribuição mensal ilíquida reportada em ii. e o valor ilíquido que, desde a formalização do contrato de trabalho, lhe tem vindo a pagar - com oportuna dedução, depois de apurados os valores líquidos que, na sequência do tratamento fiscal e para a segurança social, se impõe realizar, da quantia recebida pela autora nos referidos na al. u) da materialidade que se deu por assente; iv. Pagar à autora os subsídios de férias e de Natal desde de 2016 – quanto a este ano, proporcionalmente ao tempo de serviço prestado – até 31.01.2020, incidindo sobre os respectivos montantes ilíquidos as deduções fiscais e contributivas para a SS a que se encontram legalmente sujeitos os trabalhadores; v. Pagar juros de mora, à taxa supletiva legal...

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