Acórdão nº 97235/21.1YIPRT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 06 de Outubro de 2022

Magistrado ResponsávelJOSÉ AMARAL
Data da Resolução06 de Outubro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães I. RELATÓRIO [1] O Hospital Privado de …, SA, em 13-10-2021, mediante procedimento injuntivo, pediu a notificação de R. P.

para que este lhe pagasse a quantia de 8.552,16€, sendo de 8.253,38€ o valor da prestação principal e respeitando o valor restante a juros, taxa e custos administrativos.

Indicou, no formulário, tratar-se de “contrato com consumidor” e não “transacção comercial”, especificando “contrato de fornecimento de bens ou serviços” [2].

Alegou, no requerimento respectivo, apenas, que “é um Hospital Privado certificado que se dedica à gestão e prestação global de serviços de saúde, de diagnóstico e terapêutica em todas as suas vertentes, bem como serviços de formação, de desenvolvimento profissional e de investigação”; que, “no exercício da sua actividade comercial”, “forneceu bens e serviços ao Requerido, designadamente: quarto privado - em medicina, medicina interna - cons. em internamento, proteção de covid19 - internamento, medicamentos, rx tórax, pulmões e coração 2 incidências, medicina interna - cons. em internamento, tac - crânio ou coluna, medicina interna - cons. em internamento, agulha irrecuperável, análises ao sangue, seringas, entre muitos outros”; que “no âmbito da referida prestação de bens e serviços”, “emitiu e enviou ao requerido” as facturas que identifica, mas apesar de o requerido “ter recebido e aceite” as mesmas, “apenas as liquidou parcialmente com o adiantamento de 500,00€”.

O requerido deduziu oposição, na qual alegou, resumindo, que, tendo 82 anos, padecendo de “quadro demencial avançado”, estando aos cuidados de um Lar de Terceira Idade, mas em função do agravamento súbito do seu estado de saúde, em 28-06-2021, foi conduzido ao Hospital do autor, onde permaneceu até 26-07-2021.

A sua família “apenas o escolheu” por o requerido ser beneficiário do “Serviço de Assistência Médico-Social do Sindicato Nacional dos Quadros e Técnicos Bancários” (SAMS/QUADROS) com o qual “tem acordo”, sendo que, no caso de não existir “cobertura”, o requerido não entraria nem ficaria naquele Hospital, do que este “era sabedor”, antes da admissão, “tendo assumido … a obrigação de accionar aquele serviço assistencial”.

Todos os contactos e diligências junto do SAMS, necessários para a “cobertura dos custos” dos cuidados a prestar ao requerido, foram feitos directamente entre as duas entidades, sendo do Hospital o encargo de enviar toda a documentação exigida, nada tendo sido dito à família quanto à necessidade de esta “providenciar fosse o que fosse junto do SAMS”.

Das três facturas, uma nem sequer lhe foi enviada.

Os 500,00€ foram exigidos à sua família, como caução, no momento da entrada, e aquela, consideradas as circunstâncias e apesar de não saber a que título, pagou-os, tendo sido depois unilateralmente imputado pelo Hospital numa das facturas emitidas.

Mais alegou, sob o título “Da falta de responsabilidade subjectiva do Requerido”, nos itens 17 a 29 do seu articulado, o seguinte: “17. Conforme se pode ler no respectivo Regulamento, o Serviço de Assistência Médico Social do Sindicato Nacional dos Quadros e Técnicos Bancários tem como objectivo a protecção e assistência dos seus beneficiários na doença e na parentalidade e em situações de carácter social relacionadas com aquelas, usa a sigla SAMS/QUADROS e tem natureza complementar do Serviço Nacional de Saúde (SNS), conforme decorre do disposto nos Instrumentos de Regulamentação Colectiva de Trabalho (Acordo Colectivo de Trabalho do sector bancário, Acordos colectivos de trabalho, Acordos de Empresa e outros similares) – cfr. doc. n.º 4.

  1. Lê-se no artigo 13.º daquele documento que a assistência aos beneficiários titulares se exerce, nomeadamente, através “de comparticipações por despesas efectuadas nos domínios e nos termos previstos no presente Regulamento”.

  2. E, no artigo 15.º, n.º 1, que tal assistência, quando revista o carácter de “Médica”, compreende. e.a.: a) consultas; b) meios auxiliares de diagnóstico; c) assistência medicamentosa; d) intervenções cirúrgicas; e) assistência hospitalar.

  3. Resulta das disposições combinadas dos artigos 15.º-D, alínea b), 15.º F e 18.º que, na rede convencionada, a base de comparticipação será genericamente de 80% sobre as despesas efectuadas pelos beneficiários, não podendo exceder o valor de 80% sobre a tabelas SAMS/QUADROS ou os limites de incidência estabelecidos.

  4. Sendo que o n.º 4 do artigo 18.º prevê uma comparticipação adicional quando o beneficiário titular não esteja inscrito noutro subsistema e não seja detentor de seguro de saúde ou outro equiparado.

  5. O artigo 40.º, porém, prevê que a comparticipação no caso de internamento hospitalar em estabelecimento particular, é de 100% para a diária, de 60% para a instrumentação operatória, de 80% para materiais e de 90% para medicação (cfr., novamente, o doc. n.º 4).

  6. No que respeita à forma de processamento da comparticipação, apesar de, em regra, esta se processar no regime de reembolso, do artigo 41.º resulta que assim não será quando o beneficiário titular for portador de um termo de responsabilidade emitido pelo SAMS (cfr., novamente, o doc. n.º 4).

  7. Este termo, deverá normalmente ser pedido com a antecedência mínima de sete dias úteis, mas, em situações emergência médica, deverá ser recepcionado nos serviços do SAMS Quadros, até 72 horas após a data de entrada na entidade hospitalar – cfr. a informação constante do site (cfr. o documento n.º 5).

  8. Conforme já alegado, o Requerente faz parte da rede convencionada SAMS/QUADROS, o que ambas as entidades anunciam publicamente, desde logo, nos respectivos sites de internet (cfr. os docs. n.ºs 6 e 7).

  9. Dos termos do acordo entre o Requerente e o SAMS/QUADROS e face às verbas constantes da factura, pode ter relevo para o caso em apreço o seguinte: - “Pneumologia (Serviços de) - O Beneficiário está isento de pagamento, havendo lugar a posterior encontro de contas”; - “Radiodiagnóstico - O Beneficiário está isento de pagamento, havendo lugar a posterior encontro de contas”; - “Serviços Cárdio-Vasculares - O Beneficiário está isento de pagamento, havendo lugar a posterior encontro de contas”; - “Tomografia Axial Computorizada (TAC), O Beneficiário está isento de pagamento, havendo lugar a posterior encontro de contas”; - Urgências / SMAP - O Beneficiário está isento de pagamento, havendo lugar a posterior encontro de contas” - “Patologia Clínica - O Beneficiário está isento de pagamento, havendo lugar a posterior encontro de contas” (cfr., novamente, o doc. n.º 7).

  10. Daqui resulta que, desde o momento em que o Requerido deu, de urgência, entrada no Hospital Requerente, a responsabilidade pelos custos inerentes ao internamento e a todos os actos médicos, materiais, medicamentos, elementos complementares de diagnóstico, etc., se encontrava efectivamente transferida para o SAMS/QUADROS, por força dos particulares termos do acordo celebrado entre este e o Requerente, sem prejuízo de “posterior encontro de contas” entre o aqui Requerido e o SAMS/QUADROS.

  11. Ou seja, quando muito, o SAMS/QUADROS poderia exigir ao Requerido a restituição do que tivesse a esse título tivesse eventualmente pagado a mais do que o que devia ao Requerente.

  12. Face a isso, não incide sobre o Requerido qualquer responsabilidade subjectiva no pagamento dos valores peticionados nesta sede, já que, o Requerente e o SAMS acordaram que a responsabilidade seria desta segunda entidade.” Observando também que o Hospital não facturou os primeiros 7 dias de internamento e daí deduzindo que os imputou ao SAMS/QUADROS, mais aludiu, de seguida, aos contactos havidos ou à falta deles, à postura, activa ou omissiva, daquele, mormente com a família do requerido, à qual nada comunicou, não colaborando com ela apesar de instado a prestar-lhe esclarecimentos, com o que “impediu o Requerido e a sua família de tomar decisões informadas acerca do local onde o Requerido iria receber os seus cuidados, apesar de saber que era essencial para a referida escolha que o custo estivesse «coberto» pelo acordo com o SAMS.” Salientou que “não celebrou com a Requerente qualquer contrato que a habilitasse a celebrar serviços fora daquele regime assistencial” (artigo 49), que “a declaração negocial do Requerido foi inequivocamente no sentido de a prestação de serviços [ser] enquadrada no regime SAMS/QUADROS de que ele é beneficiário” e, portanto, que “não houve qualquer declaração negocial no sentido de se formar contrato que permitisse ao Requerente cobrar-se de outros serviços fora desse regime”, falta esta, que além da referida irresponsabilidade subjectiva, acarretará a improcedência da acção.

    Ainda sob a epígrafe de “excepção peremptória”, nos itens 53º a 60º, alegou o requerido: “53. Como resulta do exposto, o Requerente não teve os cuidados devidos, nem prestou as informações a que está legalmente obrigado, mantendo-se em absoluto silêncio e depois retardando durante três dias a prestação de informação relevante (cfr. o doc. n.º 9).

  13. Mais do que isso, o Requerente imputa ao SAMS/QUADROS um putativo silêncio que, afinal, se ficou a dever ao seu próprio comportamento – recorde-se que o Requerente não procedeu ao envio de documentos essenciais para que o SAMS/QUADROS se pudesse pronunciar perante o pedido apresentado.

  14. Um prestador de cuidado de saúde é uma entidade que opera numa área especialmente sensível, particularmente regulada e que está sujeita a obrigações – quer legais, quer de conduta ética – reforçadas.

  15. Ora, a postura adoptada pelo Requerente é muito pouco compatível com essas obrigações.

  16. Mais: o Requerente não ignora que os serviços que presta são, pelo menos para o cidadão comum, muitíssimo onerosos.

  17. No caso concreto, sabia da preocupação do Requerido com os custos, tanto que este se informou, previamente e apesar da urgência, acerca do acordo do Requerente e o SAMS/QUADROS.

  18. O Requerido deveria ter a oportunidade de, livre e esclarecidamente, escolher...

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