Acórdão nº 1103/18.0T8VCT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 13 de Outubro de 2022

Magistrado ResponsávelEVA ALMEIDA
Data da Resolução13 de Outubro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES I – RELATÓRIO J. B., J. A., M. B., M. F., J. P., F. P., J. L., R. M., L. C., M. H., R. B., L. B. e M. I. instauraram contra Companhia de Seguros X, S.A. (hoje Y Seguros, S.A.) a presente acção declarativa de condenação, pedidindo que a ré seja condenada a pagar-lhes a quantia global de € 124.692,00, nas proporções mencionadas no petitório e nos termos que aqui se dão por integralmente reproduzidos.

Requereram ainda a intervenção principal de A. B., A. P., M. M., M. N. e C. M., como suas associadas.

Alegaram, para tanto e em síntese, que, juntamente com aqueles, cuja intervenção requerem, são herdeiros (irmãos e sobrinhos) de C. B., falecida no dia ..-4-2013, no estado de viúva, sem descendentes ou ascendentes, em consequência de um acidente de viação ocorrido no dia 10-4 2013, em ..., Viana do Castelo, acidente cuja dinâmica descrevem e que imputam a I. M., condutora do veículo pertencente ao Centro Social da Paróquia de ..., onde a vítima era transportada.

A referida condutora foi condenada pelo crime de homicídio negligente de C. B., por sentença proferida no processo 46/13.9TAPTB, do Tribunal de Viana do Castelo, e confirmada por este Tribunal da Relação.

A ré era a Companhia de Seguros para quem se mostrava transferida a responsabilidade civil por danos causados a terceiros com a circulação do veículo onde a falecida C. B. era transportada e de quem exigem os referidos valores, a título de indemnização pelo dano de perda do direito à vida, danos morais sofridos pela vítima e pelos autores.

*A ré contestou, invocando a ilegitimidade dos autores para reclamarem o pagamento da indemnização, por não serem os únicos herdeiros da falecida C. B., impugnou diversos dos factos alegados na P.I. relativos à dinâmica do acidente. Bem como, no sentido de ilidir a presunção resultante da sentença criminal, alegou que, ou a morte da malograda C. B. não se ficou a dever a lesões sofridas no acidente ou então é imputável a omissão do Hospital ..., que lhe deu alta no próprio dia, assim se quebrando o nexo de causalidade entre as eventuais lesões decorrentes do acidente e a sua morte.

Requereu a intervenção principal (ou, subsidiariamente, acessória) da ULS ... - Unidade Local de Saúde ..., E.P.E., como sua associada.

*Entretanto, os autores requereram a apensação aos presentes autos da acção declarativa com processo comum, que corria termos sob o número 2014/14.4TBVCT, tendo o pedido de apensação sido deferido por despacho constante de fl. 142 (07.09.2018), assim ficando prejudicado o requerimento de intervenção principal que haviam deduzido.

*Na acção apensa, instaurada por A. B., A. P., M. M., M. N. e C. M. contra Companhia de Seguros X, S.A. (hoje Y Seguros, S.A.), as autoras peticionaram a condenação da ré a pagar-lhes a quantia global de €40.000,00, nas proporções mencionadas no petitório e nos termos que aqui se dão por integralmente reproduzidos.

A ré contestou, por excepção dilatória, invocando a violação do princípio da adesão, atenta a pendência de um processo-crime sobre o evento danoso e a ilegitimidade das Autoras, por impugnação motivada e por excepção peremptória de direito material.

Igualmente requereu a intervenção principal (ou, subsidiariamente, acessória) da ULS ... – Unidade Local de Saúde ..., E.P.E., como sua associada.

Foi admitida a intervenção acessória da ULS ... – Unidade Local de Saúde ..., E.P.E.

A excepção dilatória foi julgada improcedente por decisão confirmada por acórdão desta Relação.

*Nos autos principais, em sede de audiência prévia foi o pedido de intervenção acessória da ULS ... admitido, como já o fora na acção apensa, tendo o respectivo ilustre mandatário declarado que reiterava neste processo a posição assumida no articulado apresentado na acção apensa.

Foi proferido despacho saneador, no âmbito do qual se decidiu que o conhecimento da invocada excepção dilatória de ilegitimidade ficou prejudicado com a supra-referida apensação.

Delimitou- se o objecto do litígio e seleccionaram-se os temas de prova.

*Realizou-se a audiência de julgamento, proferindo-se a final sentença em que se decidiu: « Em face do exposto, julgo a acção proposta por J. B., J. A., M. B., M. F., J. P., F. P., J. L., R. M., L. C., M. H., R. B., L. B. e M. I. contra Companhia de Seguros X, S.A. (hoje Y Seguros, S.A.), parcialmente procedente, por parcialmente provada, e, consequentemente, condeno a Ré Y – Companhia de Seguros, S.A. a pagar aos Autores a quantia global líquida de € 98.334,00, acrescida de juros contados desde a data da prolação da presente decisão, à taxa legal de 4%, até integral e efectivo pagamento.

Em face do exposto, julgo a acção proposta por A. B., A. P., M. M., M. N. e C. M. contra Companhia de Seguros X, S.A. (hoje Y Seguros, S.A.), parcialmente procedente, por parcialmente provada, e, consequentemente, condeno a Ré Y – Companhia de Seguros, S.A. a pagar às Autoras a quantia global líquida de € 1.666,66, acrescida de juros contados desde a data da prolação da presente decisão, à taxa legal de 4%, até integral e efectivo pagamento.

Absolvo a Ré do restante peticionado.

Custas das acções na proporção do decaimento, sem prejuízo do decidido administrativamente quanto ao apoio judiciário.»*Inconformada com o decidido, a ré Y, Seguros, S.A interpôs recurso de apelação, que instruiu com as pertinentes alegações, em que formula as seguintes conclusões: « I- A Ré impugna, por considerar incorretamente julgados, a decisão proferida quanto aos factos dos artigos 58º a 62º, 65º, 66º, 68º, 69º, 70º, 73, 74º, 85º, 88º da contestação que apresentou na ação principal e 68º, 81º, 83º, 84º, 85º e 86º da contestação que apresentou na ação apensa.

II- O julgador socorreu-se, para sustentar a decisão de condenar a Ré nas prestações fixadas, numa presunção, aplicada ao abrigo do disposto no artigo 623.º do CPC, decorrente do facto dado como provado no ponto 13 da sentença penal condenatória, proferida no processo que correu termos na extinta Secção Criminal, da Instância Local, do Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo, sob o nº 46/13.9TAPTB.

III- A presunção decorrente de decisão penal condenatória é ilidível e incide sobre factos e não considerações ou conclusões jurídicas.

IV- O que se presume e se impõe às partes de ações cíveis conexas é(são), apenas, o(s) facto(s) dado(s) como provado(s) na sentença penal - desde que conexo(s) com os pressupostos da punição e os elementos do tipo legal, bem como dos que respeitam às formas do crime).

V- Para ilidir aquela presunção, a Ré teria, apenas, de provar o contrário do que se deu como demonstrado no ponto 13 da dita decisão penal condenatória, ou seja, que, em consequência do acidente, a C. B. não sofreu as lesões torácicas traumáticas descritas no relatório da autópsia, que deram causa à sua morte.

VI- A prova não visa a obtenção de uma certeza absoluta, mas sim com elevado grau de probabilidade.

VII- A ilisão da presunção decorrente da decisão penal condenatória não implica a prova de uma realidade alterativa à que foi considerada provada naquela sentença.

VIII- Assegurada a prova do facto contrário ao que foi dado como provado no ponto 13 da decisão penal condenatória, ou seja, que as lesões traumáticas detetadas na autópsia não foram resultado do acidente, a Ré não teria de demonstrar qual foi, afinal, a causa da morte da C. B., uma vez que, nesse caso, já não estaríamos no campo da prova do facto contrário, mas sim no da prova do facto alternativo.

IX- Com relevo para o apuramento dos factos em causa, há a salientar, em primeiro lugar, o depoimento da testemunha I. M., condutora do veículo onde seguia a C. B. no momento do acidente, estando o seu depoimento gravado no sistema H@bilus no dia 19/11/2021., entre as 11h56m56s e as 12h24m01s.

X- Nas passagens dos minutos 2m06s a 2m36s, 7m19s a 7m25s, 8m19s a 8m27s, 9m08s a 9m12s, 9m37s a 9m43, 10m18s a 10m41s, 11m30s a 12m08s, 12m21s a 12m35s, 14m18s a 14m33s, 14m36s a 14m52s e 15m52s a 16m57s do seu depoimento, esta testemunha descreveu as circunstâncias em que ocorreu o acidente e o estado em que se encontrava a C. B., evidenciando um cenário totalmente incompatível com a possibilidade a malograda C. B. ter sofrido, em consequência do evento ocorrido em 10/04/2013, lesões torácicas de tal gravidade, a ponto de lhe terem causado a morte, no dia 13/04/2013.

XI- Em particular, esta testemunha salientou que o embate ocorrido em 10/04/2013 não foi violento, não tendo causado danos no interior do veículo (e, em particular, no cinto de segurança usado pela C. B., ou no banco situado imediatamente à frente do sítio onde seguia) e –não obstante a I. M. não seja médica – dele resulta que a C. B., logo após tal evento, se encontrava num estado de saúde aparentemente normal, sem sinais de sofrimento e, sobretudo, de dificuldades respiratórias, a ponto de conseguir falar normalmente.

XII- Também os registos da assistência prestada à C. B. pelo INEM e pelos Bombeiros Voluntários de ... na sequência do evento ocorrido em 10/04/2013 (o do INEM junto aos autos principais no dia 06/12/2021 - Ref citius 3394407- e dos Bombeiros no dia 01/10/2015 nos autos apensos- ref citius 664053), descrevem uma situação de aparente normalidade ou, pelo menos, de reduzida alteração no que toca ao estado de saúde da C. B. imediatamente após o acidente.

XIII- Em nenhum desses elementos se descreve um quadro de dificuldades respiratórias da C. B., ou de sofrimento acentuado, não tendo sido necessário administrar-lhe oxigénio.

XIV- se a C. B. tivesse sofrido fraturas torácicas capazes de lhe causar a morte três dias depois, tal facto e sua necessária sintomatologia – passou totalmente despercebida quer ao médico do INEM, quer aos socorristas, a ponto de este último apenas ter registado a ligeira escoriação no dorso da mão, o que não é crível.

XV- Também o registo da observação da C. B. no episódio de urgência do Hospital ..., a partir das 18h44m do dia 10/04/2013 (o qual foi...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT