Acórdão nº 423/21.1T8LRA..G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 13 de Outubro de 2022

Magistrado ResponsávelALCIDES RODRIGUES
Data da Resolução13 de Outubro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães I. Relatório X, S.A. interpôs acção declarativa de condenação, com processo comum, contra J. F., pedindo: 1) A condenação do Réu a restituir à Autora a quantia de 5.100,00 €, pela utilização que fez do veículo OR, em consequência da resolução do contrato de compra e venda, acrescida de juros vencidos a contar da citação até efetivo e integral pagamento; ou caso assim se não entenda, 2) A condenação do Réu condenado a restituir à Autora a quantia de 5.100,00 €, pela utilização que fez do veículo OR, a título de enriquecimento sem causa e pelo desgaste provocado no veículo por essa utilização, acrescido dos juros vencidos desde a citação até efetivo e integral pagamento.

Para tanto, e em síntese, alegou que, no exercício da sua actividade comercial, vendeu ao R., em 09/03/2017, uma viatura automóvel de matricula OR, pelo preço de € 4.380,00, sendo que se veio a constatar a existência de defeitos na referida viatura, na sequência do que o R. instaurou acção judicial contra a A. e tal contrato acabou por ser resolvido.

Por sentença transitada em julgado proferida no Processo n.º 1114/18.6T8CHV, foi declarado resolvido o contrato de compra e venda da viatura automóvel e por força da resolução contratual foi a ré (ora Autora) condenada a restituir ao autor (ora Réu) o preço pago no valor de 4.000,00 € acrescidos de juros à taxa legal de 4% desde a citação e até efectivo e integral pagamento, e devendo o autor (ora Réu) proceder à entrega da viatura à Ré (ora Autora) no estado em que a mesma se encontrava.

No dia 22/07/2019, o R. restituiu a viatura à A. e esta por sua vez restituiu-lhe o valor mencionado, mas a viatura foi restituída com mais 2.396Kms, sendo que o R. circulou com a mesma durante 204 dias, até esta ficar imobilizada, pelo que deve restituir agora à A. o valor dessa utilização, na quantia de € 5.100,00, considerando o aluguer de um veículo semelhante àquele no mercado, designadamente € 25,00 diários.

*Citado, contestou o Réu, pugnando pela improcedência da acção e pedindo a condenação da A. em litigância de má fé.

Alegou para o efeito não ter havido qualquer enriquecimento do R. à custa da A. antes pelo contrário, uma vez que a viatura estava em péssimo estado não tendo ocorrido qualquer desvalorização do veículo.

*Dispensada a audiência prévia, foi proferido despacho saneador, onde se afirmou a validade e regularidade da instância, com dispensa da elaboração do despacho a que alude o art. 596º do CPC tendo ainda sido admitidos os meios de prova.

*Procedeu-se à realização da audiência de julgamento.

*Posteriormente, a Mm.ª julgadora “a quo” proferiu sentença, nos termos da qual julgou a acção totalmente improcedente e, em consequência, decidiu absolver o Réu de todos os pedidos formulados pela Autora.

Mais decidiu julgar totalmente procedente o incidente de litigância de má-fé deduzido pelo R. na sua contestação e condenar a Autora como litigante de má-fé, no pagamento de uma multa processual no valor de 3 (três) UC e em indemnização a favor do Réu no valor de € 1.000,00.

*Inconformada, a autora interpôs recurso dessa sentença e, a terminar as respetivas alegações, formulou as seguintes conclusões (que se transcrevem): «1) Conforme resulta de fls., a Autora/ Recorrente intentou contra o Réu, aqui Recorrido, a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, alegando o que acima se transcreveu; 2) Tendo sido citado da ação, o Réu apresentou a sua contestação, alegando o que consta de fls.; 3) A Autora, ao abrigo do princípio do contraditório, alegou o que acima se transcreveu; 4) Realizou-se a Audiência de Julgamento; 5) Por Sentença de fls., a Meritíssima Juiz decidiu o acima transcrito; 6) Em virtude da resolução contratual do negócio celebrado entra a Autora e o Réu, deveria ter sido restituído tudo o que havia sido prestado, como se o negócio jurídico não se houvesse realizado; 7) O artigo 289º, n.º 1, do C. Civil, estipula que tanto a declaração de nulidade como a anulação do negócio têm efeito retroativo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente; 8) Nos presentes autos, conforme alegado e provado, a Autora, restitui o valor pago pelo veículo adquirido ao Réu, conforme lhe fora ordenado por sentença e de acordo com o peticionado pelo mesmo; 9) O Réu não procedeu à devolução do referido veículo no estado em que o mesmo lhe havia sido entregue; 10) O Réu usufruiu e fez uma utilização do veículo durante 204 dias, tendo efetuado 2.396 km com o mesmo; 11) Utilização essa que foi feita na sequência e em consequência da celebração do negócio que posteriormente veio a ser resolvido; 12) O Autor utilizou e continuou a utilizar a viatura desde a data da compra até à data em que ficou imobilizado 29/09/2017; 13) Essa utilização configura um benefício que terá que ser ponderado pelo tribunal sob pena de existência de um enriquecimento sem causa (artigo 473º, do C. Civil) por parte do Réu; 14) Aquando da resolução contratual deveria ter sido restituído o veículo, mais o valor correspondente ao uso e fruição do veículo pelo Réu, nesse período de tempo; 15) Não podendo restituir o veículo no estado que se encontrava à data da venda, há-de entregar o veículo e o montante correspondente à desvalorização que sofreu durante o tempo que foi utilizado, o que corresponde à diferença entre o seu valor à data da venda anulada e o valor que o mesmo tinha à data em que ficou paralisado; 16) Deveria ter sido considerado a desvalorização da viatura decorrente da utilização da viatura pelo Réu durante os 204 dias; 17) Entendendo a Meritíssima Juiz que o valor seria excessivo, poderia relegar o mesmo para liquidação de sentença; 18) Não o tendo feito cometeu uma nulidade, nulidade que desde já e aqui se requer, com todas as consequências legais daí resultantes; 19) A Autora foi condenada em litigância de má-fé em multa no valor de 3 UCs e em indemnização ao Réu, no valor de 1.000,00 €; 20) Não pode a Autora, salvo o devido respeito, aceitar tal decisão; 21) A Autora não litigou de má-fé, nem tão pouco fez ou faz um uso reprovável do processo; 22) A Autora apenas pretende ver ressarcido do seu direito, nomeadamente de ser ressarcido da desvalorização do veículo, pelo uso do mesmo pelo Réu, durante 204 dias, tendo efetuado 2.396 km, com o mesmo; 23) Como impõe a lei, quando opera a resolução contratual, há que restituir tudo o que houver prestado; 24) A Autora entregou ao Réu um veículo com 193.000 kms, sendo que o mesmo foi restituído à Autora, com mais 2.396 kms; 25) Não podendo ser restituído em espécie, deve ser restituído o valor corresponde, ou seja, deve ser restituído o valor correspondente à desvalorização do veículo, uso e fruição do mesmo pelo Réu, através do enriquecimento sem causa; 26) Daí que a Autora tenha proposto a presente ação, a fim de se ver ressarcido do valor correspondente à desvalorização e uso e fruição do veículo pelo Réu; 27) Pelo que a Autora não litigou de má-fé; 28) Não se fez prova de que a Recorrente tenha agido com má-fé e muito menos com negligência grave; 29) Não se podem condenar a Recorrente como litigante de má-fé e no pagamento de indemnização só pelo facto de existir uma “suposição” nesse sentido; 30) Para que a condenação como litigante de má-fé da Recorrente se verifique à luz do artigo 542º do CPC, é necessário que o uso desse meio processual se mostre manifestamente reprovável e que a Recorrente proceda com o fim de conseguir um objetivo ilegal ou entorpecer a ação da justiça ou de impedir a descoberta da verdade; 31) A má-fé traduz-se, em última análise, na violação do dever de cooperação e de probidade que o artigo 5º, do CPC, impõe às partes; 32) O que na realidade não aconteceu; 33) Diz-se litigante de má-fé, segundo o disposto no artigo 542º nº 2 do C.P.C., quem com dolo ou negligência grave, tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia de ignorar a) tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa; b) tiver praticado omissão grave do dever de cooperação; c) ou tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente, reprovável, com o fim de conseguir um objeto ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão; 34) A má-fé traduz-se, em última análise, na violação do dever de cooperação que se impõe às partes; 35) O que na realidade não aconteceu; 36) O reconhecimento de uma litigância de má-fé tem de identificar-se com situações de clamorosa, chocante, ou grosseiro uso dos meios processuais, por tal forma que se sinta que, com a mesma conduta, se ofendeu ou pôs em causa a imagem da justiça; 37) A Autora não alterou a verdade dos factos, apenas pretende ver ressarcida da desvalorização do veículo, pelo uso e fruição pelo Réu, que deu causa à presente ação; 38) Não significando também, que a Recorrente agiu com dolo ou negligência grave, violando assim o princípio da cooperação; 39) Quer da matéria alegada pelas partes, quer da matéria dada como provada não se poderá inferir que a Recorrente tenha litigado de má-fé e através de dolo processual, mas única e exclusivamente não logrou provar a sua versão dos factos, não significando com isto que esta seja falsa; 40) Não faz sentido que a Recorrente seja condenada como litigante de má-fé, só porque alegou uma versão dos factos desigual à do Réu, e a Meritíssima Juiz não considerou como provados tais factos; 41) Da versão diferente do Réu apenas resulta que é diferente, não que se demonstrasse o contrário, tudo se passando como se os factos não tivessem sido articulados; 42) A Recorrente não agiu com dolo, requisito essencial para a condenação como litigantes de má-fé; 43) Não poderá ser a Autora condenada em qualquer indemnização à parte contrária, em virtude má-fé da...

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