Acórdão nº 5927/20.0T8BRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 06 de Outubro de 2022

Magistrado ResponsávelRAQUEL REGO
Data da Resolução06 de Outubro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acórdão no Tribunal da Relação de Guimarães I – RELATÓRIO N. L., residente na Rua …, Braga, intentou a presente ação declarativa comum contra BANCO ..., S.A., com sede na Rua …, Lisboa, peticionando a condenação do réu: a) a pagar-lhe a quantia de €10.247,85, acrescida de juros de mora, à taxa comercial, ou, subsidiariamente, a quantia de €8.197,96€, sempre com juros de mora, à taxa comercial, contados desde a citação e até integral pagamento; b) a abster-se de debitar a conta do autor a título de comissões de manutenção da conta e a restituir as debitadas.

Alega que, no âmbito do relacionamento bancário que veio a estabelecer com o réu, veio a ser-lhe por este apresentada uma recomendação de investimento num conjunto de instrumentos financeiros, proposta a que aderiu, sendo que, em 24/2/2020, apercebendo-se da queda de cotação dos valores mobiliários que adquiriu, veio a decidir vendê-los, tendo para tanto, nesse dia, pelas 12horas, dado ao réu uma ordem de venda de onde constavam os valores pelos quais os valores mobiliários seriam vendidos, e que eram os publicitados no site do réu banco, num total de 457.389,35€, ordem de venda que o réu não cumpriu pois que vieram a ser-lhe creditados na conta apenas 439.636,77€, sendo certo que as cotações publicitadas pelo réu no seu site foram determinantes para a decisão de venda tomada, pelo que entende o réu que deverão ser essas cotações “consideradas para quantificação do dano”.

Que, de todo o modo, houve um atraso na execução da ordem de venda transmitida pois que, se o réu banco tivesse usado da diligência que lhe era exigida, a ordem de venda teria sido executada no próprio dia, relativamente a certos fundos, e no dia seguinte, quanto aos demais, sendo que, nesse caso, o autor teria a receber o valor total de 455.339,46€, tendo o réu aceitado já indemnizá-lo parcialmente pela execução tardia da ordem, creditando-lhe na conta o valor de 7.504,73€, estando ainda em falta, contudo, o valor de 8.197,96€.

Por fim, alegou que o réu banco, em retaliação pela não aceitação da proposta de indemnização, passou a cobrar-lhe mensalmente uma comissão de manutenção da conta e respetivo imposto, comissão essa que não foi contratualizada sendo que, de todo o modo, a sua cobrança constituiria um venire contra factum proprium uma vez que nunca foi cobrada durante anos.

Citado, contestou o réu invocando que os valores de cotação por si publicitados são reprodução da informação divulgada por entidades que atuam nos mercados e resultam da atualização feita pelas entidades gestoras dos fundos, sendo meramente indicativos, o que o autor sabia, não podendo, por isso, ser responsabilizados pelas variações que ocorreram entre a data em que o autor emitiu a ordem de venda e aquela em que ela foi executada, ocorrendo o resgate a preço desconhecido.

Mais admitiu ter ocorrido um atraso na execução das ordens de venda, que só veio a concretizar-se em 27/2/2020, o que foi motivado por ocorrência de falhas técnicas, que obstariam, nos termos do contrato celebrado entre as partes, à sua responsabilização; não obstante aceitou creditar na conta do autor o valor correspondente à diferença de cotação entre o dia 25/2/2020 e o dia em que veio a efetivar-se a execução, pelo que o autor não sofreu assim qualquer prejuízo.

Por fim, argui que as comissões por si cobradas estão contratualmente fixadas e os seus preçários amplamente publicitados, sendo que o autor só estaria isento do pagamento daquelas comissões sempre que tivesse depósitos e investimentos superiores a €500.000,00.

Em resposta, o autor veio impugnar a factualidade relativa à ocorrência das falhas técnicas e aduzir que não lhe foram comunicadas as cláusulas contratuais que preveem a alegada desresponsabilização do réu pela sua ocorrência, por cuja nulidade pugnou.

Mais disse que, nos anos de 2018 e até Outubro de 2020, não lhe foram cobradas comissões, não obstante os montantes por si depositados não atingissem o valor indicado pelo contestante.

Os autos seguiram os seus termos e, a final, veio a ser proferida sentença que, julgando totalmente improcedente a ação, absolveu o réu do pedido.

Com ela não se conformando, veio o autor interpor a presente apelação e, face a ela, o réu requereu a ampliação do recurso.

Termina o autor, em prolixas conclusões, no que, agora, releva, posto que a rectificação do valor da causa foi objecto de decisão no despacho prévio à admissão do recurso, sem impugnação: Objeto da ação. Causas de pedir e pedido.

  1. A ação trata de três questões, sendo que as a que se referem aos pedidos formulados nas alíneas c) e d) deixaram de se discutir, por desistência dos pedidos (conforme requerimento com a ref. 39248973, de 22.06.2021).

  2. A 1ª questão, cuja causa de pedir que sustenta o pedido principal (formulado na alínea a)) funda-se no incumprimento do contrato de consultoria para investimento e mandato sem representação; subsidiariamente a causa de pedir funda-se no incumprimento das “condições particulares de comercialização” dos fundos.

  3. A 2ª questão - que envolvia uma causa de pedir e dois pedidos (um principal e outro subsidiário) - como se assinalou terminou com a com a desistência dos pedidos.

  4. A 3ª questão envolve a cobrança ilícita de uma comissão de manutenção da conta - cobrança iniciada em retaliação pelo facto do A. ter reclamado dos ilícitos danosos praticados pelo R e não ter aceitado uma proposta de acordo do R.

    A douta decisão e a razão da discordância 11. A douta sentença julgou a ação totalmente improcedente, por considerar que a violação do dever informação por parte do intermediário financeiro ao publicitar cotações de unidades de participação de fundos com valores incorretos constituiu um ilícito, mas que não gerou dano ao A.

  5. Salvo melhor opinião, não é esse o facto gerador de responsabilidade civil contratual - ainda que a defeituosa informação publicitada tenha concorrido para o dano sofrido - mas sim o incumprimento do princípio da pontualidade (art 406º do CC).

  6. O pedido subsidiário - que tem a ver com a interpretação das condições de comercialização dos fundos de investimento - entronca com o deficiente cumprimento do dever de informação pelo intermediário financeiro.

  7. Quanto à questão da cobrança de comissão de manutenção de conta discorda-se do decidido, porque o banco não a poderia cobrar - por um lado, durante o julgamento, apurou-se que nem sequer existia cláusula contratual que o admitisse; por outro lado, mesmo que ela existisse, que não existia, o banco, depois de a ter transformado em “letra morta” não a poderia “ressuscitar”, unilateral e retroativamente, em retaliação ao facto do A não ter aceitado a proposta de acordo do R.

  8. Acresce que a alegação da testemunha Dr O. N. de que o banco, através do extrato de conta, avisou o cliente de que passaria a cobrar a comissão se o R não se opusesse no prazo de 60 dias, não pode ser aceite por duas razões: (i) o extrato não foi junto aos autos, portanto, desconhece-se se o banco manifestou essa intenção ao A (ii) a falta de resposta do R não pode ser interpretado como anuência à cobrança da comissão, porque, nos termos do art 218º do CC, o silêncio, neste caso, não tem valor declarativo.

    Objeto do recurso 16. O recurso tem por objeto o pedido de alteração de respostas a factos provados e não provados e a análise jurídica das questões antecedentemente referidas.

  9. Os factos cuja alteração se requer são os seguintes: factos provados F), Q), R), S, U, X, Z, BB, CC e FF e os não provados 1, 2, 3, 5, 6, como adiante se explicitará.

    Análise crítica da motivação/fundamentação das respostas dadas à matéria de facto.

  10. Aborda-se agora a douta fundamentação da decisão de facto e os pontos em que divergimos para o que faremos uma análise crítica dos documentos relevantes e dos depoimentos prestados (prova testemunhal e por declarações de parte).

    Começando pela prova documental 19. DOC 3 e 4 da pi - a “consultoria global para investimento”/”desinvestimentos propostos” e as “ordens de resgate” são dois contratos financeiros coligados. O documento “consultoria global para investimento”/”desinvestimentos propostos” configura um aconselhamento personalizado, dirigido ao A., para alienar, ao preço recomendado, os fundos aí identificados - trata-se do contrato financeiro de “consultoria para investimento” previsto e regulado nos art 290º, nº1, alínea f) e art 294º do CVM. O DOC 3 diz-nos que o A aceitou a recomendação de desinvestimento proposta aos preços nela indicados pelo R. O documento está assinado pelo A e pelo R. Os documentos denominados “ordem de resgate” e “resgate/reembolso de fundos” (DOC 4) integram o contrato financeiro de “receção, transmissão e execução de ordens por conta de outrem” - contrato financeiro regulado nos art 290º, nº1, alíneas a) e b) e 325º a 334º do CVM. Das ordens de resgate constam o nome dos fundos, o ISIN e o número de unidades de participação a vender e estão assinadas pelo A e pelo R. Não obstante os contratos a que se referem os DOC 3 e 4 serem autónomos, estão coligados, pelo que devem ser lidos em conjunto. Deles resulta o vínculo do intermediário financeiro/o banco réu de executar o mandato de venda dos fundos aos preços recomendados pelo R e aceites pelo A.

  11. DOC 5 da pi - extrato de conta com o valor creditado (venda dos fundos) - €:439.636,77; 21. DOC 10 da pi - carta do R de 24.03.2020 que invoca uma falha técnica no cumprimento da ordem de venda; relativamente ao fundo AÇÕES ... diz que não a puderam executar no dia em que a deveriam executar por ter sido feriado no dia 25.2.2020.

  12. DOC 11 da pi - carta do banco 24.04.2020 que refere que os valores de liquidação dos fundos não coincidem com os valores publicitados no site do banco porque as cotações publicitadas são indicativas e a sua atualização compete às sociedades gestoras e não ao réu. Dos DOC 30 e 32 da pi resulta o contrário: na cláusula IV (incentivos) é dito que a entidade comercializadora do fundo (o réu) recebe uma comissão do...

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